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Por que o Nobel de Bob Dylan é mais do que merecido (em sete músicas)

Confira pequena amostra da obra “literária” do cantor e compositor, que, para quem não sabe, é estudado há décadas nos cursos de letras mundo afora

atualizado

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bob dylan
1 de 1 bob dylan - Foto: Divulgação

“Quem acha que Bob Dylan não é literatura, de duas uma: ou não sabe o que é Bob Dylan, ou, mais grave, não sabe o que é literatura. O cara é estudado há décadas nos cursos de letras mundo afora. Comentar Dylan sem conhecer a fundo suas centenas de músicas é como comentar Kafka e Tolstoi lendo apenas as orelhas de seus livros”.

Quem faz a observação é Ciro Inácio Marcondes, doutor em comunicação pela Universidade de Brasília e um expert na obra do cantor e compositor. Convidados pelo Metrópoles, Ciro e o irmão João Marcondes — que estão à frente da loja de vinis Marcondes & Co. — elaboraram uma lista de sete músicas/poesias para quem quiser iniciar os estudos na imensa e genial obra desse grande escritor.

“Infelizmente, não há traduções ‘oficiais’ para o português dos belos poemas (musicados, mas quem se importa com o suporte?) por Dylan. Mas, para não deixar boiando quem não entende o inglês, colocamos aqui algumas traduções internéticas (por vezes imprecisas)”, avisa João. “Mas, atenção, o que vale mesmo é o original em inglês!”, adverte.

Reprodução1. “All Along the Watch Tower”, do álbum “John Wesley Harding” (1967)
“A letra descreve a cena entre um ladrão e um bufão (joker, coringa), fugindo de uma cidade, em uma conversa filosófica sobre a vida. Pessimista e profética, diz que tempos sombrios estão por vir (estavam em 1967). E a música é construída de forma literária, com diálogos e personagens arquetípicos. Foi imortalizada na espiritual versão de Jimi Hendrix”.

There must be some kind of way out of here/ Said the joker to the thief/ There’s too much confusion/ I can’t get no relief

Deve haver um jeito de dar o fora daqui/ disse o bufão para o ladrão/ Há confusão em demasia/ Impossível conseguir alívio

Reprodução2. “Workingmanblues #2”, do álbum “Modern Times” (2006)
“Em uma paráfrase de sua trajetória musical, Dylan traz referências a várias outras letras de blues (a primeira ‘Workingman Blues’ é de uma mulher, Merle Haggard). Aqui, ele assume a persona de um cronista melancólico, da classe trabalhadora, que vai perdendo a fé na vida. Ao longo do texto, insere pequenas memórias, impressionistas, proustianas em uma brilhante construção narrativa bastante próximo ao que se entende por literatura hoje em dia: algo que rompe as fronteiras da vida”.

Got a brand new suit and a brand new wife/ I can live on rice and beans/ Some people never worked a day in their life/ Don’t know what work even means

Tenho um uniforme novo, e uma esposa novíssima/ Posso viver só de arroz e feijão/ Algumas pessoas nunca trabalharam um dia na vida/ Não sabem, sequer, o que trabalho significa

Reprodução3. “Dont’ Think Twice It’s All Right”, do álbum “The Freewheeling Bob Dylan” (1963)
“Aqui um Dylan lírico e poético sobre um dos grandes temas da literatura: a perda amorosa. No caso, ambiguidade desta. Pois, junto com a dor, vem a libertação. Por isso ele diz para a amada: ‘Não pense duas vezes, tá tudo bem!’ Bob não fica atrás de nenhum outro escritor romântico que trabalhou o tema na poesia literária”.

When your rooster crows at the break of dawn/ Look out your window and I’ll be gone/ You’re the reason I’m travelin’ on/ But don’t think twice, it’s all right

Quando o galo cantar no nascer do dia/ Olhe sua janela, já terei ido/ Você é a razão, da minha jornada/ Mas não pense duas vezes, tá tudo bem

Reprodução4. “Visions of Johanna”, do álbum “Blonde on Blonde” (1966)
“Um quadro surrealista em forma de poesia que sequer precisaria do ‘suporte musical’ para ser considerado uma obra-prima. Composta no junky Chelsea Hotel, em Nova York, fala de política e arte em imagens absolutamente acachapantes”.

Inside the museums, Infinity goes up on trial/ Voices echo this is what salvation must be like after a while/ But Mona Lisa musta had the highway blues/ You can tell by the way she smiles

Dentro dos museus, a eternidade tem seu julgamento/ Ecos, vozes, é como a salvação deve se parecer depois de um tempo/ Mas Mona Lisa deve sentir o blues da estrada, a tristeza/ dá pra notar pelo jeito que ela sorri

Reprodução5. “Idiot Wind”, do álbum “Blood on the Tracks” (1975)
“Nesta letra raivosa e verborrágica, Dylan se aproxima de poetas modernos como Ezra Pound, T.S Elliot, além dos beatniks e seu prosaísmo. Em cima de um relato pessoal, acrescido de histórias fantasiosas, Bob atira contra caluniadores (alô imprensa!) que o acusaram de um assassinato nos anos 1970”.

Idiot wind, blowing like a circle around my skull/ From the Grand Coulee Dam to the Capitol/ Idiot wind, blowing every time you move your teeth/ You’re an idiot, babe/ It’s a wonder that you still know how to breathe

Vento idiota/ Soprando como um círculo ao redor de meu crânio/ Desde a Grande Represa de Coulee até o Capitólio/ Vento idiota/ Soprando cada vez que você mexe os dentes/ Você é uma idiota, baby/ É um milagre que você ainda saiba respirar

Reprodução6. “It’s Alright Ma, I’m Only Bleeding”, do álbum “Bringing All Back Home” (1965)
“Em uma letra intricada e simbolista, Dylan usa seu exemplo de desilusão amorosa para criticar a sociedade. O ‘ma’, de mama, é como se chama a mulher (cônjuge) na tradição do blues afroamericano. Ou seja, o mundo dele está caindo, mas está tudo bem, ‘estou apenas sangrando’. O mesmo refere-se ao nosso mundo, sociedade, fingimos que está tudo bem, mas nos esvanecemos em sangue e hipocrisia”.

Disillusioned words like bullets bark/ As human gods aim for their mark/ Made everything from toy guns that spark/ To flesh-colored Christs that glow in the dark

Palavras de desilusão como latidos de bala/ Como deuses humanos miram seus alvos/ Fazendo tudo desde armas de brinquedo que faíscam/ a Cristos cor de pele que brilham no escuro

Reprodução7. “Not Dark Yet”, do álbum “Time Out of Mind” (1997)
“Dylan falando sobre os fracassos de uma vida que chega ao fim, quase como em uma pintura, numa luz sombria, esquálida, que aos poucos vai se esvaindo. It’s not dark net (Não está escuro ainda, mas está quase lá). Como diria aquele personagem de Almódovar sobre Caetano Veloso: ‘de deixar os pelos em punta!’ (ou ‘de arrepiar’)”.

Every nerve in my body is so vacant and numb/ I can’t even remember what it was I came here to get away from/ Don’t even hear a murmur of a prayer/ It’s not dark yet, but it’s getting there.

Cada nervo de meu corpo está tão ocioso e entorpecido,/ Nem mesmo lembro do que estava fugindo quando vim para cá,/ Nem sequer ouvi um murmúrio de uma oração,/ Não está escuro ainda, mas está chegando lá.

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