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Ministro da Cultura diz estar de “saco cheio” de política em shows

O ministro da cultura afirmou, ainda, não ver um futuro apocalíptico em um governo Bolsonaro

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Tomaz Silva/Agência Brasil
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1 de 1 1111587-tmaz_abr_09032018_7860_1 - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Ao apagar das luzes da gestão Michel Temer, o ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão não acredita que, mesmo se o escolhido a presidir o país for o candidato Jair Bolsonaro, o novo governo deva acabar com o MinC. Ele conta que já recebeu representantes da equipe do candidato pedindo informações sobre a pasta e que Flávio Bolsonaro, filho de Jair, é um dos nomes com interesse na área.

Sá Leitão fala que a classe artística precisa amadurecer para discutir política sem interesses setorizados e que há nesse momento uma série de artistas renomados, além de Regina Duarte, já construindo pontes silenciosamente com Bolsonaro. Seus nomes não são revelados, ele diz, pelo medo de retaliação.

Há um desânimo generalizado junto às pessoas ligadas à área cultural. O líder nas pesquisas para presidente, Jair Bolsonaro, nada falou sobre a pasta e a sensação é a de que tudo pode acabar em 2019. Como vê este momento aí de dentro?

Adotamos o mantra de que é preciso trabalhar pela cultura como se não houvesse eleições. Eu coloquei o ministério para os candidatos que quiserem conhecê-lo e fazermos a transição em 2019. Um ponto que você menciona é correto. Mais uma vez, a cultura passa ao largo de uma campanha presidencial, o que não é exatamente uma novidade. O que temos no Brasil são campanhas que raramente abordam o tema. A Cultura ainda não é reconhecida no Brasil com a importância que ela efetivamente tem.

Mas piora quando não parece haver interesse ou previsão de debate, uma pauta, um entendimento maior. Não é o momento de soar o alerta?

Acho que essa entrevista é para isso. Alguns mecanismos foram melhorados, outros precisam ser melhorados, mas há um caráter estratégico na política cultural e nos instrumentos de fomento. As atividades criativas contribuem para o País. Já correspondem a 2,64% do nosso PIB, gera mais de 1 milhão de empregos formais. Quase 250 mil empresas e instituições cresceram entre 2012 e 2016 com geração de renda.

Parece difícil fazer entender que Cultura é economia, como Gil começou a fazer entender quando foi ministro.

Sim, isso foi colocado na agenda do Ministério da Cultura pela primeira vez com clareza e objetividade por ele.

Não é um perigo que a falta desse entendimento provoque um retrocesso e voltemos a ver Cultura como entretenimento?

O reconhecimento da dimensão econômica da Cultura não pode se dar em detrimento das outras dimensões que as atividades culturais têm também. A identidade, a representação simbólica, o acesso. Eles estão interrelacionados.

A partir de algum momento, o MinC passou a ser associado a um foco esquerdista dentro do governo com intenções de classe. Pode haver alguma razão nesse entendimento, mas o perigo é esse status que ele recebeu por setores de direita de monstro a ser eliminado. A perspectiva de Jair Bolsonaro com relação à área pode ser destruidora.

Eu não tenho essa visão apocalíptica. Aos 51 anos, já vi muita coisa acontecer desde o final do regime militar. Acho que a democracia é muito sólida, temos instituições consolidadas e um bom sistema de pesos e contrapesos. Estou mais otimista, mas entendo o que você disse no que diz respeito a Jair Bolsonaro não fazer menção à cultura. As falas dele até agora foram muito poucas. Mas acredito que, ao se sentar na cadeira, se vencer as eleições, e tomar conhecimento do que é o MinC, das políticas, dos programas e das ações, vai reconhecer a importância da área. Há pessoas em seu entorno com algum interesse por esse assunto que tem buscado diálogo. Paulo Marinho é um empresário do Rio que tem empresa de produção cultural. Outro que se interessa pelo assunto é o filho Flávio Bolsonaro, com o qual falei algumas vezes.

Esse embate entre a classe artística e um provável governo Bolsonaro pode ser um caminho sem volta?

O importante é o seguinte: todo mundo que conhece um pouco de estratégia de guerra sabe que em uma batalha entre dois países vizinhos nenhum dos lados explode as pontes que existem entre esses países porque nunca se sabe quando elas vão ser necessárias de novo. Nesta campanha, algumas pessoas do setor cultural dinamitaram pontes em uma postura de ‘ou nosso candidato ganha, ou vai ser o apocalipse’. E aí você cria uma situação em que a profecia pode se realizar. Se não há mais diálogo com o outro lado, se as pontes foram dinamitadas, então não haverá diálogo. O setor cultural precisa ter mais maturidade para lidar com a política e o Estado. A opinião precisa ser respeitada, mas o setor precisa deixar suas preferências de lado para pensar nos interesses e demandas centrais. Essa postura de só dialogar com quem é próximo pode ser até suicida.

Há mais artistas apoiando Bolsonaro de forma silenciosa?

