O que Caetano e Gil têm a ver com a história (musical) do Brasil?
Damos um rasante por 100 anos de história de nossa música, tomando como referência o surgimento dos artistas baianos, que comemoram meio século de carreira e amizade e se apresentam neste sábado no Centro de Convenções
atualizado
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“Roberto Santana me apresentou a Gil num encontro casual na rua Chile (eu ia sozinho no sentido Praça Castro Alves-Praça da Sé e eles dois vinham ao meu encontro), e nós todos no sentimos inteiramente à vontade, cada um querendo falar mais do que o outro. Gil parecia tão feliz de me conhecer quanto eu a ele”.
O episódio narrado por Caetano Veloso em seu livro “Verdade Tropical” deu partida de uma história de amizade e música que já dura 50 anos. Neste sábado (3/10), ele e Gilberto Gil levam ao Centro de Convenções justamente o show com que comemoram esse tempo. Apesar do nome, “Dois Amigos — Um Século de Música” é centrado principalmente no repertório dos dois. Mas criamos uma linha do tempo para mostrar com mais clareza de onde vem e no que deu a música da dupla.
ANTES…
1915/1925
. No Carnaval de 1915, o grande sucesso foi a valsa “Pierrô e Colombina” (Oscar de Almeida). Antes de surgirem o samba e as marchinhas, qualquer ritmo animava a festa de Momo. Naquele ano, Ernesto Nazareth compôs e o grupo Passos no Choro gravou “Apanhei-te Cavaquinho”.
. Em 1917, Donga e Mário de Almeida lançaram “Pelo Telefone”, primeira música de sucesso classificada como samba. Na folia de 1918, Sinhô se revelou com “Quem São Eles” (na foto acima, cena do filme “O que Foi do Carnaval de 1920?”, de Alberto Botelho)
. Em meados da década de 1910, a música rural paulista ganhou projeção nacional. Ganharam a boca do povo “O Matuto” (Marcelo Tupinambá e Cândido Costa), em 1918, e a toada “Tristeza do Jeca” (Angelino de Oliveira), em 1922
. Lançadas em 1925, a canção “Chuá Chuá” (Pedro de Sá Pereira e Ari Pavão, lançada em 1925) e a valsa “Abismo de Rosas”, de Canhoto, se tornariam clássicos. Sambas, sambas-canções, valsas e toadas continuaram dominando o gosto musical brasileiro.
. Sinhô (foto) reinava. Nesse período, lançou “Ora Vejam Só” (1927), “Amar a uma Só Mulher” e “A Favela Vai Abaixo” (ambas de 1928), “Gosto que me Enrosco” e “Jura”, as duas de 1929, são do mesmo ano em que Pixinguinha apareceu com “Gavião Calçudo” e Noel Rosa formou O Bando dos Tangarás, com Almirante, Braguinha e Henrique Brito.
. Uma onda de música regional chegou ao Rio, em meados da década de 1920, e se espalhou pelo país. São desse período “Casa de Caboclo” (Hekel Tavares e Luís Peixoto) e a toada “Maringá” (Joubert de Carvalho). E as machinhas carnavalescas? “Pra Você Gostar de Mim (Taí)”, de Joubert de Carvalho, tocou em 1930; “O Teu Cabelo Não Nega”, de Irmãos Valença e Lamartine Babo, em 1932… E tocam até hoje.
. Em 1928, Cartola se une a outros sambistas na criação da Estação Primeira de Mangueira.
1936/1945
. Em 1938, Carmen Miranda estava no auge da popularidade. No mesmo ano, Araci de Almeida lançou uma gravação de “Último Desejo”, de Noel Rosa, que coassina com João de Barro outro sucesso da época, “Pastorinhas”. Em 1939, Nelson Cavaquinho tem sua primeira canção gravada, “Não Faça Vontade a Ela”, por Alcides Gerardi,
. Em 1942, ano em que nasceram Caetano Veloso (7/8, em Santo Amaro) e Gilberto Gil (26/6, em Salvador), o rádio tocava os sambas “Ai que Saudade de Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago), “Aos Pés da Cruz” (Zé da Zilda e Marino Pinto) e “Ave Maria do Morro” (Herivelto Martins). Um jovem Nelson Gonçalves ganhava o público interpretando músicas como “Renúncia” (1942), “Dos Meus Braços Tu Não Sairás” (1944) e “Maria Bethânia” (1945). Herivelto Martins e Ari Barroso eram compositores em evidência. Chegava uma nova onda, a do bolero.
