Podcasts no Brasil: conheça o fenômeno de programas sobre cultura pop
O formato não é exatamente uma novidade, mas tem crescido e conquistado milhares de ouvinte graças a plataformas de streaming
atualizado
Compartilhar notícia
Se você nunca ouviu um podcast na vida, não sabe o que está perdendo. Há todo um universo do “rádio na internet” que serve de alternativa às dezenas de emissoras tradicionais que podemos sintonizar no carro. Não à toa, outro dia rolou um intenso debate no Twitter sobre o assunto – uns criticando e outros louvando trabalhos feitos no Brasil.
Existem programas voltados para praticamente todos os assuntos possíveis. Política, comportamento, economia, saúde, bem-estar, esporte e uma porção de temas segmentados que você puder imaginar. A cultura pop marca presença há tempos, reunindo entusiastas de filmes, séries, música, quadrinhos e memes em rodas de discussão ouvidas por milhares de pessoas.
O Metrópoles aderiu ao formato em 2019, com É Treta, Fi, sobre o reality show Big Brother Brasil, e Barraco Armado no Planalto, conversa bem-humorada a respeito dos últimos fatos da política nacional. Os poderosos, aliás, têm adorado essa comunicação direta com o público. O presidente da República, Jair Bolsonaro, é famoso por suas lives no Facebook. Mas o podcaster da Esplanada é mesmo Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. Na Resenha com Rodrigo, ele compartilha temas do momento no Congresso e impressões pessoais.
Mas chega de política e voltemos à cultura pop. Abaixo, detalhamos quatro podcasts que merecem destaque por tratar o mundo do entretenimento sob diferentes ângulos.
Um Milkshake Chamado Wanda: o melhor do mundo pop, às quintas
O podcast do site Papel Pop é febre entre fãs de cultura pop no Brasil. Pudera. Venceu o prêmio MTV Miaw 2019, escolhido por voto popular, na categoria. No ar há quatro anos, aposta em um perfil multifacetado. Aborda filmes, séries e música, mas com uma pegada cômica e antenada, de super-heróis a divas pop.
“Por mais que a gente fale de muita coisa, o enfoque é coeso porque a gente é muito parecido com o ouvinte”, diz o criador Phelipe Cruz. Ele considera o programa uma “sessão de terapia” – para criadores e ouvintes. “O segredo da nossa longevidade é não parar. Estamos ali toda quinta dando risada, falando coisas legais. E aquilo acaba sendo válvula de escape para muita gente. Isso cria uma relação poderosa, de muitos anos. Esse sucesso de agora vem do comprometimento com nossa audiência”, aponta.
O Wanda surgiu basicamente da vontade de Cruz “de abrir o microfone e falar”. No começo, imaginou um espaço para conversar sobre cultura, sexo, comportamento e até ajudar pessoas com casos amorosos. Veio a ideia de batizar essa mistura como milk-shake. Para não ficar tão óbvio, ele tratou de buscar uma referência pop: Um Peixe Chamado Wanda (1988), clássica comédia dos anos 1980. “Para o trabalho não matar a gente, a gente vai lá e inventa um novo trabalho e acaba se matando fazendo isso também. Essa é a minha loucura de fazer o Wanda”, comemora.
Feito por Elas: olhar feminino sobre cinema
Há três anos no ar, o podcast focado em filmes feito por mulheres (do passado e do presente) nasceu a partir do desafio cinéfilo #52FilmsByWomen, do Women in Film. A proposta é simples: ver pelo menos um trabalho dirigido por uma cineasta em cada semana do ano, totalizando 52 títulos. O Feito por Elas foi adiante e além. Comenta obras do momento, mas também observa filmografias importantes e personalidades femininas do mundo do entretenimento.
“Esses filmes escritos ou dirigidos por mulheres acabam nem sempre sendo os com os maiores orçamentos e nem os com maior cobertura midiática, então muitas diretoras contemporâneas deixam de ter seus trabalhos comentados. A isso se soma o apagamento histórico de cineastas do passado, que é outro problema que vem sendo revisado nos últimos anos”, define a antropóloga e crítica Isabel Wittmann, criadora do podcast ao lado de Angélica Hellish. A letróloga Stephania Amaral e as jornalistas Camila Vieira e Kel Gomes completam a equipe.
