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Por que personagens negros viram animais ou morrem em filmes e na TV?

Estudiosos e ativistas têm questionado o motivo de filmes, animações e novelas terem “destinos padrões” para protagonistas negros

atualizado

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Reprodução/Cinefilia
Desumanização dos Negros nas animações e nos cinemas
1 de 1 Desumanização dos Negros nas animações e nos cinemas - Foto: Reprodução/Cinefilia

No dia 25 de abril, o mundo vai conhecer os vencedores da principal premiação do cinema mundial. Entre os favoritos a levar um dos mais cobiçados troféus do Oscar, o de melhor longa de animação, está Soul, primeiro filme da Pixar a apresentar um protagonista negro. Lançado pelo Disney+ em 2020, o longa conquistou rapidamente o público e a crítica especializada e poderia ter sido um grande acerto do estúdio americano em termos de representatividade, não fosse por um padrão que vem sendo bastante criticado por estudiosos e ativistas: a desumanização do protagonista negro, Joe, que passa boa parte do enredo como uma alma azul.

A escolha aparentemente lúdica e não-intencional foi repetida em outras animações, como A Princesa e o Sapo (2010), com a primeira princesa negra da Disney, Tiana, passando a maior parte do filme como um anfíbio; e com o agente Lance, protagonista negro de Um Espião Animal (2019), da Blue Sky, também da Disney, que se transforma em um pombo e aparece quase metade da trama no corpo do animal.

Depois da tendência se consolidar em Soul, uma ONG americana chegou a lançar uma petição pública, pedindo o fim da desumanização dos personagens. “Uma vez é acidente, duas vezes coincidência, três vezes é um padrão”, diz a descrição da iniciativa, que já conta com quase 5 mil assinaturas.

Stopdedhumanizing
Linha do tempo mostra escolhas da Disney para personagens negros. Praticamente todos viraram um animal/criatura lúdica

Como os filmes funcionam como um retrato da realidade e têm o poder de influenciar pensamentos e culturas, profissionais do audiovisual e ativistas se perguntam: a mensagem que essas narrativas estão passando para a nova geração é mesmo correta?

“Discutir esse assunto é urgente porque o que tange a ficção tange a realidade. É preciso fugir dos estereótipos, dar uma profundidade para o personagem negro e trazer outras perspectivas”, analisa a youtuber, streammer e co-fundadora da Perifa Con, “primeira comic con da favela”, Andreza Costa.

“Por que não optar por histórias onde os protagonistas vivem toda a narrativa em seus corpos negros? Estamos em 2021, depois de Pantera Negra, também da Disney, ter arrecadado mais de US$ 1,3 bilhão nas bilheterias do mundo inteiro. Então fica difícil entender a relutância ou a escolha, seja lá como podemos chamar isso”.

Andreza Costa, fundadora da Perifa Con
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O agente Lance passa 45% como um pombo
Joe, personagem principal de Soul, também passa grande parte do filme como uma alma
A transformação dos personagens também acontece com outras etnias. Em O Irmão Urso, de 2003, por exemplo, um nativo americano passa a maior parte do filme como um Urso
Gráfico mostra tempo em que personagens negros ficaram no próprio corpo, nos filmes em que foram protagonistas
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A princesa Tiana passou 62% do filme como um sapo

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O agente Lance passa 45% como um pombo

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Joe, personagem principal de Soul, também passa grande parte do filme como uma alma

Reprodução/Disney/Pixar
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A transformação dos personagens também acontece com outras etnias. Em O Irmão Urso, de 2003, por exemplo, um nativo americano passa a maior parte do filme como um Urso

Reprodução
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Gráfico mostra tempo em que personagens negros ficaram no próprio corpo, nos filmes em que foram protagonistas

Reprodução/Change.Org
Os primeiros a desaparecem (ou morrerem)

Essa lógica de exclusão atinge todo um mercado de cultura pop — dos filmes, às novelas e realities shows. Para além da desuminazação presente nas animações, é comum ver personagens negros reproduzindo estereótipos racistas ou desaparecendo em meio à narrativa, após algum tempo figurando como uma espécie de “álibe de representatividade”.

No ano passado, o ator John Boyega, que viveu Finn na franquia Star Wars, acusou a produção dos filmes de ter deixado seu personagem de lado por questões raciais. “Sou o único integrante do elenco que teve sua experiência na franquia baseada na raça”, desabafou o ator a QG britânica. “O que eu diria à Disney é: não traga um personagem negro, faça marketing em cima dele de como ele é tão diferenciado na franquia, para depois jogá-lo de lado. Isso não é bom”, completou.

Ray Fisher, o Ciborgue de Liga da Justiça (2017), baseado na equipe homônima da DC Comics, também colocou o assunto em debate ao dar mais detalhes sobre o comportamento abusivo do diretor Joss Whedon nas refilmagens. Em entrevista à Forbes, ele atribuiu a diminuição de seu personagem, assim como a exclusão de cenas com outros atores negros como Joe Morton e Kiersey Clemons, ao racismo ainda presente na estrutura das produções.

Também não são raras as vezes em que o destino dos personagens negros é a morte ou ainda transformado em um ser místico, atendendo ao conceito de Negro Mágico. O termo foi cunhado por Spike Lee no início dos anos 2000, ao compartilhar com estudantes de cinema, seu desânimo com a insistência de Hollywood de investir em histórias de negros, “normalmente coadjuvantes, que possuem alguma aura mística, sem muita instrução, que usam para salvar um branco”.

John Boyega como Finn
John Boyega ficou famoso pelo papel de Finn na franquia de Guerra nas Estrelas; seu personagem, no entanto, acabou desaparecendo rapidamente
“Parem de nos matar”

Nem mesmo as novelas brasileiras, exibidas para uma população majoritariamente negra, conseguem fugir das expressões sutis do racismo. Nessa semana, a atriz brasileira Jéssica Ellen, que interpretou Camila em Amor de Mãe, da Globo, usou as redes sociais para fazer um desabafo sobre o destino do elenco preto da trama. “Parem de nos matar, na vida e na dramaturgia”, escreveu ela.

Na trama de Manuela Dias, pelo menos quatro morreram de formas trágicas. Marconi, assassinado pela polícia ao se render, o advogado Lucas, executado por Penha, o marido de Penha, morto pelas mãos de Belizário no começo da novela e Rita, mãe de Camila, que foi atropelada por Thelma.

Na avalição da historiadora, Renata Mello Barbosa do Nascimento, professora da disciplina de Cultura, Poder e Relações Raciais, na Universidade de Brasília (UnB), o reforço a estereótipos de subalternidade, animalização, não-humanidade, não-pertencimento e, principalmente de sofrimento, não são coincidência, e acabam dando uma falsa sensação de representatividade, que alimenta o racismo fora das telas.

“É preciso discutir essa pauta e orientar os vários dramaturgos, autores e cineastas a pararem de reproduzir isso como se fosse inofensivo e normal”.

Renata Mello Barbosa do Nascimento, especialista em Cultura, Poder e Relações Raciais

Para ela, a solução para tornar o entretenimento, como um todo, mais representativo, passa, obrigatoriamente, pela presença de profissionais negros, em todas as áreas e etapas de construção desses produtos. “É preciso haver uma escuta e uma compreensão adequada dessas narrativas, que ainda são feitas, em sua maioria por pessoas brancas. E mesmo os brancos aliados são forjados pelo racismo estrutural”, conclui.

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