Das ruas aos quadros: grafiteiros do DF criam novo nicho para vencer crise
Depois de meses difíceis no início da pandemia, artistas se adaptaram e conseguiram aumentar suas demandas de trabalho
atualizado
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Foi nos espaços urbanos que o grafite encontrou sua essência e se transformou em um dos movimentos artísticos mais populares do mundo. Porém, desde que a pandemia do novo coronavírus esvaziou significativamente as ruas, quem se dedica a essa forma de expressão cultural teve de encontrar outros meios para desenvolver e divulgar seu trabalho. Um desafio que os grafiteiros brasilienses superaram com a mesma criatividade e potência que agregam às criações.
As primeiras semanas de isolamento social foram difíceis para a dupla Daniel Toys e Mikael Omik, famosos por transformar muros e instalações da cidade em galerias a céu aberto. Os dois tinham vários projetos previstos, planos de viajar pelo Brasil e participações em eventos internacionais. Quando a pandemia começou, a agenda ficou vazia, mas eles não desanimaram e continuaram a pintando telas em casa.
Fora da zona de conforto
“No começo foi complicado, deu aquela pausa em tudo. Paramos de pintar na rua e na casa das pessoas. Ficamos realmente em isolamento, produzido no ateliê. Depois desse primeiro momento, as encomendas de tela aumentaram”, conta Daniel. “A gente percebeu que as pessoas queriam continuar esse contato com a arte em casa, decorar, mudar um pouco o ambiente”, emenda o artista.
Esse período de baixa também foi uma oportunidade para que Toys e Omik criassem um canal no Youtube e passassem a produzir conteúdo.
“A pandemia serviu para tirar a gente da zona de conforto. Mesmo se os clientes não tivessem aparecido, a gente ia pensar em outras formas de trabalhar. Somos artistas e precisamos estar sempre nos movimentando. Isso acaba fazendo as coisas acontecerem”, defende Toys.
Seis meses após o início da pandemia, a dupla diz que o segmento começa a retomar as atividades, com a adoção de novos protocolos de segurança. “Estamos trabalhando quase todo dia, pintando murais, e até já participamos de uma exposição em São Paulo”, conclui.
Lado emocional
O maior desafio da artista visual Brixx Furtado, 32 anos, foi lidar com o bloqueio criativo.
“Não estava conseguindo focar em criação, pintura. A produção do artista também tem a ver com o lado emocional. Tem os que estão tristes, frustrados e produzem mais. Eu, sinceramente, fiquei congelada. Decidi focar no aprendizado, na descoberta de coisas novas. Fiz curso de inglês, aquarela, fotografia para Instagram”, afirmou.
Nos meses seguintes, o jogo virou. Além do aumento da demanda por murais em residências — que ela também atribui à atenção que as pessoas passaram a dar para o lar —, a artista desenvolveu uma coleção de vasos numerados e exclusivos para Nano Garden e voltou a criar em ritmo acelarado.
O esforço de Brixx também foi recompensado no Prêmio Cultura Brasília 60, organizado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC) da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Ela se inscreveu e foi contemplada com R$ 4 mil. “No fim das contas, trabalhei mais na pandemia do que antes dela”, comemora a grafiteira.
Oportunidades geradas pela pandemia
Caio de Aguiar, conhecido no grafite como Neew, trabalha há 10 anos com projetos externos e até a pandemia ser declarada não tinha uma estrutura para trabalhar de casa. Quando as oportunidades começaram a desaparecer, ele tratou de montar um estúdio simples e encontrar outros materiais para imprimir as criações.
“Comprei todos materiais possíveis, telas, mdf, madeiras, e comecei a pintar bastante”, relata. “No começo tudo foi um desafio porque não era um trabalho que eu estava acostumado a fazer e também não tinha ideia se ia conseguir vender esse material”, diz Neew.
Apesar do receio, o designer não só alcançou outro nicho de cliente como descobriu um modelo de negócio que pretende manter, inclusive quando os projetos externos voltarem a ser demandados. “As encomendas foram aumentando e isso me ajudou muito durante toda a quarentena. Com a produção crescendo, eu também fui evoluindo minhas técnicas”, analisa.
“Durante todo o processo, percebi que existiam vários caminhos a serem percorridos. Abri novas portas e possibilidades dentro do meu trabalho, que só percebi possíveis nesse momento de dificuldade. Fui vencendo um desafio diferente e isso me fez acreditar muito mais em cada detalhe do meu trabalho que é feito com muito amor, carinho e dedicação”, reflete.