Isabel vê no formato mais informalidade do que nas resenhas tradicionais, por escrito. “É na hora da gravação, na troca de percepções e no contraponto de opiniões que a crítica se constrói”, analisa. Em franca ampliação, com programas sobre outros assuntos, o Feito por Elas faz questão de indicar vários outros espaços protagonizados por mulheres, como É Delas, Preciosa Madalena, que abriga Ponto G, Pretas na Rede e Explica América, os feministas Olhares e Outras Mamas e o americano You Must Remember This, com histórias antigas de Hollywood.
Em relação àquele debate citado no começo da matéria, Isabel entende que a tradição de “mesa de bar”, bastante criticada no Twitter, “reflete alguns aspectos de uma realidade muito brasileira”: dificuldades financeiras – podcasters têm outros empregos – e a falta de publicidade sistemática nos programas. “Sem dúvida que o formato tem se sofisticado e isso pode ser notado tanto na existência de programas em formato storytelling, como o Caso Evandro, como no boom de programas jornalísticos, muitas vezes produzidos por veículos da mídia tradicional impressa”, aponta.
Lado Black: vivência negra no Brasil
Feito pelo quinteto Luiza Braga, John Razen, Paula Fehper, Rafael Chino e Pedro Maciel, o programa surgiu em 2016, quando havia apenas um podcast nacional feito por negros, O Lado Negro da Força. Hoje, contabiliza Maciel, existem mais de 20, como Afropai, Depois das Dezenove, Meteora e Quebradev. “Se você pegar qualquer mídia, existe uma falta de vozes negras e as poucas que existem focam em falar a respeito da própria negritude. Cabelo, estética, debates políticos identitários. A gente quer mais que isso. A gente quer falar além da questão de negritude, demonstrar que sabemos falar a respeito de política institucional, de cinema, de entretenimento, de cultura e qualquer abordagem possível”, ele explica.
“Nossa ideia sempre foi ser uma voz negra a respeito de assuntos e não apenas uma voz de negros para negros. Então pra gente ter essa nova perspectiva negra a respeito do mundo, precisamos de diversidade. Para uma pessoa comum é fácil falar de qualquer assunto, mas pra nós é sempre uma questão de como isso impacta nossa percepção de identidade”, continua o editor.
Um dos diferenciais do Lado Black é o olhar inter-regional, já que os membros vêm de estados diferentes (Distrito Federal, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo). “O fato de estarmos espalhados pelo país e de não nos conhecermos previamente fez com que tenhamos pensamentos e experiencias de vida diversas unidas por esse traço em comum, que é o de ser negro no Brasil”, aponta Maciel. O podcast permite, além da proximidade com o público, intimidade.
“Quem ouve podcast sente um nível de verdade que geralmente não é sentido em nenhuma outra mídia. Mesmo com tosse, cachorro latindo ou com eco, existem histórias e verdades que jamais serão ouvidas senão na mídia podcast”, celebra.
Cinema na Varanda: entre amigos e filmes
Se você é cinéfilo, precisa conhecer a charmosa varanda digital frequentada todas as terças pelo quarteto Chico Fireman, Cris Lumi, Michel Simões e Tiago Faria. Todo e qualquer filme do momento (e, por vezes, do passado) passa pelos microfones dos podcasters: lançamentos em streaming, blockbusters, filmes de arte e brasileiros.
“Não havia um podcast que falasse de cinema de maneira plural, de todos os tipos de filmes e nacionalidades, que abrisse espaço para esses filmes”, explica Simões, dono da varanda onde habitualmente acontecem as gravações. “O cinéfilo merece um espaço em que possa concordar ou discordar das opiniões”, arredonda.
Em atividade desde janeiro de 2016, sem falhar uma semaninha sequer, os varandeiros defendem uma mistura de descontração, conversa entre amigos e crítica de cinema. “Não há nenhum problema nessa mesa-redonda temática, mas há espaço sim para explorar novas ideias e criar. A podosfera brasileira ainda tem muito a evoluir em formatos e novas ideias”, diz.
Até por isso, as comparações com podcasts americanos, feitas com frequência no Twitter, soam descabidas. No Brasil, o formato é feito na raça por quem gosta, nas horas vagas. “Não dá para comparar com a mídia consolidada nos EUA, em que há tantas empresas e órgãos de comunicação financiando. Esquema profissional em que há verba para criar, em que todos são remunerados e têm tempo para profissionalizar tudo”, esclarece.