Rap no DF: nova geração se inspira em veteranos para manter cena viva
Alguns artistas do movimento hip-hop da cidade já dão os primeiros passos para uma carreira nacional
atualizado
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É impossível falar da cultura hip-hop no Distrito Federal sem citar nomes como GOG, Japão, Dino Black, Mano Mix, X, do Câmbio Negro, e o Tribo da Periferia. Artistas que abalaram a Capital do Rock na década de 1990 e início dos anos 2000 com o som genuíno das periferias. Quase 30 anos depois, o caminho aberto pelos veteranos vem sendo trilhado por uma nova geração de artistas capaz de manter vivo o legado dos precursores e inserir novas referências ao ritmo.
São muitos os jovens de Brasília que apostam todas as fichas em uma carreira promissora no rap. Alguns cantores, como Froid, Menestrel e Thiago Jamelão — com o primeiro álbum sendo produzido pela Laboratório Fantasma, de Emicida —, dão os passos iniciais para o sucesso nacional. Mas também há muitos rappers empenhados em movimentar a cena do DF, a exemplo de Markão Aborígene, Heitor Valente, Rebeca Realleza, Leo RD, Paulo Amaro e QI.
O goiano Thiago Jamelão, 31 anos, teve seu interesse pela música semeado pela mãe, Aparecida de Fátima, desde a infância. “Ela adorava cantar canções de Wilson Simonal, Elis Regina e da igreja para acalmar a mim e a meus irmãos mais novos”, lembra o rapper. Ainda na adolescência, aprendeu a tocar vários instrumentos na comunidade religiosa que frequentava com a família e até integrou algumas bandas de rock em Goiânia.
Mas foi com a mudança para Brasília, em 2008, que o rap se tornou parte da vida do músico. Chegando ao quadrado, conheceu os integrantes do grupo brasiliense Ataque Beliz, onde, segundo Jamelão, aconteceu a sua imersão no movimento. “Eles me proporcionaram conhecer muitas pessoas, me levaram a lugares inimagináveis”, relata.
Na carreira solo, Jamelão coleciona singles bem-sucedidos, como Tudo Mais, Sonhar com Você, Essa Noite e a mais recente, Quem Me Viu. Há um ano, ele faz ponte aérea com São Paulo, onde grava o primeiro álbum da carreira. A produção do disco é da equipe de Laboratório Fantasma, de Emicida, um dos rappers mais importantes do país e que também assina a direção criativa do projeto. “O pessoal da Lab, juntamente com o DJ Duh, está me ajudando a realizar esse sonho”, conta o artista.
Com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2019, o cd promete apresentar uma sonoridade carregada das referências de Jamelão. Além do rap, claro, as inspirações passam por Djavan, Alcione, Péricles, Jorge Ben, Wilson Simonal e Emílio Santiago.
Rima e resistência
Aos 21 anos, Leonardo Alves, o MC Leo RD, aposta em letras repletas de contestação social, “como um bom rap deve ser”. Nascido no Rio de Janeiro, veio para a capital federal ainda pequeno com sua mãe, em busca de mais oportunidades. Conheceu o ritmo na escola e, inspirado pelas canções do grupo Racionais MCs, começou a improvisar rimas. “No início, ninguém botou muita fé nem acreditou que eu viria a ser cantor. Nem mesmo eu. É difícil acreditar quando estamos em um local sem perspectiva”, relembra.
A produção audiovisual é uma marca da carreira de Leo RD. A parceria com a produtora Canidae, formada por Braion Marçal e Henrique Ferreira MMO, tem rendido milhares de visualizações ao artista. A primeira música lançada profissionalmente, Quanto Mais, somou mais de 10 mil acessos à página de Leo. Em maio deste ano, veio o segundo single: Quanto Vale. Com participação de Gabs Freitas, a música ganhou um videoclipe totalmente filmado no Sol Nascente e já ultrapassa 18 mil views.
