Vanguart explora a obra de Bob Dylan em novo disco
No quinto disco da carreira, Vanguart Sings Bob Dylan, banda constrói versões descontraídas do repertório do compositor americano
atualizado
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Hélio Flanders sempre foi grande fã de Bob Dylan – e o Vanguart, sua banda que emprestou elementos do folk e depois cresceu para se tornar uma entidade independente no cenário do rock nacional, lança agora a cristalização desse apreço: Vanguart Sings Bob Dylan, disco com 16 canções do bardo americano em versões descontraídas gravadas por Rafael Ramos no Estúdio Tambor e lançado pela Deck. O disco já está disponível nas plataformas digitais – e um clipe sóbrio mostra a banda em estúdio gravando Blowin’ in the Wind, uma versão apenas com violão e vozes.
Nesta sexta-feira (05/07/2019), e também no sábado (06/07/2019), e domingo (07/07/2019), o Vanguart apresenta o seu “repertório próprio de Bob Dylan” no Sesc Santana, em São Paulo. No palco, projetadas num telão, aparecem as traduções das letras do cantor e compositor americano, um acessório que a banda brasileira usa para reforçar a potência poética das palavras que fizeram, afinal, Dylan dividir a mesa do Prêmio Nobel de Literatura com gente como William Faulkner, Ernest Hemingway e John Steinbeck.
Bob Dylan surgiu na história do Vanguart há uma década – um show com algumas das versões que agora chegam ao disco era apresentado esporadicamente pelo grupo desde 2010, e inclusive teve um desdobramento mais definitivo na história deles: a violinista Fernanda Kostchak, hoje uma das marcas do Vanguart, entrou na banda depois de participar dos shows com as versões de Dylan.
“Com essas apresentações catalogamos canções e criamos um ‘repertório próprio’ do Dylan, com alguma extensão, podendo testar coisas da carreira toda dele, com diversos arranjos”, explica Flanders. Em 2018, após uma participação no programa Versões, do Canal Bis, o produtor Rafael Ramos quis gravar o material Em dezembro, o grupo se juntou no Rio e gravou as 16 canções em quatro dias, praticamente todas ao vivo. “Cada um estava em outro projeto, pesquisando outras coisas, e até tínhamos canções novas, mas não era hora de fazer um disco assim. Esse, veio na hora certa, até para nós nos encontrarmos musicalmente, pegando emprestado esse universo artístico do Dylan”, conta o músico. Esse é o quinto disco do Vanguart.
O primeiro “aval” que Flanders teve para revirar o catálogo de Dylan partiu da própria estética do compositor. “Ele é anticanônico. Ele nunca teve essa reverência com outros escritores, fosse Ginsberg, Whitman ou Shakespeare, seus preferidos. Tenho certeza que, para qualquer um que fosse gravar suas músicas, ele diria para fazê-lo sem reverência. Foi o que ele fez com Woody Guthrie no começo da sua carreira, e depois até com a própria obra. Ele dá o aval para ser livre. Entramos muito relaxados no projeto”, comenta Flanders.
As músicas são das primeiras fases da carreira de Bob Dylan, até 1976, com exceção de Make You Feel My Love, do subestimado disco Time Out of Mind, de 1997, uma volta à forma de grandes proporções para Dylan. O álbum do Vanguart abre com Tangled Up In Blue (numa versão que dá um tom para o disco, descontraído, com guitarra, mas ela quase nunca é a protagonista das canções), canção que Flanders associa a uma desilusão amorosa do passado. Outras bem conhecidas incluem Like a Rolling Stone, The Times They Are A-Changing e It’s All Over Now, Baby Blue. O violino, tão importante para Dylan nessa época, também tem presença diferencial aqui, em faixas como Hurricane e One More Cup of Coffee.
Essas duas canções, aliás, têm versões de 1976 mostradas no recente Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese, semidocumentário do diretor, disponível na Netflix. Ali fica muito claro a importância que a violinista Scarlet Rivera teve para Dylan nessa turnê que virou histórica.
“O Allen Ginsberg é meu grande poeta do século 20, vê-lo ali com o Dylan foi incrível”, comenta Flanders sobre o filme de Scorsese. “Ver Dylan falando do (Herman) Melville, do (Walt) Whitman, é muito legal porque se pode entender de onde vêm suas referências. Ele não é ‘apenas’ um gênio, tem muita pesquisa e referência ali. Podemos ver no filme um Dylan mais humano”, opina.
O vocalista estava, em 2008, no Via Funchal, para onde Dylan trouxe sua “turnê sem fim”. “Foi um show bem estranho”, lembra Flanders. “Ele ficou muito tempo tocando órgão, músicas do Modern Times, teve Leopard-Skin Pill-Box Hat, foi meio errático, eu me lembro da galera xingando”, ri.
Ele explica que para o novo álbum, o fator musical foi decisivo, tanto nos arranjos (orgânicos) quanto na escolha do repertório. Mas o aspecto político está sempre presente nas canções de Bob Dylan. “Por isso que botamos o telão com as letras em português. É impressionante como suas músicas são atuais, no contexto Bolsonaro, no contexto Trump. Não necessariamente pendendo à esquerda, mas com uma reflexão profunda muito livre.”