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Dados quebram teoria do “quem lacra, não lucra” em vendas de HQs

Polêmicas em torno de HQs com LGBTs fez com que um grupo apontasse que as vendas de revistas caíram, o que é contestado por dados oficiais

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Superman bissexual
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Não é de hoje que as histórias em quadrinhos são alvos de polêmica, mas desde que personagens LGBTQIA+ passaram a fazer parte das narrativas, um conceito bastante controverso tem ganhado força: “quem lacra, não lucra”.

No Brasil, o tema ganhou força em 2019, quando o então prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (PRB), evangélico ferrenho, determinou aos organizadores da Bienal do Livro que recolhessem a HQ Vingadores – A Cruzada das Crianças, da Marvel Comics, que tinha personagens gays em seu elenco.

Nesta semana, o tema voltou à tona após a DC Comics anunciar que encomendou uma segunda tiragem de Superman: Son Of Kal-El #5, HQ em que o novo Superman se revela bissexual.

Quem lacra, não lucra?!

Uma das frases mais usadas nos últimos anos para criticar o crescimento de representatividade na cultura pop é “quem lacra, não lucra”. O termo foi criado como forma de zombar o termo “lacrar”, usado por alguns grupos como gíria para “arrasar”.

Um dos nomes mais conhecidos na política brasileira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) puxou o coro de criticas a decisão da DC Comics. Logo após a editora anunciar a bissexualidade de Jon Kent, o filho de Jair Bolsonaro (sem partido) opinou no Twitter:

Um estudo divulgado pela Comichron mostra que “lacra não lucra” não encontra amparo no mercado. O levantamento apresenta a venda de histórias em quadrinhos da DC Comics de 1997 até 2021, no período de junho a agosto dos respectivos anos – o verão no hemisfério norte. O ano de 1997, por exemplo, apresentou recorde de vendas, com 24,4 milhões de exemplares comprados, perdendo apenas para 2016.

Mesmo com uma queda entre 1998 e 2015, em 2016 o número ultrapassou 1997: foram vendidos, no mesmo período, 26,5 milhões de revistinhas. Já em 2021, foram comprados 24,2 milhões de revistas. “Os dados mostraram que as vendas da DC Comics foram uma das maiores dos 25 anos, só perdeu para 2016 e 1997, que tinha mais lojas físicas vendendo quadrinhos do que hoje”, explica Christian Gonzatti, pesquisador e doutorando em gênero, diversidade e cultura pop, ao Metrópoles.

Marcos Heck, editor do portal Jamesons, afirmou que o termo “lacração” é usado por uma “parcela preconceituosa dos leitores”. “Se uma HQ tem mulheres fortes e de personalidade em papel de protagonismo, é lacração. Se o personagem pertence a comunidade LGBT, é lacração também. Se é algum personagem que não é branco, mais uma lacração. Virou uma expressão preconceituosa, infelizmente”, afirma ele.

Vale lembrar que as vendas no verão americano são as mais importantes, já que é o período em que as editoras costumam ofertar os seus principais títulos.

“Ao contrário do que se tenta espalhar na internet, a diversidade está aumentando e as vendas acompanham essa crescente. E isso é ótimo, pois o mercado precisa se renovar. O leitor era uma criança de 15 anos nos anos 80, agora já está chegando aos nos 50 anos”, completa Marcos Heck.

Falha na sociedade

Tanto Marcos Heck como Christian Gonzatti pontuaram que o problema da cultura do “quem lacra, não lucra” é a ideia de que pessoas brancas e heterossexuais são mais aceitas na sociedade. De acordo com Heck, a diversidade sexual só foi incluída em HQs da Marvel e DC no final da década de 1980, “principalmente no começo dos anos 1990”.

Na DC, o primeiro herói abertamente gay foi Estraño, um feiticeiro peruano cheio de estereótipos. Já na Marvel foi Estrela Polar, criado em 1979. “Devido a todo um contexto de preconceito da sociedade e limitações da censura do Código de Ética dos Quadrinhos que pautava as publicações da época, ele apenas foi confirmado como gay em 1992”, explicou Heck.

“É importante ressaltar que as histórias dessa época eram bastante problemáticas, pois envolviam questões como o vírus HIV. Todo mundo sabe hoje que lá na década de 80 e 90, em um mundo sem tanta informação como hoje, se espalhou a mentira que a Aids era uma doença relacionada a comunidade gay. E isso se refletida nas HQs.”

Marcos Heck

Christian Gonzatti, que desenvolve estudos acadêmicos na área da diversidade e da cultura pop, relembra que a censura a personagens LGBTQIA+ estava presente tanto na indústria cultural quanto no governo dos Estados Unidos.

“A diversidade sexual sempre foi uma intenção de vários produtores de quadrinhos, mas a indústria cultural envolve uma série de outras relações. O Estrela Polar era para ter se tornado o primeiro personagem gay da Marvel já no final da década de 1970, entretanto o editor da época era conservador e censurava essas representações internamente”, aponta o pesquisador.

“Também surgiu, na década de 1960, um pânico moral na sociedade dos Estados Unidos – que parece se repetir no contexto brasileiro – de que personagens podiam influenciar crianças a se tornarem LGBTs, confundindo representação com sexualização – duas coisas completamente diferentes”, completa.

Christian cita os estudos do psiquiatra Fredric Wertham, que defendia a capacidade de heróis em influenciar crianças. “Era uma pesquisa completamente enviesada, com problemas, mas que fortaleceu esse pânico moral e fez com que o Estado passasse a proibir a representação LGBT nos quadrinhos”, pontua. Para o estudioso, é importante refletir sobre o tema. “A cultura pop é uma ferramenta muito pontente para pensar sobre genero e sexualidade”, diz

Quando questionado sobre o motivo da revolta em torno da inclusão de gays nas revistinhas, Gonzatti explicou: “Essa revolta está relacionado a quem ainda ocupa o centro da sociedade. Ainda é a figura masculina, heterossexual, cisgênera, branca. “As denúncias dos movimentos LGBTs e feministas de que existem opressores e oprimidos deu, também, força para que homens padrões usassem essa noção para se colocarem como figuras que estariam sofrendo opressão”.

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