“The Life of Pablo” mostra Kanye West em sua fase mais intuitiva e relaxada
O sétimo disco do rapper foi lançado no domingo (14/2) após uma longa gestação de mais de três anos
atualizado
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Kanye West vem trabalhando em “The Life of Pablo” desde antes de “Yeezus”, seu disco anterior. De lá para cá, tem se cercado de várias ocupações, sempre narradas pelo Twitter: criar caso com Wiz Khalifa, pedir US$ 1 bilhão a Mark Zuckerberg e, na maior parte do tempo, usar o microblog para divulgar novidades (e mudanças de título) do álbum e postar fotos sensuais da esposa, Kim Kardashian.
(Ah, e claro: ele ainda quer se candidatar à presidência dos Estados Unidos em 2020, como anunciou no VMA 2015.)
Os dois discos anteriores do rapper reúnem, cada um à sua maneira, crônicas urgentes sobre os prazeres e misérias do mundo das celebridades. Enquanto a obra-prima “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” (2010) elabora uma épica e sombria jornada musical, “Yeezus” (2013) traduz a inventividade do rapper por meio de colagens eletrônicas e espertas conexões com acid house e punk. E “Pablo?” Bem, é tão sincero, cristalino e direto quanto um disco gospel.
Se Kanye se acha mesmo o maior artista do século 21, ele nem tenta transparecer esse status em “Pablo”. É um disco muito mais intuitivo do que revolucionário, mais relaxado do que pungente. Nessa altura da carreira, em que qualquer um de seus tuítes produz milhares de haters instantâneos, ele deseja apenas fazer e curtir música – e transmitir essa sensação de prazer pleno aos fãs.
Ouça trechos de “The Life of Pablo” no Soundcloud de Kanye:
Gospel, electro e Taylor Swift: o velho e o novo Kanye reunidos
O clímax pop de “Pablo” é registrado pelas duas canções que ele havia soltado na internet antes do disco cheio: as faixas 12 (“Real Friends”) e 16 (“No More Parties in LA”, a certeira primeira parceria com Kendrick Lamar). Mas a carta de intenções está lá atrás, na canção de abertura. Kanye já lançou mão de coro de igreja outras vezes, mas nunca como em “Ultralight Beam”: uma música gospel quase que de agradecimento a Deus, reforçada pela presença do amigo/pastor/cantor Kirk Franklin.
Claro, como é de praxe, West corre o risco de ser mal entendido. Em “Famous”, apoiado pela voz de Rihanna, relembra aquele episódio com Taylor Swift no VMA 2009: “sinto que eu e Taylor ainda podemos fazer sexo / por que? eu tornei aquela vadia famosa”. É uma baita ironia, ainda mais quando se leva em consideração o quanto o termo “bitch” (vadia) é usado de maneira metafórica no rap.
De qualquer modo, ele propõe novos voos quando revisita as paragens electro de “Yeezus” (“Feedback”) ou relê as divagações noturnas de “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” (“Freestyle 4”). Em resposta ao meme “Kanye Loves Kanye”, “I Love Kanye” reúne umas palavrinhas do rapper sobre si mesmo: “e eu amo vocês como Kanye ama Kanye”, finaliza.
No momento mais confessional do álbum – e, provavelmente, de toda a carreira –, Kanye reflete sobre relacionamentos passados, a morte da mãe, Donda, o abandono do pai, Ray, e as árduas negociações pessoais e diárias entre trabalho e família. As duas partes de “Father Stretch My Hands” representam um breve retorno a “808s & Heartbreak” (2008), um subestimado disco de luto pela morte de Donda, atravessado por distorções eletrônicas e letras pensativas.
Há quem sinta saudades da fase pré-2010, da trinca “The College Dropout” (2004), “The Late Registration” (2005) e “Graduation” (2007), quando Kanye era sobretudo um rapper divertido. Mas os tempos mudam à beça. E a genialidade dos trabalhos seguintes veio acompanhada de um certo delírio talvez necessário aos tempos atuais, tão viciados em imediatismo e em demagogia virtual.
Eis a constatação deixada por “Pablo”: o velho e o novo Kanye reunidos num álbum que só tem a franca intenção de ser boa música.
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“The Life of Pablo” está disponível no Tidal