Música que rejuvenesce: Vó Pifa, aos 102 anos, lança primeiro disco
A voz e os versos da artista serão acompanhados pelo som da gaita sanfonada do neto, o virtuoso Engels Espíritos
atualizado
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A noite deste sábado (22/06/2019) foi especial para a baiana Epifânia Maria de Jesus Mendes, residente em Brasília desde os anos 1960. Aos 102 anos de idade, Vó Pifa, como é carinhosamente conhecida, subiu ao palco da Festa Junina Arraiá do Parque, para lançar o seu primeiro álbum musical, Catrevagem. O show aconteceu a partir das 18h, na estrutura montada em frente ao Nicolândia, no Parque da Cidade.
Durante a apresentação, Vó Pifa não esteve sozinha. A cantora veterana foi acompanhada pelo neto, o gaitista Engels Espíritos. No repertório, canções escritas por ela durante a adolescência, nos idos da década de 1920, e versos singelos, mas cheios de significados.
“Eu dou minhas cantigas, minhas barbaridades. Quem quiser falar de mim, fale bem, que a fama corra. Deixar de amar, eu não deixo. Quem não tiver suas paixões que morra”, recita Vó Pifa.
Família
Nascida no dia 7 de abril de 1917, na cidade de Correntina (BA), Pifa não sabe dizer quando o gosto por criar cantigas começou. “Sempre fui assim. O que é de ‘naturetagem’, ‘negagem’ não pode”, diz, sabiamente, exaltando a essência que cada um carrega dentro de si. Sem saber ler ou escrever, a centenária vai contando sua história por meio de rimas improvisadas ou guardadas na memória ao longo dos anos – “bem lá no fundo do ‘crânico’”, como gosta de falar.
Aos 16 anos, já estava casada. Na década de 1930, acompanhou o esposo em uma viagem a cavalo com os três filhos mais velhos, para inaugurar a cidade de Goiânia (GO). “Foi difícil! Quando eu nasci, não tinha nada no mundo. Não era rico como é hoje, não”, recorda.
Depois, em 1956, mais uma vez seguiu o marido em direção a Brasília. Juntos, ajudaram na construção da nova capital. Ao todo, Vó Pifa teve 18 filhos, segundo ela, frutos de uma época em que as mulheres não tinham escolha. “Naquele tempo, criava filho ou largava o marido. Não tinha remédio, não tinha como evitar de jeito nenhum”, conta.
Com bom humor e gargalhadas contagiantes, o único momento em que os olhos de Pifa ficam marejados é quando se lembra dos filhos já mortos. De acordo com ela, quatro morreram ainda pequenos, não “vingaram”, como dizem os mais antigos. Dos outros 14 que viu crescer, seis já partiram.
Contudo, Vó Pifa não fala com tristeza da vida que levou, pelo contrário, faz questão de ressaltar a origem de sua alegria, vitalidade e lucidez: a “família abençoada”. Apenas para não perder a piada, a senhora brinca: “Mas na próxima [reencarnação], quero vir concubina ou periguete. Ser mais livre”.
Herança musical
“Desde criança, eu via minha avó cantando. Era uma casa simples, em Sobradinho, na época a cidade não possuía asfalto ainda. Mas onde morávamos tinha um quintal florido, e eu tenho esta recordação muito forte, de ver ela cantando e cuidando das plantas”, relembra Engels Espíritos, 46 anos.
A inspiração afetiva da infância vingou. Autodidata, o instrumentista se tornou pioneiro no trabalho com gaitas harmônicas em Brasília, até desenvolver um curso que formou duas gerações de músicos na cidade. Com mais de 25 anos de carreira, dois CDs e um DVD gravado ao vivo, perdeu as contas dos festivais internacionais dos quais participou e os nomes importantes com quem já dividiu palco.
“Tocar com a minha avó é o que existe de mais importante. É emocionante. Nessas últimas noites, eu nem estou dormindo direito, pois vou subir ao palco para lançar um material musical dela. Meu coração está repleto de alegria e êxtase. É o momento mais especial da minha carreira”, afirma Engels.
De acordo com ele , produzir o EP com as músicas de Vó Pifa surgiu da vontade de fazer um registro que servisse de memória para toda a família. “Quero eternizar a genialidade dela de criar canções regionais e músicas que retratam um período do Brasil”, considera. Com a iniciativa aprovada por todos os familiares, coube ao neto gaitista a produção do álbum, desde a viabilização da gravação até a parte instrumental e criação dos arranjos, com a ajuda de alguns músicos locais.
No show deste sábado (22/06/2019), Vó Pifa e Engels Espíritos estarão acompanhados de uma banda com grandes instrumentistas da cidade: a maestrina, cantora e pianista Keit Guimarães, o baixista Marcelo Ribeiro e o baterista e percussionista David Gibran.
Personalidade e vitalidade
Contadora de histórias profissional, é difícil saber quando Vó Pifa está falando sério ou está de pilhéria com o ouvinte. “Sou pior que a Dercy Gonçalves”, enfatiza. Um dos “causos” que ela conta com orgulho foi o de ter urinado no túmulo do ex-marido. Não foi vingança ou coisa do tipo, ela explica. “Ele sempre me zoava, dizia que eu ia deixar ele viúvo jovem, e que ele ia ‘mijar’ no meu caixão. No fim das contas, quem morreu foi ele. Pois eu fui lá e dei o troco”, garantiu, seguida da sua longa e característica gargalhada.
Além do jeito descontraído, o que mais chama atenção em Vó Pifa são a vitalidade e lucidez impressionantes. Para chegar ao estúdio do neto são 31 degraus, vencidos sem dificuldades. Gravar também é moleza, desde que a bateria esteja abastecida de uma “loira gelada” ou de vinho “do bom”.
Quebra de recordes
Em 2018, Vó Pifa esteve no programa Hora do Faro, da TV Record. Lá ganhou o prêmio Records Brasil como a mulher mais velha a ter feito tatuagens. Agora, mais uma vez, Vó Pifa tenta liderar outro ranking. Ela está concorrendo ao mundial Guinness World Records como, possivelmente, a compositora e cantora mais velha do mundo a gravar e lançar suas músicas.
Questionada se está nervosa ou ansiosa com o momento, Vó Pifa se mostra confiante no sucesso da estreia. “Aonde eu vou, o povo me acompanha. Eu sou de Vicente e de toda gente”, conclui.
Show de lançamento do EP da Vó Pifa com Engels Espíritos & Banda
Neste sábado (22/06/2019), às 18h, na Festa Junina Arraiá do Parque (em frente ao Nicolândia, no Parque da Cidade). Ingressos: R$ 5 + 1 kg de alimento não perecível. Estudantes com carteirinha têm entrada franca. Mais informações on-line. Classificação indicativa: livre