1946/1955
. O ano de 1946 iniciou um período de transição entre a tradição e a modernidade na música brasileira. Luiz Gonzaga estoura nas paradas com o baião. Vicente Celestino entoa a dramática “O Ébrio” nas telas de cinema. A cantora Marlene grava seu primeiro disco.
. Em 1947, o rádio tocava “Marina”, de Dorival Caymmi, a rumba “Escandalosa” (Moacir Silva e Djalma Esteves), na voz de Emilinha Borba e os sambas-canções “Segredo” (Herivelto Martins e Marino Pinto) e “Nervos de Aço” de Lupicínio Rodrigues.
. A marchinha “Chiquita Bacana” (João de Barro e Alberto Ribeiro) animou o carnaval de 1949. Separada de Herivelto, Dalva de Oliveira soltava a voz em “Que Será?” (Marino Pinto e Mário Rossi). Gonzagão se mantinha em evidência e outro nordestino se projetava: Jackson do Pandeiro, cantando “Sebastiana” (Rosil Cavalcante). Era a fase áurea do rádio.
. Em 1956, Cauby Peixoto chegava ao auge da fama. Não tinha quem não soubesse os versos de “Conceição”. Caymmi ia de “Maracangalha”, Tom Jobim alcançava o sucesso com “Foi a Noite”, parceria com Newton Mendonça, gravada por Sylvia Telles, e Cartola, depois de um tempo sumido, foi redescoberto na cena musical carioca e voltou a cantar.
. Os últimos anos da década de 1950 trouxe ainda artistas como Johnny Alf, com “Rapaz de Bem”, Maysa, cantando “Ouça,” e João de Vale. E Tom Jobim começava a parceria com Vinicius de Moraes em “Se Todos Fossem Iguais a Você”. O LP “Chega de Saudade”, de João Gilberto, foi lançado em 1959 e instaurou de vez a bossa-nova.
. Em 1961, o jovem Gilberto Gil, desfez Os Desafinados, conjunto instrumental que formava com amigos e no qual tocava acordeom. Depois de ouvir João Gilberto, queria tocar violão. Em 1965, Caetano lançou-se profissionalmente com o compacto “Cavaleiro/Samba em Paz”, enquanto sua irmã . Maria Bethânia se apresentava no espetáculo “Opinião”, no Rio de Janeiro, substituindo Nara Leão. Na TV, Roberto, Erasmo e Wanderléa apresentavam o programa “Jovem Guarda”.
. A grandeza do samba era revelada no espetáculo “Rosa de Ouro”, em cartaz no Teatro Jovem, no Rio. No palco, Clementina de Jesus, Araci Cortes, Paulinho da Viola, Nelson Sargento, e Elton Medeiros, entre outros
DEPOIS…
1966/1975
. Em 1966, Elis apresentava “O Fino da Bossa” na TV, ao lado de Jair Rodrigues. E lançou naquele ano seu sexto disco, “Elis”, que incluía “Sampa em Paz” e “Boa Palavra”, de Caetano, e “Lunik 9”, de Gil..
. No ano seguinte, sairam os LPs “Domingo”, de Caetano e Gal Costa, e “Louvação”, de Gil. Entre 1967 e 1968, o Tropicalismo sacudiu a cena musical brasileira. A prisão de Caetano e Gil pelo regime militar, em 1968, interrompeu a festa. Liberados, em 1969, partiram para o exílio em Londres.
. Aqui, Gal apresentava em 1971 o histórico show “Fa-tal”. Lá, Caetano gravou “Asa Branca” e chamou atenção para Luiz Gonzaga, que andava esquecido. Gonzagão apresentou em 1972, no Rio, o show “Volta pra Curtir”, com Dominguinhos o acompanhando. Caetano e Gil voltaram ao Brasil.
. Nesse ano, Waldick Soriano estreou nos cinemas “A Paixão de um Homem”. Fernando Mendes e José Augusto tornam-se ídolos populares com músicas como “A Desconhecida” e “Eu Quero Apenas Carinho”. O Secos & Molhados teve uma carreira meteórica e avassaladora.
. Os anos 1970 também foram de Tim Maia, Jorge Ben (mais tarde Ben Jor), dos mineiros do Clube da Esquina, capitaneados por Milton Nascimento, e dos primeiros passinhos do funk carioca.
. Em 1976, é lançado o LP “Doces Bárbaros”, com Caetano, Gil, Gal e Betânia. O Brasil inteiro canta “Pavão Mysteriozo”, do cearense Ednardo. Ele, Fagner, Amelinha, Elba e Zé Ramalho integravam uma lista de artistas nordestinos que ganhariam projeção na segunda metade da década de 1970. Época fértil também em novas cantoras. Angela Ro Ro, Marina Lima e Zizi Possi são dessa safra. Em compensação, o Brasil perdia Elis, em 1982.
