Na era TikTok, produções “gigantes” ganham o público. O que explica?
Especialistas apontam os motivos que explicam grandes livros e filmes com mais de 3 horas fazerem tanto sucesso na era do TikTok
atualizado
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Com um público majoritariamente jovem, o TikTok conquistou o mundo com seu jeitinho simples e acessível de assistir a vídeos curtos. E quem ainda não aderiu ao aplicativo, foi apanhado pelo Reels do Instagram ou pelo Shorts do YouTube, e até mesmo pelos Stories do Facebook – que comportam vídeos de poucos minutos.
Em linhas gerais, a prática de rolar o feed rapidamente, em poucos segundos, tornou-se hábito de uma nova geração de consumidores de produtos culturais. O fato é apontado, por especialistas, como um dos responsáveis por distanciar o público de textos longos, filmes grandes, séries e livros.
Uma análise dos microdados do exame internacional Pisa 2018, divulgado no ano passado pelo Centro de Pesquisas em Educação, Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), aponta que 66,3% dos alunos brasileiros de 15 e 16 anos não leu um livro com mais de 10 páginas. Apenas 9,5% dos estudantes brasileiros na mesma faixa etária leram algum material com mais de 100 páginas em 2018.
Se vivemos em uma era de produtos curtos, por que Oppenheimer, vencedor do Oscar 2024 de Melhor Filme e um dos mais populares longa-metragens do ano, tem três horas? No mundo das séries, então, como doramas longos, ao exemplo de Uma Advogada Extraordinária, da Netflix, bate recorde mesmo com 16 episódios, cada um durando mais de 1 hora?
Assassinos da Lua das Flores e Avatar: O Caminho da Água são sucesso de crítica e conquistaram a bilheteria mundial. Quem assistiu ao primeiro nos cinemas, por exemplo, passou 3 horas e 26 minutos na cadeira, e o segundo, 3 horas e 12 minutos.
A literatura segue a mesma ideia: Uma Vida Pequena, livro do Grupo Record, vendeu cerca de 40 mil exemplares no Brasil e tomou conta das redes sociais por seu enredo chocante. Isso com 784 páginas. E a lista cresce: os dois primeiros livros da saga Cidade da Lua Crescente, de Sarah J. Maas, por exemplo, fazem sucesso no TikTok com suas 1.820 páginas.
Mas o que explica esse fenômeno? Segundo Marcio Sallem, crítico de cinema e administrador do perfil @cinemacomcritica, esta é a “pergunta de um milhão de dólares”:
“Essa é uma pergunta de um milhão de dólares e que, agora, produtores e programadores estão quebrando a cabeça pensando. É até contraditório pensar que alguns que reclamavam da duração de Assassinos da Lua das Flores são os mesmos que maratonam seis, oito ou 10 episódios de uma série em um domingo.”
“Acho que a série tem muito a ver com o vídeo do TikTok em maior escala. A série proporciona conclusões, então, acredito, nós temos a recompensa de termos concluído um episódio, vencido uma etapa. Um filme longo só nos oferece essa sensação uma vez, é bem verdade”, completa, apontando que a tendência não é apenas do público jovem.
Eu vejo uma tendência a pensar só em termos da história contada e não como é contada, entende? Eu acho que iremos ver isso mais vezes, e embora seja uma exigência de um público de fato mais jovem, não é exclusiva a ele.
Marcio Sallem
“O ato de rolar um vídeo curtíssimo até encontrar algum que nos ‘prenda’ virou nossa dose de dopamina renovada a cada ‘arrasta pra cima’. Mais e mais, parecemos fadados à ansiedade, à angústia, à insatisfação, à falta de concentração, e vamos reclamar de filmes como Oppenheimer, que tem 3 horas, pois estamos perdendo a sensibilidade de investir no presente, no agora, enquanto esperamos pelo depois”, finaliza Sallem.
E o universo literário?
Apesar do desejo por conteúdos mais curtos, editoras ainda investem em grandes livros. Além de Uma Vida Pequena e de Sarah J. Maas, a Record, por exemplo, vai lançar uma biografia de Madonna com 854 páginas. A Intrínseca também segue o mesmo caminho: a biografia de J. Robert Oppenheimer, que deu origem ao filme, elencou a lista de mais vendidos com suas 640 páginas.
Editora executiva da Galera e da Verus, Rafaella Machado aponta uma “fadiga mental” causada pelo consumo de pequenos conteúdos, fazendo com que as pessoas busquem “uma imersão maior, mais duradoura”.
“Acredito que justamente nessa era do conteúdo curto, existe uma fadiga mental acontecendo. As pessoas estão cansadas de serem hiper estimuladas por segundos, e buscam uma imersão maior, mais duradoura, mais imersiva em outro universo. É a lógica de maratonar séries. Os livros de fantasia proporcionam narrativas complexas, cheias de nuances e que permitem uma total imersão da parte do leitor, que passa a contribuir criando teorias sobre para onde a narrativa está indo”, aponta.