Na próxima semana, Leo RD irá lançar o que promete ser uma megaprodução. O clipe de Mais Um conta com a participação de 20 atores de diversas regiões do DF, como Planaltina, Ceilândia e Sol Nascente. “Vamos falar dos milhares de jovens da periferia assassinados diariamente. Estou muito ansioso para lançar, acredito ser o meu melhor clipe até hoje”, adianta o mc.
Educação é arma
O brasiliense Heitor Valente, 29, acredita na educação como forma de transformação. Além de rapper, é também sócio-educador. Com o Projeto Rap (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo), que realiza há quatros anos na Unidade de Internação de Santa Maria, já ganhou dois prêmios da Unicef.
“O trabalho como professor surgiu da necessidade de levar o hip-hop para além dos palcos. Hoje, temos um trabalho relevante na inserção do rap dentro da educação formal e informal”, explica Valente.
Lançado em 2017, o primeiro CD, O Legado, teve a co-produçao do DJ Raffa Santoro e a participação de diversos artistas, como Japão, Viela 17, Thiago Jamelão, Jean Tassy, GOG, Froid e Diogo Loko.
Para Heitor, a missão dos artistas que desbravaram o segmento na capital foi a de colocar o DF na história do rap nacional. Valente acredita que a nova geração caminha em uma estrada já pavimentada pelos antecessores. “Devemos respeito incondicional aos pioneiros da cultura hip-hop local”, ressalta.
Markão Aborígine
Marcus Dantas cresceu ouvindo GOG e X-Câmbio Negro. Aos 12 anos, uniu o gosto pelo rap com as influências nordestinas do avô repentista e passou a ser conhecido como Markão Aborígine. De lá para cá, já gravou três CDs independentes: Dia e Noite, Dia Açoite, Noite Fria (2010); Poesia e Vida (2011); e o recém-lançado – Atemporal, O Álbum do Fim. No ar desde o dia 12 de novembro, Dia Mundial do Hip-Hop, a obra conta com 13 faixas e participação de Josi Araújo, Marcos MC e da poetisa Rose Silva, co-autora de Teresas.
Para Markão, que há 18 anos vê o movimento hip-hop de dentro, os novos artistas têm alguns diferenciais em relação ao mais velhos. “Percebo o aprofundamento dos discursos, pautamos a violência, como exemplo, em todas suas perspectivas, física, simbólica, racial. Os temas são diversificados, há outras técnicas de canto incorporadas, mas algo que navega entre as gerações é a desorganização enquanto arte, classe e território”.
O músico destaca que, apesar da democracia da internet, alguns dos novos artistas ainda passam por dificuldades para divulgar seus trabalhos. “Nem todo mundo tem acesso e algumas plataformas exigem pagamento pra ampliar sua visibilidade”, pontua.
Realleza do rap
Nascida e criada no Sol Nascente, a rapper Rebeca Realleza, 23, conta que sempre ouviu rap e que sofreu um pouco de resistência familiar quando optou pela carreira na música. “O estilo sempre foi muito discriminado, visto como música de bandido. Minha mãe não gostava de eu me envolver com o pessoal. Levou um tempo até eu desmistificar essa imagem negativa”, pondera.
A ideia de viver de música surgiu após participar de um projeto na escola, mesma época em que a jovem ganhou o apelido de Realleza. “Foi por conta de uma marca de calça muito utilizada por mim”, brinca a cantora. Mas o ingresso no cenário aconteceu no grupo Sobreviventes da Rua, onde ficou até o fim de 2017.
O apelido virou nome artístico e acabou revelando a real nobreza das mulheres negras e periféricas que Rebeca faz questão de representar.
Às vezes, as pessoas acham que só homens sabem fazer e produzir rap. Quebrar essa estrutura machista é muito difícil. Mas também é o nosso lugar e eles vão ter de respeitar
Realleza
Em fase de produção do primeiro EP Solo, Afrontosa, a artista pretende falar de suas vivências dentro do rap. “Já sofri preconceito, assédio por ser mina e usar roupas curtas. Mas me mantenho firme e me posiciono”, dispara.