Paulo Sérgio Valle: conheça histórias do compositor de Evidências
Em Contos & Letras – Uma Passagem Pelo Tempo, o músico desbrava os bastidores da indústria fonográfica nacional
atualizado
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Certa vez, no auge da ditadura, o telefone toca no apartamento do Leblon do letrista Paulo Sérgio Valle. Do outro lado da linha um esbaforido Henfil sapeca: “Posso me esconder na sua casa? Todo mundo do Pasquim foi preso, até o Nelson Motta?”, se adiantou o cartunista. “Não sei como ele conseguiu meu telefone, o conhecia superficialmente”, lembraria Valle. “Claro que fiquei preocupado, mas eu não podia me furtar, fiz o certo”, completa.
Essas e outras experiências são revisitadas com primor pelo artista no livro-mosaico Contos & Letras – Uma Passagem Pelo Tempo, lançado pela Litteris Editora. Dos setes que escreveu, é o mais proustiano de todos. A obra, não linear, por sinal, mistura memórias, ficção, diários de viagens, contos, poesias, frases de efeitos reflexivas. Também pode ser encarado como uma espécie de relicário afetivo dos seus 78 anos de vida.
“É um livro anárquico, ele não tem ordem, nem em função do tempo, nem em função das histórias, e isso foi proposital, não quis organizar. Achei que essa obra tinha de ser complementada pelo leitor em sua leitura. Ele precisa juntar as coisas que eu deixei separadas”, entrega o artista, em entrevista ao Metrópoles.
Um dos mais respeitados poetas da MPB, Paulo Sérgio já perdeu as contas de quantas letras de músicas escreveu. Beira umas 900, um feito. É mais fácil lembrar os sucessos. Pérolas da Bossa Nova como Samba de Verão, escrito com o irmão Marcos Valle, passando por temas emblemáticos como Preciso Aprender a Ser Só, com Elis Regina, e Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim, um estouro na voz de Ivete Sangalo. Mas nenhuma supera Evidências.
“Fico impressionado com o sucesso dessa música, tantos anos depois de gravada e ainda faz um sucesso danado, realmente nunca tive outra música assim”, se espanta.
Musicada pelo cantor romântico José Augusto, no final dos anos 1980, os versos da canção de Paulo Sérgio tomaram de assalto os corações apaixonados em todo o país, se tornando um marco na carreira da dupla Chitãozinho & Xororó. Na do letrista também. “Para mim, foi um espetáculo porque, ali, o público passou a me conhecer também como compositor e eu via a cara do público”, avalia.
Credenciado pelo rei Roberto
Munido de sinceridade sóbria e sem nenhum saudosismo, entre uma poesia solta e um conto bem construído, o autor lembra os tempos de piloto na empresa Cruzeiro do Sul, atravessando os céus do país num DC-3, no início dos anos 1960, os dias de sufista no Arpoador, em Ipanema, as primeiras letras escritas para as melodias do irmão Marcos Valle. As inspirações e referências resvalam em nomes como o poeta Drummond e Ronaldo Bôscoli.
“Eles vieram me influenciar muito no que eu viria fazer depois”, confessa.
Também são destaques as aventuras como ciclista pelas trilhas do mundo, em países da África e Europa, o sucesso como criador de jingles nos anos 1970 e 1980, enfim, a loucura à frente de uma pequena empresa de aviação agrícola pulverizando plantações no Rio Grande do Sul. Mas nenhuma parte do livro é mais fascinante do que os relatos dos bastidores da criação de grandes clássicos de nosso cancioneiro. Entre elas letras que encantaram o rei Roberto Carlos.
Autor, junto com Nelson Motta e o irmão Marcos do marcante tema de fim de ano da TV Globo, Um Novo Tempo, Paulo Sérgio Valle fala ainda sobre a relação tensa com a censura burra que ceifou o trabalho de milhares de letristas, a treta com a turma do Pasquim e a importância do clássico disco Mustang Cor de Sangue, do qual foi o principal letrista, que este ano completa 50 anos.