. No rádio (e na “Discoteca do Chacrinha”, que em 1982 virou “Cassino do Chacrinha”) tocava “Sonhos” (Peninha), “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer” (Fernando Mendes), “Lembranças” (Kátia), “Sou Rebelde” (Lilian), “Fuscão Preto” (Almir Rogério), “Moça” (Wando), “Meu Amigo Charlie Brown” (Benito di Paula)…
. O sambista Candeia, que só teve o primeiro disco como intérprete gravado em 1970, morreu em 1978, mesmo ano em que Beth Carvalho fazia grande sucesso com seu disco “De Pés no Chão”.
. Por fim, a década de 1970 fechou em ritmo de discoteca. Mas os anos 1980 nasceram sob o signo do rock Brasil. Com Barão Vermelho, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Ira!, Titãs, Lobão, Gang 90 e RPM, entre outros. À margem, corria solta a Vanguarda Paulista, de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção.
1986/1995
. O primeiro Rock in Rio consagrava o rock no Brasil. Outros baianos tomavam a cena musical, com a axé music. Depois de Luís Caldas (com “Fricote”) e Sarajane (com “A Roda”), vieram Ricardo Chaves, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Banda Eva, Olodum…
. Tudo isso acabou por tirar o foco dos medalhões da MPB. Na crise, a cantora Simone, por exemplo, resolveu gravar um disco de canções natalinas, em 1991. Embora cantassem desde os anos 1970, Chitãozinho & Xororó conseguiram fazer o Brasil inteiro ouvir seus trinados e abriram caminho para outras duplas do sertanejo romântico.
. Em 1989, todo mundo falava de Marisa Monte antes mesmo de ouvi-la. O álbum “MM” confirmou as expectativas. Estava lançada a onda das “cantoras ecléticas”. Carmen Miranda, Titãs, Roberto Carlos, tudo junto. Mais tropicalista, impossível. E assim também era a jovem Cássia Eller, que saía de Brasília para estrear em disco em 1990.
. Em 1994, Caetano e Gil gravaram “Tropicália 2”. No Ceará, Mastruz com Leite exportava a onda do forró eletrônico.
1996/2005
. Com a morte de Renato Russo (1996) e a de Cássia Eller (2001), o pop-rock brasileiro completava o luto iniciado em 1990, com a perda de Cazuza. Mais um baque veio em 1997, quando Chico Science morreu em um acidente de automóvel.
. Chico era um dos responsáveis por dar à cena novo ânimo com o vigor do manguebeat. Lançado em 1994, “Da Lama ao Caos”, de Chico Science e Nação Zumbi, apresentou o movimento musical vindo de Pernambuco, que seguia os passos dos tropicalistas, misturando tradição e modernidade. Dele faziam parte grupos como Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio e Sheik Tosado.
. Em reação ao forró eletrônico do Mastruz, surgia em São Paulo na virada da década de 1990 para 2000, o forró universitário, tendo à frente nomes como Falamansa e Bicho de Pé. Mas os cearenses mandavam reforços. Em 2002, decolava de Fortaleza o Aviões do Forró.
. A eles se juntavam o Bonde do Tigrão para dar picãncia à música brasileira popular. Representavam o funk carioca, que já estava bombando no embalo de Claudinho e Bochecha e Tati Quebra-Barraco.
Tulipa Ruiz, Vanessa da Mata, Criolo, Naldo, Thiago Petit, Tiê, Ivete Sangalo, Moreno Veloso, Banda Calypso, Jorge & Mateus, Michel Teló, Filipe Catto, Leo Cavalcanti, Luan Santana, Valesca Popozuda, Henrique & Juliano, Cristiano Araújo, Anelis Assumpção, Mariana Aydar, Céu, Kassin, Felipe Cordeiro, Marcos & Belutti, Karol Conka, Edson & Hudson, Paula Fernandes, Belo, Emicida, Cícero, Los Hermanos, Mallu Magalhães, Johnny Hooker, Seu Jorge, Gaby Amarantos, Ana Cañas, Karina Buhr, Alexandre Pires, Rodrigo Campos, Silva, Letuce, Wesley Safadão, Lucas Lucco, Dônica, Roberta Sá, Maria Gadú, Marcelo Jeneci,… E, claro, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Livros consultados: “A Canção no Tempo Vol. 1”, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Melo (editora 34), e “Verdade Tropical”, de Caetano Veloso (Companhia das Letras)