Nordeste é polo de produção de trap, mas não consegue reter talentos
A região Nordeste é um dos maiores celeiros de cantores de trap, mas sofre com a dificuldade de competir com Rio de Janeiro e São Paulo
atualizado
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Os estados da região Nordeste são um verdadeiro celeiro de artistas. Quando o assunto é o gênero trap, não é diferente. Nomes como Matuê, Don L, Wiu, Baco Exu do Blues, Jovem Dex e Teto fizeram sucesso por lá e depois ganharam o Brasil com suas rimas e músicas.
As revelações musicais seguem surgindo no Nordeste, mas poucas delas fazem carreira em estados da região. Em sua maioria, os trappers são seduzidos pelo poder e potencial do eixo Rio-SP. O rapper baiano Brocasito, que recentemente lançou o disco O Cara Mau, acredita que falta tempo para o gênero se disseminar nacionalmente.
“Eu entendo que o trap ainda é bem recente no Brasil. Assim que as pessoas começarem a entender esse gênero musical, ele vai se expandir com o tempo. Na hora que as composições e o ritmo forem mais compreendidos, mais pessoas serão abrangidas”, afirmou.
MK LoKonsciente, que recentemente lançou o single Game Over, mudou-se para São Paulo em 2021 em busca de novas oportunidades no mercado musical. Baiano, o rapper acredita que o trap não fortalece bases no Nordeste por uma questão política.
“Faltam oportunidades para os jovens, principalmente da periferia. Esse acesso é o que faz toda diferença na transformação de vidas. É necessário mais espaço midiático e políticas públicas que enfatizem toda a riqueza de talentos das periferias. Só assim teremos um passo importante para mudar este cenário que vemos”, declarou o cantor.
Mesmo com a crença de alguns na mudança, também existem artistas do Nordeste que não têm muita esperança em um novo panorama. Sucesso com o trap nordestino, o cantor Mago de Tarso, de Pernambuco, afirmou que existe potencial para um mercado do trap no Nordeste, mas que dificilmente a ideia vai evoluir.
“Na minha visão, está muito distante de acontecer e talvez nunca se torne esse polo musical do trap. O potencial é muito grande, tem muitos artistas bons, mas falta comprometimento com sua própria arte e investimento. Falta um pouco de união também. Ainda está muito distante de São Paulo e Rio, que têm o trap vivo em sua cultura”, pontuou o artista.
Influências do Nordeste no trap
Por conceito, o trap é um subgênero do rap que surgiu nos Estados Unidos. Popularizou-se no Brasil no início dos anos 2010 com novos elementos tecnológicos como sintetizadores e auto-tune. A moda pegou e se tornou uma febre no país, mas apresenta músicas com sonoridades muito parecidas.
Um dos cases de sucesso do trap no Nordeste é a produtora e selo musical 30PRAUM, fundada em 2016 pelo rapper Matuê. Referência do trap nordestino nas plataformas musicais com Wiu, Matuê e Teto, a empresa trabalha apenas com artistas do Nordeste, mas é uma das poucas referências locais relevantes.
Seguindo o exemplo, os trappers oriundos do Nordeste estão buscando novas formas de alterar a sonoridade e manterem a relevância. Brocasito encontrou no plugg, uma técnica do trap criado por produtores, um diferencial de suas músicas. Além disso, confia na origem baiana para trazer sonoridades diferentes.
“A musicalidade da Bahia está enraizada em mim, é o que me define como artista. Todos devem saber de onde eu venho. Busco sair desse labirinto repetitivo fazendo o que eu realmente gosto, não o que a maioria faz por aceitação. Na minha opinião, os números não podem falar mais alto do que a musicalidade”, afirmou o cantor.
No caso de Mago de Tarso, basta ouvir uma música para perceber o trap do artista é fundido com samples de músicas regionais de Luiz Gonzaga e sucessos do forró, do brega, do maracatu e do frevo. “Particularmente gosto muito de criar uma música a partir de outra que já existe. Quem escuta aqueles toques antigos, consegue pegar as referências. Gosto de usar a música pernambucana no trap que eu faço.”
MK LoKonsciente, por sua vez, traz as mudanças no gênero de forma natural, com um sotaque específico da Bahia, sem o uso de sintetizadores vocais.
“Meu sotaque acaba sendo um diferencial em minhas músicas porque eu também costumo cantar de forma mais clara, objetiva e didática. Além disso, também tenho influências da musicalidade nordestina. Desde pequeno ouvia muito axé e o pagode baiano. Mas o que me influenciou mais foi o reggae, que vem de família”, explicou o rapper.
A resistência local de Mago de Tarso
Mesmo com São Paulo e Rio de Janeiro sendo os polos mais fortes do trap, Mago de Tarso foi um dos cantores que resolveu ser resistência e se mantém em Pernambuco com suas músicas. O artista, que viralizou com o single Caranguejo do Trap, revelou ter negado propostas de grandes produtoras para se manter no Nordeste.
“Quando minha música estourou, eu tive propostas de várias gravadoras. Muitas queriam impor que eu fosse morar em São Paulo ou no Rio de Janeiro. A única que me deixou a vontade foi a Baguá. E eu prefiro morar na minha cidade porque eu amo Recife e porque a música que eu faço bebe muito da música recifense.”
O artista, que lançou o single Feito Pra Voar com Xand Avião no início de setembro, acredita que as vivências de Recife são essenciais para manter uma carreira de sucesso.
“Fico com medo de ir para fora e perder meu sotaque e minhas vivências. É nesses casos de vivências que eu escuto ditados e pego referências para as músicas, então preciso estar em Recife para continuar criando”, disse o cantor.