Novo mercado: lives viram aposta para artistas faturarem alto
Superproduzidas, transmissões dos sertanejos lucram e causam polêmica durante o isolamento social imposto devido à pandemia do coronavírus
atualizado
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Os artistas brasileiros têm se adaptado à crise na indústria do entretenimento causada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Com o cancelamento dos shows, cantores de vários segmentos tornaram as lives não só uma forma de se manterem próximos dos fãs como também conseguiram fazer da ferramenta um modelo de negócios.
Nomes como Gusttavo Lima, Marília Mendonça e as duplas Bruno & Marrone e Jorge & Mateus chamaram a atenção por reunirem milhões de pessoas em suas apresentações on-line e protagonizarem uma competição pelo título de live com o maior número de acessos simultâneos do YouTube. A Rainha da Sofrência lidera o ranking com mais de 3,2 milhões de views ao vivo.
Os números, claro, refletem em cifras altas: os artistas não divulgam o total recebido nos shows on-line, no entanto, pessoas do setor ouvidas pela reportagem estimam que cotas de patrocínio cheguem a R$ 1 milhão. O valor cobre os gastos técnicos, mais baixos do que de uma apresentação “in loco”. Esse montante também contemplaria o cachê dos cantores. O pagodeiro Belo, por exemplo, estaria cobrando R$ 100 mil pela performance digital.
A audiência gigante também expõe o modelo de negócio a questionamentos. O principal deles é sobre as superproduções e a aglomeração de pessoas nos backstages dos shows. Os mais criticados, até o momento, foram Jorge e Mateus – na apresentação da dupla, garçons e outras pessoas sem máscara foram vistas nos bastidores –; Bruno e Marrone, por conta dos vizinhos aglomerados na porta da casa dos cantores; e Gusttavo Lima, que, alcoolizado, chegou a lamber o nariz de um dos convidados.
Outros segmentos
Apesar das estruturas mais simples, artistas de outros segmentos também têm conquistado espaço na plataforma. A aparição da funkeira Valesca Popozuda, em live no Instagram, cantando seus hits de “Proibidão”, movimentou a rede.
Elogiada por cumprir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o nome da artista foi parar no topo da lista de assuntos mais comentados no Twitter. “É uma forma de se manter ativo neste período. E temos que ter em mente o fato de o mercado do entretenimento ter sido o primeiro a parar e ser apontado como o último a voltar. Precisamos driblar isso”, disse a funkeira, em entrevista ao Metrópoles.
Gloria Groove tem aprovado as lives e visto shows de vários colegas de profissão e palco. “Esse movimento é muito legal. Fico de olho para ver se as pessoas estão fazendo shows muito grandes e se elas estão na quarentena mesmo”, brincou. E completou: “Mas a real é que está todo mundo descobrindo como fazer, os artistas estão correndo para se adaptar. Assisto aos meus colegas para ver como estão solucionando os problemas”.
Para a rapper, as lives são uma oportunidade de manter contato com os fãs. “Uma forma também de a gente colocar para fora essa ansiedade de ficar longe do palco”, pontua.
Grande marcas de olho na audiência
Com os mais de 3 milhões de acessos simultâneos e as mais de 41,3 milhões de visualizações até a publicação desta reportagem, a audiência da dupla Jorge & Mateus superou a de grandes emissoras da televisão brasileira – que, inclusive, tem tentado levar os artistas para projetos multiplataformas e exibido os “ao vivo” de nomes internacionais e nacionais.
Um acesso não representa a audiência de uma pessoa, já que cada usuário pode entrar e sair várias vezes durante a live, mas, se assim fosse, os sertanejos teriam passado dos 15 pontos no Ibope. Significaria metade da audiência do paredão entre Manu Gavassi e Felipe Prior, que bateu 31 pontos no dia 31 de março. E superaria atrações dominicais como o Programa da Eliana, no SBT, e a Hora do Faro, na Record.
Números grandiosos como esses aumentaram o interesse de renomadas empresas em fazer propagandas de seus produtos nas apresentações virtuais. A publicidade de cerveja feita nas lives de Gusttavo Lima acabou se tornando alvo do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) — o órgão alegou que o cantor não seguiu as regras para a divulgação de bebidas alcoólicas. Apesar de o casamento nem sempre terminar bem, para a maioria dos músicos os merchans se tornaram a única fonte de renda possível na ausência dos cachês.
O assunto foi alvo até mesmo de comentário do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Pelo Twitter, o chefe do Executivo prestou solidariedade ao sertanejo: “Minha solidariedade ao cantor Gusttavo Lima, que vem sendo injusta e covardemente atacado após a grande live que fez dentro de sua própria casa. Ele e outros artistas sertanejos e de demais gêneros têm sido grandes heróis nesta luta contra a Covid-19 e merecem aplausos!”.
Gustavo Luveira, diretor associado de novos negócios da R2 Produções, responsável junto com outros produtores pela parte de publicidade da dupla Jorge & Mateus e do Festival Fome de Música, falou sobre os desafios e apostas desse novo mercado. “Nas últimas semanas, tenho ouvido marcas dizerem que ‘tem de chegar a 1 milhão de views para valer tantos reais de investimento’. O momento é de cooperação tanto dos artistas quanto das marcas, para definição de parâmetros estratégicos de valoração desse novo mercado em expansão que vai além dos views”, explicou.
De acordo com Gustavo, os publicitários estão se esquecendo de que os artistas também estão aprendendo com esta modalidade. “A grande maioria dos cantores e músicos se relaciona com o público através do contato direto nos shows e palco. A interação do artista de se apresentar para uma câmera é um novo processo, ainda em estágio de aprendizado, capaz de fornecer abertura para que marcas possam fazer parte da experiência frente a seu público”, analisa o empresário.
Pós-pandemia do coronavírus
Luveira acredita, ainda, que a live continuará em ascensão pelos próximos meses. “A internet ainda não é capaz de substituir os números arrecadados por cada artista em seus shows. Mas é um bom começo para alinhar as expectativas entre os cantores e as marcas em um conteúdo original e verdadeiro. Somos o ‘horário nobre da TV’, façamos direito. E por um preço justo”, assinalou.
“As lives foram a maneira encontrada por artistas, que normalmente reúnem grandes multidões, para continuar a atuar e atrair recursos de patrocinadores. Além disso tudo, sob a perspectiva do marketing, estar junto do público numa hora difícil como esta é uma excelente estratégia”, pondera Karine Karam, professora de pesquisa do consumidor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
O pensamento também é compartilhado por João Mendes, empresário digital e responsável por lançar nomes como Whindersson, Carlinhos Maia, os irmãos Lucas Neto e Felipe Neto e GKay. Segundo ele, os artistas demoraram a se interessar por essa função do YouTube, até então subutilizada, mas que, a partir de agora, só tende a crescer.
“As lives vieram para ficar. Mesmo depois da quarentena. Os mais criativos e que conseguirem manter uma organização vão continuar com a audiência em alta. O tipo de conteúdo vai sustentar o modelo de negócio”, salientou o empresário digital.