Playlists do streaming viraram objeto de desejo dos artistas pop
Uma playlist oficial pode mudar a vida de um artista, mas os critérios para a curadoria das músicas ainda gera dúvidas em muitos artistas
atualizado
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Em uma das histórias mais emblemáticas da história recente da música brasileira, seu Francisco, pai de Zezé e Luciano Camargo, conta como deu um empurrãozinho na carreira dos filhos ligando insistentemente para as rádios goianas, nos anos 1990, para que É o Amor fosse tocada. A estratégia deu início a um sucesso estrondoso, que dura até hoje, mas que certamente não funcionaria nos dias atuais.
Na era em que o streaming é quem reina absoluto, chegar às rádios, ou até mesmo a um programa de tevê, são feitos secundários, de quem já conseguiu uma boa performance nas plataformas digitais. E, nelas, o atalho para o sucesso são as playlists oficiais, ouvidas por milhões de pessoas no mundo inteiro.
Isso porque, além de alterarem significativamente nossa forma de consumir música, o recurso fez o “topo das paradas” do mundo musical renascer. O prestígio — e as cifras — que estar em uma curadoria oficial pode render é tão relevante que nem aqueles com carreiras consolidadas podem abrir mão de figurar entre elas.
Anitta, por exemplo, investiu alto em Girl From Rio e conseguiu estrear bem. No dia do lançamento, a faixa ficou em 58º lugar no ranking diário global, mas na mesma semana foi descendo de posição até sumir do Top 200 do Spotify. Na web, os fandom da poderosa atribuiu o declínio da música à sua ausência em playlists internacionais, principalmente a Today’s Top Hits da plataforma, curtida por mais de 28,5 milhões de usuários.
Acreditando que a Warner poderia ter se esforçado mais para alavancar os streams da faixa, os fãs direcionaram a sua frustração à gravadora, embora o Spotify negue que o trabalho dos curadores recebam qualquer influência externa e comercial. Segundo a plataforma, as escolhas e o sequenciamento são totalmente editoriais e não adianta insistir, ligar como fez seu Francisco, mandar e-mail e até mesmo pagar para empresas que vendem soluções mágicas para fazer a playlist acontecer.
Apesar disso, o fandom da cantora tem motivos para acreditar que a gravadora poderia ter mexido alguns pauzinhos. Um levantamento realizado por por Jason Joven e Sung Cho, donos da empresa Chartmetric, em 2017, mostra que as três majors, que chegaram a ser acionistas da plataforma, dominam 78% da Today’s Top Hits. A Universal Music fica com 42%, a Sony tem 21% e a Warner emplaca 15% das faixas na playlist. A maioria das canções fica lá entre 50 e 100 dias, mas foram registradas músicas por mais de dois anos na lista. É quase impossível não virar um grande hit assim.
Nem “QI”
Em entrevista à Forbes do ano passado, Jeremy Erlich, co-chefe de estratégia musical da platataforma, afirmou que nem mesmo conhecer os curadores oferece alguma vantagem quando o assunto é inserção em playlists. “A ferramenta de envio é a única maneira de revisarmos músicas. As pessoas podem me enviar uma mensagem de texto com suas músicas, mas eu digo a elas que precisam enviá-la na ferramenta porque é assim que você começa a playlist. As decisões editoriais são baseadas puramente na qualidade da faixa e no seu enquadramento na lista de reprodução”, disse.
“Temos equipes editoriais em todos os países. E temos grupos de curadoria global onde todos que ouvem música pop, por exemplo, vão compartilhar o que está acontecendo em diferentes países. Alguém em nossa equipe australiana encontrou Tones and I, por exemplo, colocamos em uma lista de reprodução local, e foi muito bem. Então, alguém na Escandinávia realmente gostou, colocou em sua playlist e começou a crescer como uma bola de neve. Cerca de 8 semanas após o lançamento, Dance Monkey foi #1 na Top Hits Today, com direito à capa”, disse o executivo.
Jeremy Erlich, co-chefe de estratégia musical do Spotify, em entrevista à Forbes
Algorítimos também têm seu papel
Embora as playlists mais visadas sejam as das próprias plataformas, qualquer um pode criar uma e elas também têm sua relevância na performance de uma música. O detalhe é que as músicas inseridas nas listas dos usuários vão depender um pouquinho mais de outro fator: os algorítimos.
Ao Metrópoles, o diretor de conteúdo da Deezer, Pedro Kurtz, explica que a plataforma entende a inclusão de uma faixa em playlists, o número de execuções, a favoritação da música ou artista e a retenção do usuários e, a partir disso, passa recomendá-la mais vezes para outros usuários, partindo do gosto musical de cada um. “A gente acredita na curadoria dos nossos editores e também na tecnologia que temos desenvolvido para oferecer o melhor conteúdo aos clientes”, aponta.
A exemplo da plataforma concorrente, Kurtz garante que a inclusão das canções não passa por “qualquer interferência ou jabá editorial”, mas admite que as “apostas dos parceiros”, por exemplo, não correm o risco de passarem despercebidas pelos editores.
“Nossa autonomia é sagrada e mantida sempre. A curadoria é feita de maneira completamente independente e, naturalmente, toda escolha editorial carrega uma mensagem, que é o que nos humaniza enquanto equipe. É claro que sempre levamos em consideração as prioridades dos nossos parceiros de agregadoras e gravadoras por meio de pitchings, analisamos os dados de consumo e, por fim, tomamos nossas decisões”, explica.
Pedro Kurtz, diretor de conteúdo da Deezer
Se uma posição faz diferença, imagina a capa
Se uma faixa em uma playlist oficial é importante, é possível imaginar o que ser capa representa. IZA, por exemplo, conseguiu o feito nas playlists nacionais tanto do Spotify quanto no Deezer, um dia após lançar seu novo single, Gueto. E, claro, vibrou muito nas redes.
“Esse exemplo é maravilhoso, a propósito. São muitos os fatores que compõem a decisão de dar a capa, mas entre eles estão definitivamente a força do artista, seu nível de engajamento, o momento que ele vive na carreira e o seu desempenho na plataforma, claro. Um lançamento da IZA, por exemplo, que tem uma base enorme de fãs e uma mensagem muito poderosa, é muito esperado e endossado por nós. E não vale só para grandes artistas: temos playlists e damos espaço para todo tamanho de artista”, salientaKurtz.
Para avaliar todos esses critérios e construir suas listas, a Deezer conta mais de 50 editores de música espalhados pelo mundo, além dos times de relacionamento com o mercado, de conteúdo e parceiros externos.
“Só no Brasil nosso time de conteúdo tem mais de 10 pessoas, quase metade do time local. Em âmbito geral, temos editores globais e locais, desde especialistas regionais a conhecedores multigênero. Esses profissionais, além de apaixonados por música, são ávidos pesquisadores não só de música, mas de cultura e tendências. Ser um editor de música é um trabalho muito mais complexo do que se imagina, definitivamente. O nosso foco é um só: garantir que nossos usuários tenham a melhor experiência de conteúdo possível quando acessarem o aplicativo”, conclui.