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Ney Matogrosso faz plateia esquecer que o Brasil está dividido

Antes e depois do show, parte do público entoou gritos de luta. Durante o espetáculo, o que imperou foi o desejo de estar diante de um dos mitos da MPB

atualizado

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: Lula Lopes/Divulgação
Crédito: Lula Lopes/Divulgação. Cantor Ney Matogrosso.
1 de 1 Crédito: Lula Lopes/Divulgação. Cantor Ney Matogrosso. - Foto: : Lula Lopes/Divulgação

De braços abertos, Ney Matogrosso chega aos derradeiros minutos do show “Atento aos Sinais” com a plateia aos seus pés. Canta “Poema”, de Cazuza, enquanto um balé nervoso de mãos suplica para tocá-lo. O corpo de peito à mostra traduz o poder que esse artista único ergue no palco desde o minuto que lança os primeiros agudos em “Incêndios”

Na noite de sábado (16/04) em especial, ele fez os espectadores se transportarem ao território estético onde reina absoluto. O alvoroço político que tomou conta de Brasília às vésperas da votação do processo que pode impedir o mandato da presidente Dilma Rousseff cessou diante do canto de Ney Matogrosso.

Antes de iniciar o show com a impactante canção “Rua de Passagem (Trânsito)”, de Lenine e Arnaldo Antunes, ouviam-se do foyer do Centro Convenções Ulysses Guimarães palavras de ordem vindas de um carro de som lá na Rodoviária. Ao fim do espetáculo, um pequeno grupo deixava o teatro gritando “Não vai ter golpe”, enquanto outro antagônico respondia: “Vai ter impeachment”. Entre um e outro, estabeleceu-se o culto a um dos mitos da música popular brasileira.

Corpo-templo
Sem necessidade de impor discursos, Ney constrói sua dimensão política canção a canção. “De Rua de Passagem” à marcante “Incêndio”, de Pedro Luís, que fala das ruas em colisão com projeções de protestos, o artista amplifica sua linguagem em forte estética corporal, no qual voz e corpo seduzem uma plateia que o deseja loucamente, subvertendo estigmas de gênero e de idade (afinal, todos estão diante de um senhor de 74 anos).

É por essa conjunção que o cantor propõe pensar 40 anos de carreira por fragmentos que se mantêm latejantes em seu rebolado estonteante, seu figurino camaleônico e num repertório contemporâneo

Faíscas do passado
O passado, que se projeta em fotografias da carreira, é faísca que sai deste Ney Matogrosso de 2016. Com repertório surpreendente, de Crioulo (Freguês da Meia-Noite) à deliciosa Samba do Blackberry, de Rafael Rocha e Alberto Continentino), há um desfile de composições impecáveis.

Roendo as Unhas”, de Paulinho da Viola, é um desses ápices. Ney percebe a força da canção, vai ao centro trocar uma roupa e se agiganta diante de olhos que o veneram como se fosse um legítimo governante dos desejos alheios.

 

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