Veja como Gal Costa transformou a música popular brasileira
Gal Costa morreu nesta quarta-feira (9/11), aos 77 anos, e deixou um repertório incomparável na história da música brasileira
atualizado
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Não é à toa que Gal Costa é considerada uma das maiores cantoras do Brasil. Dona de uma voz incomparável, a artista transformou o conceito de música popular brasileira em seus 57 anos de carreira, onde interpretou grandes hits como Garota de Ipanema, Festa do Interior, Negro Amor e outras.
Com carreira iniciada em 1965, Gal Costa se aproximou de Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil, com quem integraria o grupo Doces Bárbaros. O disco definiu a década de 1970 e os cantores marcaram a história brasileira.
Gal misturava estilos, dedicando-se ao balanço de Jorge Ben Jor e ao rock de Caetano Veloso. Sua influência era tanta que a música Meu Nome é Gal, de Roberto e Erasmo Carlos, serviu como carta de apresentação para unir a Jovem Guarda e a Tropicália.
“Em Meu nome é Gal, a interpretação dela desliza do samba para o rock, como se duelasse com as distorções da guitarra de Lanny Gordin, algo que a gente só tinha, até então, na explosão de Janis Joplin. Explorava uma simbiose entre o ruído e o agudo de sua voz num limite primitivo, liberalizante, psicodélico, onírico. Na contracapa do seu disco, Caetano advertia: ‘Ninguém pode deplorar o nosso Vale Tudo: quando Gal canta, ele vale-nada’, declara Jotabê Medeiros, escritor e repórter, ao Metrópoles.
Nesta quarta-feira (9/11), o Brasil perdeu o seu ícone: Gal Costa morreu aos 77 anos, após passar por uma cirurgia para retirar um nódulo na fossa nasal direita. Especialistas na cena cultural brasileira, no entanto, deixam claro que “morreu a maior cantora brasileira de todos os tempos”.
“Pra mim, morreu a maior cantora brasileira de todos os tempos. Nunca tive a menor dúvida disso. Ela materializou os desejos de Caetano Veloso no final da década de 1960, a ambição tropicalista de engolfar e abraçar a Jovem Guarda, os ritmos velozes da cultura jovem, a guitarra e a universalidade”, afirma Jotabê Medeiros.
Ele ainda pontua que no disco Gal, lançado em 1969, a cantora “põe a voz a serviço da novíssima sintaxe da música brasileira, gravando ao mesmo tempo Roberto e Erasmo e Jorge Benjor, Se você pensa e Que pena e Deus é o Amor.”
De Marisa Monte a Assucena, de Fafá de Belém a Céu, nenhuma cantora brasileira posterior escapou da influência de Gal Costa. Seja cantando Maiakovski, seja cantando Balancê, nada podia ser tão profundamente tocante quanto a voz da ex-balconista Maria da Graça.
Jotabê Medeiros
“A Gal Costa convencia”
Já o jornalista, escritor e historiador da música brasileira Rodrigo Faour lembrou que Gal Costa podia convencer o público “cantando uma música de ninar ou uma canção da mais original de vanguarda”. “Gal Costa é uma cantora muito importante na história da música brasileira, não só como voz, como estilista [também]. [Ela era ] uma original, assim como foi Carmen Miranda, Dalva de Oliveira, Rita Lee”, iniciou.
Separando os efeitos de Gal Costa em três diferentes áreas, Faour lembrou que o repertório da cantora e o seu comportamento revolucionário também fizeram história:
“Foi uma artista importante em termos de repertório, lançou um número sem par de músicas importantes, que a gente identifica com a voz dela. E também temos de comportamento. A Gal foi uma grande musa tropicalista e, depois da juventude desbundada dos anos 1970, da contracultura, chegou a batizar um trecho, onde ficava um pessoal mais descolado na praia de Ipanema dos anos 70, as dunas da Gal.”
“Então ela sempre, até o fim da vida, foi uma cantora que foi se renovando. Lançou um monte de compositores novos e projetou, deu prestígio a novos artistas, desde Luiz Melodia e Rubel”, completou.
Uma artista que vai ficar para sempre na memória. Cantava músicas sofisticadas, e músicas super simples e convencia a gente, isso é uma qualidade rara. A Gal convencia, seja cantando uma canção de ninar, seja cantando uma música de vanguarda daquelas mais doidas de um Caetano [Veloso]. Vamos guardar para sempre nos corações, a diva Gal Costa.
Rodrigo Faour
Referência para jovens vozes femininas
A jornalista Teresa Albuquerque, que entrevistou Gal Costa em 2010, apontou que a cantora “nunca perdeu a relevância” e lembrou que a artista “sempre foi referência para jovens vozes femininas”.
“Não só pela voz cristalina, gigantesca, mas também pelo comportamento. Moderna, irreverente, a grande dama da música brasileira nunca foi só uma. Nos 57 anos de carreira (levando em conta o compacto lançado pela RCA em 1965, ainda como Maria da Graça), foram muitas as facetas desta cantora fundamental”, apontou.
“Gal Costa se reconhecia em todas e tinha o maior orgulho delas: da menina que (re)aprendeu a cantar com João Gilberto; da moça de cabelos revoltos que gritava como Janis Joplin; da musa tropicalista que fazia discos com Jards Macalé, Lanny Gordin e Rogério Duprat; da brejeira intérprete de Dorival Caymmi; da mulher de boca vermelha que, faceira, cantava o Brasil brasileiro de Ary Barroso; da estrela coberta de paetês, que, ao lado de Lincoln Olivetti, emplacava sucessos no rádio e na televisão”, finalizou a jornalista.