Nove décadas de Fernanda Montenegro: atriz completa 90 anos
A trajetória da artista se confunde com a história do Brasil e passa por momentos como a ditadura militar e dois impeachments presidenciais
atualizado
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A grande Dama do Teatro ou a Atriz das Atrizes. Essas são algumas das expressões laudatórias usadas pelos brasileiros para se referir a Fernanda Montenegro. Nesta quarta-feira (16/10/2019), a intérprete comemora 90 anos de idade e 75 de carreira. Uma trajetória artística que se confunde com a história do Brasil.
Conhecida pela inventividade e coragem no palco, dona Fernanda continua implacável na sua luta pela liberdade de criação e expressão. No recente ensaio fotográfico para a revista literária Quatro Cinco Um — onde é retratada como uma bruxa presa a uma estaca prestes a ser queimada em uma fogueira com livros—, a atriz voltou a surpreender o país, emocionando uma legião de fãs, mas causando a revolta de alguns.
Fernanda Torres, 54 anos, definiu a mãe durante entrevista ao Globo Repórter: “Ela é um ser humano de pensamento independente. Já passou por muitos governos, modas, tendências políticas e ideológicas e sempre foi fiel ao que pensava. Com 90 anos ela é uma mulher do presente, e não do passado”.
O Metrópoles não poderia deixar de homenagear esta “mulher de todos os tempos” em uma data tão especial. Para isso, preparamos um passeio pelas nove décadas de vida e arte de Fernanda Montenegro, caminho baseado em seu livro de recordações, Prólogo, Ato, Epílogo: Memórias.
De 1929 a 1939
Arlette Pinheiro da Silva, nome de batismo de Fernanda, nasceu no dia 16 de outubro de 1929, em uma casa em Campinho, subúrbio carioca. Seus pais, Vitório Esteves da Silva, mecânico, filho de portugueses dos Açores, e Carmen Nieddu Pinheiro da Silva, dona de casa, filha de italianos da Sardenha, tiveram três filhas, sendo a atriz a mais velha. Durante a infância, Fernanda frequentou colégios públicos e, aos fins de semana, ia para o sítio dos avós em Jacarrépaguá.
De 1940 a 1949
Aos 12 anos, a atriz concluiu os estudos primários e ingressou no curso técnico de secretariado — que compreendia aulas de inglês, francês, português e datilografia. Quando completou 15, porém, ainda no terceiro ano do estudo regular, inscreveu-se em um concurso de locutora da Rádio MEC. Nascia ali a radioatriz e seu pseudônimo, Fernanda Montenegro. Seu primeiro papel na rádio foi numa obra de Cláudio Fornari, chamada Sinhá Moça Chorou.
De 1950 a 1959
Em 1950, Fernanda Montenegro conhece seu maior parceiro de palco e vida, Fernando Montenegro, falecido em 4 de setembro de 2008, aos 80 anos. O casamento do casal de atores aconteceu em 1952. À época, sem dinheiro para o vestido de noiva, Fernanda pegou emprestado a peça da amiga — e importante atriz — Eva Todor. Eles viveram juntos durante 58 anos e tiveram dois filhos: Cláudio e Fernanda Torres.
De 1960 a 1969
Entre os relatos presente no livro de memórias de Fernanda Montenegro, a escuridão dos Anos de Chumbo (1968-1974) estão presentes. A obra narra como Cacilda Becker a procurou, em 1968, para irem juntas até a casa do comandante da 2ª Região Militar, em São Paulo, pedirem pelo fim das prisões políticas e censura de muitos espetáculos produzidos pelo grupo Teatro dos Sete, tendo como integrantes, além do casal, o diretor Gianni Ratto e os atores Sergio Britto e Ítalo Rossi.
De 1970 a 1979
Nesta década, Fernanda Montenegro se manteve focada no teatro com algumas raras aparições na TV como o teleteatro A Cotovia, de Jean Anouilh, para a TV Tupi, em 1971, e um Caso Especial da TV Globo, em 1973. A Dama do Teatro também integrou o elenco da novela Cara a Cara (1979), de Vicente Sesso, na TV Bandeirantes. A trama era dirigida por Jardel Mello e Arlindo Barreto.
De 1980 a 1989
Em 1983, a atriz viveu seu primeiro momento icônico da TV brasileira. Guerra dos Sexos se tornou um marco da teledramaturgia graças a dobradinha dos dois ícones teatrais, Fernanda Montenegro e Paulo Autran. Os personagens viveram cenas antológicas de um antagonismo sem tréguas. As cenas das brigas entre os dois, no melhor formato pastelão, com direito até a torta na cara, ainda estão presentes na memória dos espectadores.
De 1990 a 1999
No fim doa anos 1990, Fernanda Montenegro viveu o auge e o sonho de atrizes do mundo: foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo filme Central do Brasil (1998), de Walter Salles. Fernanda foi a primeira e, até o momento, a única brasileira a conquistar tão alto prestígio. Ela perdeu a estatueta para Gwyneth Paltrow, por Shakespeare Apaixonado, em uma decisão da Academia considerada bastante controversa, para muitos críticos de cinema.
De 2000 a 2009
Recém-chegada à casa dos 70 anos, Fernanda Montenegro demonstrou um fôlego infindável para o ofício de atuar. De 2001 a 2009, emendou um trabalho no outro, principalmente no cinema e na televisão. Entre os destaques estão o filme O Auto da Compadecida (2000), as novelas As Filhas da Mãe (2001), Celebridade (2003), e Belíssima (2005), e as duas temporadas da série Hoje É Dia de Maria (2005) .
De 2010 a 2019
Aos 84 anos, Fernanda ainda surpreendia. Em 2013, rompeu mais uma barreira para a dramaturgia brasileira e venceu o 41º Emmy Internacional, na categoria de Melhor Atriz por sua atuação no especial de fim de ano Doce de Mãe, da TV Globo. A produção contava a história de uma viúva de 85 anos, com quatro filhos, que tem lapsos de memória. Para não esquecer de nada, ela espalha bilhetes pela casa.
Em 2017, ao lado dos amigos, Lima Duarte e Laura Cardoso, protagonizou cenas comoventes em O Outro Lado do Paraíso, novela das 21h, na qual vivia uma bruxa dos tempos modernos. Neste ano, mas uma vez voltou às telinhas, com participação na trama de Walcyr Carrasco, A Dona do Pedaço, como a matriarca da família Ramirez e quem ensinou os segredos da cozinha para a neta, a boleira Maria da Paz.