Máfia do Spotify: quanto os artistas pagam para ter músicas no topo
Uso de robôs tem colocado músicas entre as mais ouvidas do Spotify e alavancado nomes de artistas na plataforma de streaming musical
atualizado
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O ramo musical tem ganhado novos capítulos com o desenvolvimento de tecnologias. A nova onda agora é usar robôs, os conhecidos bots, para alavancar números e levar artistas nem tão conhecidos assim ao topo do Spotify.
Agora, os bots são usados como ouvintes fantasmas e acessam músicas determinadas para aumentar o número de streams, ou seja, número de vezes em que ela foi reproduzida. As chamadas fazendas digitais possuem várias dessas e tem levado artistas a subirem até 92 posições no streaming em apenas um dia, de acordo com o Portal Leo Dias.
Para conquistar registros tão significativos, os artistas, é claro, precisam colocar a mão no bolso. Fontes ouvidas pelo site de notícias afirmaram que cantores chegam a gastar R$ 50 mil para conseguir 1 milhão de reproduções.
Mas, como tudo que sobe, pode cair, eles desembolsam até R$ 200 mil por mês para conquistar 4 milhões de reproduções e se manter no topo das listas de músicas e artistas mais ouvidos. O valor costuma ser bem diferente do investido em comunicação orgânica, como publicidade e divulgação de influenciadores.
Grandes nomes do mercado chegam a investir milhões na área, mas nem sempre alcançam o resultado esperado. Muitas vezes, as músicas não agradam o público o suficiente para ficar entre as 10 mais ouvidas do Spotify, ou sequer chegar ao TOP 100.
A dupla Zé Neto & Cristiano, conhecidos no ramo sertanejo, afirmaram que essa maneira de alcançar números tem gerado problemas. Além disso, citaram que é estranho ver a pessoa sair de uma posição no fim da lista para uma no começo.
“Antigamente, era disco, era disco, então não tinha como enganar. Mas aí veio a pirataria, que estragou o disco. Agora, isso tá acabando com o mercado digital. Isso é uma pirataria digital. Então, para nós não é interessante ter um mercado de tráfego digital”, defendeu Zé Neto.
App paga para ouvir músicas no Spotify
Já imaginou ser remunerado para ouvir música na sua plataforma de áudio predileta? A ideia parece uma proposta do tipo ganha-ganha, na qual o consumidor se beneficia e a plataforma também. Porém, a nova prática esconde algumas discussões sobre ética e os impactos do mercado fonográfico. O assunto passou a ser debatido após alguns artistas subirem de posição nos charts do Spotify de forma muito mais rápida que o comum.
De um lado, os aplicativos falam que apenas remuneram usuários, sem nunca indicar uma campanha massiva voltada para determinados artistas. De outros, críticos apontam que a prática causa distorções e influencia o algoritmo das plataformas.
Um desses aplicativos, que tem ganhado muita adesão recentemente, é o AstroPlay, que oferece aos usuários a oportunidade de ganhar dinheiro ao reproduzir música – no entanto, caso as faixas escolhidas sejam de artistas ligados ao app, o ganho pode ser maior. Por isso, usuários e pessoas ligadas ao mundo da música passaram a questionar sobre os impactos da prática, já que o uso dessa tecnologia pode distorcer o sistema de streaming, criar “sucessos fake” e comprometer a equidade na distribuição de royalties entre os artistas.
O Metrópoles entrou em contato com o Spotify, porém, até a publicação desta reportagem, não obteve resposta. No entanto, a prática de inflar artificialmente os números de reproduções viola os termos de serviço da plataforma.
“É proibido aumentar artificialmente as contagens de reprodução ou seguidores, promover artificialmente o Conteúdo ou outra manipulação, incluindo (i) usar qualquer bot, script ou outro processo automatizado, (ii) fornecer ou aceitar qualquer forma de compensação (financeira ou de outra forma) ou (iii) qualquer outro meio”, diz a diretriz do serviço.
Como funciona o app?
O AstroPlay promete que ao vincular sua conta do Spotify no aplicativo, você acumula pontos todas as vezes que ouvir músicas dos artistas do grupo Astro Music. Os pontos são revertidos em criptomoedas. “Quanto mais músicas ouvir pelo app, mais pontos irá acumular. Conquiste o 1º lugar no Ranking de Usuários e ganhe pontos extras”, diz a propaganda do aplicativo.
Em entrevista ao Metrópoles, Carlos Santos, sócio da AstroPlay, garantiu que, mesmo com a indicação de faixas, o aplicativo não tem foco em impulsionar artistas, e sim, beneficiar os fãs.
“O Astroplay foi criado através da Astro Cash, que é uma criptomoeda que já está no mercado há mais de dois anos, sendo negociado em corretoras. As pessoas podem comprar ou vender dentro de corretoras, assim como o Bitcoin. E um dos produtos da Astro Cash é o Astroplay. A criptomoeda precisa ter uma circulação no mercado. Para ela ter circulação, ela precisa ter produtos onde as pessoas possam utilizar essa moeda. E o primeiro produto foi o Astroplay, onde as pessoas podem minerar Astro Cash diariamente através de tarefas dentro do aplicativo. Então os nossos usuários dentro do Astroplay realizam tarefas e eles são recompensados em Astro Cash ou em pontos”, afirma Carlos.
“As tarefas mais vigentes dentro do aplicativo são músicas. Os usuários podem ouvir qualquer música de qualquer artista, de qualquer gênero, através do nosso Spotify e ele receber pontos dentro do nosso aplicativo, onde ele pode trocar esses pontos por produtos na nossa loja, trocar esses pontos por ticket de premiações que acontece mensalmente dentro do aplicativo e, outros usuários que têm uma classificação melhor, conseguem até ganhar a recompensa em Astro Cash. E aí usar essas Astro Cash, essas criptomoedas, para vender no mercado e transformar em dinheiro”, explica.
Gravadora se pronuncia
O presidente da Som Livre, Marcelo Soares, divulgou uma nota à imprensa sobre o assunto e ressaltou que existem “movimentos pouco naturais” na reprodução de músicas e que isso “parece vir de playlists que têm espaços comercializados abertamente”. Além disso, ressaltou a importância de discutir o assunto e de tirar esse tipo de playlist do ar. Confira a íntegra abaixo:
“É difícil negar que haja atividades suspeitas alavancando músicas nas principais plataformas de streaming. O que vemos é que a grande maioria dos streams com movimentos pouco naturais parece vir de playlists que têm espaços comercializados abertamente. Playlists assim estão no ar há muito tempo e continuam ativas até hoje. Já vimos artistas serem penalizados por terem uma música em uma playlist que de fato parece não ser totalmente orgânica, mas a playlist segue no ar, o que é difícil de entender.
Ninguém gosta de falar muito por receio de algum tipo de reação negativa, mas chegamos em um ponto insustentável, prejudicial para todo o mercado. Fico feliz de ver essa discussão aberta com depoimentos de artistas como Zé Neto e Cristiano, e o posicionamento do Spotify se mostrando comprometido em buscar uma solução, mas é necessário um olhar mais atento às playlists com movimentos artificiais.”