Os Santos: tirinha política viraliza debatendo racismo no Brasil
Leandro Assis e Triscila Oliveira são os nomes por trás dos quadrinhos Os Santos, com importantes reflexões sociais
atualizado
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Em dezembro de 2019, Leandro Assis começou um novo projeto no Instagram. Após publicar diversas tirinhas criticando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o artista decidiu se voltar mais ao cotidiano daqueles que o elegeram.
“Eu estava fazendo umas tiras de humor, mais críticas ao governo, mas em algum momento senti necessidade de falar também dos eleitores do governo. Então pensei em focar em um tipo de eleitor que conheço bem, a classe média alta do Rio”, contou o ilustrador ao Metrópoles.
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“Com o começo da série vi que estava falando de mais do que de um grupo de eleitores. Estava falando de injustiça social, racismo, homofobia etc. Coisas que sempre existiram no Brasil, mas que atualmente parecem estar ganhando força”, completa Leandro.
O ilustrador explica que escolheu compartilhar seu trabalho no Instagram após acompanhar o trabalho de Pacha Urbano na plataforma, que publica as tiras do Filho do Freud.
“Ele já explorava esse elemento do carrossel [recurso que permite a publicação de diversas imagens]. Achei um formato interessante para contar histórias. E, além disso, as redes sociais tem a vantagem do contato imediato com o público”, avalia Leandro.
Pouco depois de publicar a terceira edição, Manteiga, a vida de Leandro mudou. Ele ganhou mais de 30 mil seguidores com a viralização da peça e até foi bloqueado do Instagram pelo alto fluxo de pessoas em seu perfil. Foi com essa tirinha que conheceu Triscila Oliveira, a carioca que se tornou a co-roteirista dos quadrinhos.
“A primeira tirinha que vi foi a Manteiga que viralizou. O Enredo conta uma manhã da empregada que acorda 4 horas mais cedo que a patroa que reclama da manteiga estar dura. Eu já fui faxineira. E me conectei automaticamente com a história”, explica Triscila. Ela também é ativista e tem um ateliê em Niterói, no Rio de Janeiro.
Triscila deixou um comentário na publicação e foi assim que a parceria nasceu.
Depois de Manteiga, as tiras foram renomeadas para Os Santos, e passaram a focar em Edilsa e sua família. “A ideia de fazer essa série é falar de situações reais que são revoltantes. Como pode a sociedade de um modo geral naturalizar essas situações? O abismo social, o racismo, os privilégios de um grupo. Eu quis falar disso da forma mais direta e o objetiva. Sem metáforas ou humor”, conta Leandro.
Os Santos trata de diferentes problemas sociais que, ao ver dos autores, permeiam a sociedade brasileira. Racismo, machismo, homofobia e a disparidade de classes são os temas mais presentes no trabalho.
Leandro afirma que é difícil apontar uma mensagem central em seu trabalho. “Acho que o sentimento que fica, em mim pelo menos, é de revolta. E da necessidade de falar disso. E de mudar essa situação”, pondera.
Quanto à resposta aos quadrinhos, Leandro diz que há todo tipo de reação. “Há quem se identifica com as personagens das domésticas e agradecem por Triscila e eu estarmos expondo esses absurdos. Há quem se conecta com os patrões, e fala sobre como tentar mudar isso dentro de casa. Alguns agradecem dizendo que estão revendo suas atitudes. E, claro, ainda tem uns poucos que ainda negam que essas situações aconteçam, questionando o racismo”.
Conservadorismo
Leandro ainda avalia que as posturas reacionárias retratadas em Os Santos é algo geral. “Tem o Trump. Tem uma onda de direita na Europa. Mas o caso do Brasil parece mais grave. A impressão é que temos uma elite com uma mentalidade escravocrata. Incapaz de entender a importância de acabar com a absurda injustiça social no Brasil. Então, não sou muito otimista”, projeta.
“Eventos recentes mostraram o quanto o brasileiro precisa se conscientizar e se educar politicamente para que não elejamos políticos que fomentem o status quo opressor, violentando e matando diariamente a população mais vulnerável”, opina Triscila.
A escritora diz que busca, com seu trabalho, “gerar debates, conscientização e promover mudanças reais frente a uma sociedade tão preconceituosa”.
Para Leandro, a onda conservadora não vai passar tão cedo no Brasil. “E sobre como conscientizar certas pessoas do problema? Com educação. Mas tem que ter um governo interessado nisso. E o atual não está”, conclui.