Tatiana Nascimento resgata origens e afirma sua identidade no Sesc
Cantora e poeta brasiliense se une a Thiago Jorge Ruby e a Lucas Pimentel para lançar seu áudio-livro um ebó di boca y otros silêncios
atualizado
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Negra, lésbica, periférica: Tatiana Nascimento se vê em todas essas identidades, que se transportam para seus poemas, canções e releituras de músicas conhecidas. A cantora, compositora e poeta brasiliense celebra nesta terça-feira um marco em sua carreira: vai se apresentar pela primeira vez com uma banda formada exclusivamente por pessoas negras.
No Sesc Garagem, Tatiana se encontra com seu irmão, o guitarrista Thiago Jorge Ruby, e com o baterista Lucas Pimentel no pré-lançamento do áudio-livro um ebó di boca y otros silêncios. “Vamos subir no palco para cantar sobre a diáspora negra e sobre a dissidência sexual. São três pessoas de origens musicais diferentes, estou muito animada com os arranjos que estamos fazendo”, comenta a artista.A apresentação, segundo a poeta, será uma mistura dos ritmos e vivências do trio de músicos. “Está sendo muito bonito compartilhar meu trabalho com o Lucas, que é evangélico. Ele está ouvindo minhas coisas pela primeira vez. Estávamos ensaiando uma música sobre o processo de colonização, sobre sobreviver como povo, e ele ficou muito feliz. Tem umas coisas com as quais a gente se identifica muito diretamente, me alegra ver alguém tão diferente de mim se comunicando com o que eu escrevo”, comemora Tatiana.
O nome do álbum, segundo a cantora, tem origem nos ritos do candomblé e na valorização da arte de autores negros brasileiros.
“Um ebó é uma magia que se faz em algumas religiões afro-brasileiras, especialmente em algumas vertentes do candomblé. Você oferece algo para um orixá, para fazer um pedido a ele. Tem leituras de sacerdotisas mais antigas em que a palavra é tão poderosa, que bastava falar, não precisava entregar uma encomenda material, fazer farofa. A expressão que dá nome ao áudio-livro é essa, fazer um uso tão poderoso das palavras que você consegue fazer magia. Quem usa esses termos é um amigo de Salvador, Felipe Estrela, que escreveu um poema com os versos: parem de nos matar/isso não é um pedido/é um ebó de boca. Por isso o nome do show”, explica Tatiana.
As apresentações de Tatiana são sempre muito densas e ela acredita que shows em teatros — como o que acontece nesta terça — conferem ainda mais austeridade a qualquer artista. Ela conta que a primeira vez que realizou uma performance num espaço assim, cantou três músicas e não recebeu nenhum aplauso. “Daí eu disse algo engraçado e todo mundo riu. Quando o show acabou, encontrei com umas amigas e elas disseram que foi tão impactante que elas não conseguiram se mexer. Isso acontece em teatro, sinto que as pessoas ficam assombradas, estáticas”, lembra.
O show desta terça-feira, ela acredita, deve ser mais leve até pela energia diferente dos dois outros músicos. “Temos um super aparato que é a bateria, acho que o show será mais explosivo. O Lucas e o Thiago são pessoas mais solares, sorridentes, dão gritos de alegria. Espero que a diferença de energia apareça na resposta do público”, planeja.
No entanto, a resposta da plateia que Tatiana está mais ansiosa por receber são as doações de ração felina ou canina para a meia-entrada, que serão enviadas para o abrigo de uma amiga que cuida de cachorros e gatos de rua. “Eu sou doida por bichos, aproveito toda oportunidade de ajudar, recolher doações”, comenta, dando risada.
Recentemente, Tatiana foi convidada por Cidinha da Silva, autora do livro #ParemDeNosMatar!, para participar de uma coletânea de textos de poetas mulheres sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco. “Tenho um pouco de reserva de falar sobre isso porque temos que tomar cuidado para tratar dos nossos mortos, para não deixar a notícia cair no esquecimento, mas também para não difundir de forma especulativa a morte de alguém”, comenta.
Mesmo reticente, Tatiana topou participar da coletânea de Cidinha. Ela incluiu um verso em um poema que havia feito anteriormente, y now, frágil, que trata do genocídio da população negra no Brasil. No Sesc Garagem, a cantora vai apresentar a poesia iodo, uma de suas mais famosas, que fala sobre o genocídio da população negra. “Embora eu esteja falando de diáspora negra e tenha três canções que falem do genocídio, eu não vou dizer ‘Marielle Franco, presente’ porque ela não está presente, entende? Não é assim que eu lido com as coisas”, afirma.
Show um ebó di boca y otros silêncios
Terça-feira, 17 de abril, às 19h44 no Sesc Garagem (713/913 Sul). Ingressos a R$ 7 (preço de meia-entrada, mediante apresentação de carteirinha de estudante ou doação de ração felina ou canina). Não recomendado para menores de 14 anos