Esta é uma reflexão que precisa ser feita: por que pessoas de um determinado setor, que têm preferência por uma força política, têm medo de vir à tona e expressar essa preferência por medo de retaliação de seus pares? A atriz Regina Duarte teve grande coragem (ela visitou o candidato e tirou com ele uma foto), rompeu esse consenso e estabeleceu um diálogo. Há outros grandes nomes de atores e atrizes de cinema e teatro que apoiam mas estão com medo de retaliação. Não posso falar seus nomes. E isso é lamentável, reitera nesses ambientes homogêneos que só se comunicam pelo embate aquele princípio sartriano, em que o inferno são os outros. Intolerância é sempre o que o outro faz. Há exemplos disso nos dois lados.

Eu sigo otimista, acho que o bom senso tende a prevalecer. Sim, nós temos de um lado uma grande incógnita, porque o candidato Bolsonaro e sua equipe têm pouca familiaridade com o setor cultural. E há do outro lado também questões muito preocupantes. Eu gasto metade do meu tempo e da minha equipe resolvendo problemas herdados das gestões do PT. Eles tiveram alguns méritos, acrescentaram coisas importantes ao repertório da Cultura, mas foram extremanente desastrosos com relação à gestão, produzindo prejuízos imensos ao erário. Não é possível aceitarmos que tenham sido acumuladas 25 mil prestações de contas sem análise no caso da Lei Rouanet, por exemplo. E eu conheço outros artistas e produtores que não se manifestaram ainda mas criaram pontes com a campanha do Bolsonaro. Eu acho esse movimento positivo para despertar interesse do candidato na área. O presidente tem que dialogar com todos os setores da sociedade.

A dúvida é se Bolsonaro, se tornando presidente, também vai ter maturidade para dialogar mesmo com a classe que não o apoiou.

Eu tenho a esperança de que, ao se sentar na cadeira, isso irá acontecer, me parece a postura mais inteligente e consequente. Acredito no império do bom senso mesmo nos momentos mais conturbados.

Mobilizações artísticas podem transformar políticas públicas?

Aquilo que os artistas fazem tem impacto transformador, mas a opinião deles tem muito menos. Eu diria que o impacto é pequeno, e cada vez menor. Sobretudo quando essa opinião claramente resulta de um determinado projeto ideológico e político. E as pessoas, mesmo reconhecendo o artista, não reagem àquela opinião. Acho que por terem falado demais sem embasamento, alguns artistas contribuíram para que sua influência fosse gradativamente sendo reduzida. O movimento #elenão, por exemplo, – e eu não estou criticando o direto das pessoas de manifestarem sua opinião nem o próprio movimento – por ser um movimento de negativa, acabou tendo efeito contrário ao esperado. Aquilo reforçou o apoio popular ao outro lado e contribuiu para um certo divórcio entre o público e parte dos artistas. E isso é muito ruim para a cultura brasileira. Na minha visão, em toda a história da humanidade, sempre que a arte se sujeita à política isso acontece em detrimento da arte. Claro que os artistas podem ter sua opinião, mas se for feito de maneira generalizada, acaba contribuindo para o enfraquecimento da própria arte.

O episódio de Roger Waters sendo vaiado e aplaudido no Allianz Parque tem a ver com esse assunto…​

Eu estive lá, conversei com o empresário dele antes do show. Confesso que, pensando como público, como fã, eu estou de saco cheio. A gente não consegue mais ir a um show ou ver um filme sem que haja algum tipo de manifestação política. Muitas pessoas estão com essa sensação. A arte é transformadora inclusive em um grau maior do que a própria política. Eu sei que o Roger Waters é um artista politizado, discordo de algumas posturas mas adoro a música que ele faz. Cheguei um pouco mais cedo ao show de Waters. Eu conhecia o empresário e ele me chamou. Ficamos batendo papo antes do show e ele me disse que Waters iria falar sobre a eleição. Aí, me fez perguntas e eu disse que seria uma celeuma porque a sociedade estava muito dividida. Mas saí do show com a impressão de que era exatamente isso o que o Roger Waters queria.

Temos que pensar sobre o que produziu esse fenômeno da polarização e da constituição de redes sociais de audiência homogênea no Brasil. Isso é algo novo nesse nível para nós, e representa o rompimento com alguns setores. É quase como se vivêssemos hoje uma distopia, a realidade se distópica. Temos duas dimensões distópicas que só se comunicam na base do conflito. As redes contribuíram por conta dos algorítimos que valorizam as semelhanças. Aos poucos, os universos virtuais foram se tornando microcosmos homogêneos com pessoas com o mesmo pensamento. Ao mesmo tempo, as diferenças foram sendo excluídas.

E como isso chegou à política?

Quando o PT passou a se dedicar à construção da narrativa do golpe, e fazer isso de maneira muito bem sucedida, ele contribuiu com essa polarização. E tudo passou a ser essa guerra de narrativas. Agora temos a narrativa do “fora PT” contra a do “#elenão” substituindo a narrativa do golpe e do “Fora Temer”. A sensação é de que estamos em um mundo distópico de ficção científica.

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