Professor da UnB, Pedro Russi defende a pichação como arte urbana
O pesquisador explica que, apenas no Brasil, grafite e pichação se diferenciam artisticamente
atualizado
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Texto: Thaís Antonio
No segundo grau, Pedro Russi desenhava nos bancos da escola e nas paredes. Caminhava pelas ruas de Montevidéu – ele é uruguaio – anotando em um caderno as frases interessantes que via. Na universidade, adotou a lata de spray em percursos noturnos para grafitar. Nesta época, estudou Medicina, que abandonou para se dedicar ao teatro de rua – uma outra forma de interagir com o espaço urbano – e depois formou-se em Pedagogia. Já no Brasil, cursou mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação.
O caderno que usava para coletar o pensamento das ruas acabou virando material de estudo na pós-graduação. “Claro que não sabia que isso iria se configurar em um diário de campo, porque não era esse o interesse, mas foi o resgate dessa forma de realocar a cidade e entender que ela não é apenas o ‘algo’ rua, a estrada , a ponte. A cidade é a vivência que a gente tem neste espaço.”
Da pesquisa saíram os livros Paredes que falam: as pichações como comunicações alternativas e Grafitis – trazos de imaginación y espacios de encuentros (publicado apenas em espanhol). “Eu não escolhi o tema por ser legal. Os diferentes tipos de intervenção urbana – seja a pichação ou grafite, a feira, o teatro de rua, o fato de como eu observo as praças, a forma como as pessoas se apropriam dos lugares, como vão reconfigurando, como vão fazendo releituras – é algo que eu vivencio.”
Hoje, Pedro Russi é coordenador do curso de Comunicação na UnB. E acredita que a atitude subversiva de “pichador” se mantém ao provocar os estudantes a não se acomodarem a um sistema. “Às vezes um estudante brinca e fala: ‘Professor, você não mostra o caminho das pedras’. Eu digo: ‘Eu nunca vou mostrar o caminho das pedras, e ainda vou te jogar pedras no teu caminho’. Eu acho que essa é a função também da universidade”, destaca.
Qual a diferença conceitual entre grafite e pichação?
O Brasil é um dos lugares onde tem mais força a distinção entre pichação e grafite. Vou primeiro fazer uma distinção mais “de dicionário”. O grafite seria aquilo mais relacionado à arte, mais relacionado ao desenho, que tem uma história mais relacionada ao que seria o hip-hop, uma vertente que a gente chama de uma vertente mais americana, dos Estados Unidos. Eu discordo disso, mas estou simplesmente fazendo um esclarecimento de definição. A pichação seria aquele risco, aquela coisa que vai tentar brincar com a altura [quem picha mais alto]. Traz certos tipos de letras, formatos, cores, tipo de traço e velocidade na escrita. E a pichação, aqui do Brasil, teria essa característica mais do que é negativo, mais da poluição, eu brinco, mais de “atos de doença”. O pessoal coloca a pichação como uma doença que tem que ser exterminada e tem que ser extirpada. Essa distinção aqui no Brasil é uma distinção que faz um reflexo de classe. O picho é mais marginal, o picho é mais de uma classe social determinada e o grafite está numa outra classe social, numa elite. Tanto que quando a gente dialoga com o pessoal que está no grafite, na pichação, tende a haver uma distinção: ‘Eu sou grafiteiro, não sou pichador’.
Não importa que haja diversas outras situações ocorrendo na cidade. Podem ter mil, quatro mil pessoas morando na rua, mas parece que só a pichação é o que suja. Então, tem essa questão de extirpar essas marcas. A gente observa quando uma pessoa apaga uma pichação e deixa tipo um curativo, né? Uma coisa que é, como que extirpar um câncer. Tem uma questão de higienização aí: a pichação é suja, a pichação tem que ser higienizada.
Então essas duas definições, o grafite como mais relacionado à arte, à uma expressão artística, e a pichação a um ato de doença, um ato sujo, a um ato de alguém que está fora de um sistema, cria no Brasil essa definição
Pedro Russi
E em outros países, como é?
Em outros lugares essa diferenciação não acontece tanto. Não existe essa necessidade de dizer “eu sou um grafiteiro que escreve” e “eu sou um grafiteiro que desenha”. Basta dizer “eu sou grafiteiro”. Ponto. Não tem tanto essa de diferenciar grafite e pichação. Então isso também é interessante. Coloca esse sujeito num âmbito de uma relação social, num outro patamar.
A pichação e o grafite, segundo essa lógica em que se pretende “separar” as duas vertentes, dialogam e, quando se fala dialogar, é no sentido de que eles estão em interação no espaço urbano. Porque não são simplesmente coisas, são ações. É o mesmo que num ônibus. Num ônibus você está com outro sujeito, mas quando o outro sujeito começa a falar mais alto, ou grita com você, você tem reações, ou você observa que até tem alguém que está roubando outro, ou que está xingando o outro. É interessante porque às vezes o pessoal não observa que essa pintura na parede, seja ela qual for, estabelece um diálogo. E como todo diálogo e como toda interação, ela tem seus conflitos. E tem vários conflitos. Então, tem momento em que, por exemplo, um desenho de um grafite é provocado por uma pichação; e às vezes uma pichação é provocada por um grafite. E às vezes também tanto uma pichação quanto um grafite são provocados por um cartaz colocado em cima que oferece um serviço de churrasco. Às vezes o pessoal quer normalizar e normatizar e criar situações que não acontecem na própria interação humana. Porque o grafite e a pichação são interações humanas.
A rua é, de fato, de todo mundo?
Rua é vivência. Eu não entendo a rua como um objeto material. A rua não é o asfalto, a rua é vivência. A pichação ou o grafite, vamos chamar de pichação, coloca uma tensão, coloca uma questão do limite das coisas. Então, quando eu desenho numa parede, eu desenho num lugar, esse lugar, mesmo que seja uma parede supostamente privada porque é minha casa, ela está em convivência com um cenário que é uma vivência externa. Então, o espaço público ele é interação, ele é tensão.
A partir do momento em que você leva o grafite, a arte de rua, para uma tela, para uma galeria, para dentro da casa de uma pessoa, o que ela é?
É arte. Pode se chamar de arte. Na verdade, eu estou sendo bastante injusto se eu falo que isso é arte. Isso é domesticação. Ou seja, algo está se incluindo numa definição. Numa definição que vai responder a determinados cânones, a determinada ordem. Quando o pessoal diz que o grafite é uma arte, está domesticando o grafite porque é um grafite que vai responder a determinados parâmetros que vão estabelecer: “É arte por isso ou aquilo”. É um “dever ser”. Então um grafite colocado dentro de uma casa, um grafite feito numa parede em que “aqui pode pichar”, “aqui pode grafitar”, é domesticado. É um ato domesticado.
O grafiteiro que foi pra dentro da galeria é menos grafiteiro?
Ele deixa de ser grafiteiro se eu tomo a essência da questão do grafite.
Quer ler o texto completo? Acesse Projeto Lupa e confira na íntegra a história de Pedro Russi.
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