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Livro narra trajetória do samba-canção por meio de histórias e fotos

Resultado de 13 anos de pesquisa, obra perfaz a estrada do gênero musical com saborosas imagens e anedotas

atualizado

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1 de 1 Copacabana01 - Foto: Divulgação

A cena é hilária. Um dos raros negros a ter livre acesso aos requintados cassinos do Rio de Janeiro, nos anos 1940, com a banca de entrar pela porta da frente, Grande Otelo, certa vez, resolveu levar a tiracolo o violonista Patrício Teixeira, que o alertou: “Não posso entrar, porque sou preto”. Ao que o baixinho respondeu: “Entra sim, eu conheço o porteiro”. Lá pelas tantas, enquanto ambos estavam escondidos atrás de uma coluna, o crupiê grita: “Preto, dois!”. Apavorado, o músico se agarra ao amigo e dispara: “Vamos embora, já nos viram!”.

Essa é só uma das dezenas de histórias saborosas contadas pelo jornalista, escritor e musicólogo Zuza Homem de Mello, em Copacabana. Lançado recentemente pela Editora 34/Edições Sesc, a obra, um catatau de mais de 500 páginas, conduz o leitor numa deliciosa viagem no tempo ao traçar a trajetória do samba-canção entre 1929 a 1958. As fotos desse período são de tirar o fôlego. Corre o risco de você não querer voltar para o presente.

Um dos gêneros mais importantes da nossa música, embalado por vozes inesquecíveis como Linda Batista, Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Nelson Gonçalves e tantos outros, esse tipo de samba urbano melodioso e com letras sentimentais teve como cenário fundamental um dos bairros cariocas mais famosos do mundo. O mesmo que dá título à obra e imortalizado em canção homônima na voz de um dos ícones do estilo: Dick Farney.

“Existem praias tão lindas cheias de luz / Nenhuma tem o encanto que tu possuis / Tuas areias, teu céu tão lindo / Tuas sereias sempre sorrindo / Copacabana princesinha do mar / Pelas manhãs tu és a vida a cantar”, diz trecho de canção escrita pela dupla João de Barro e Alberto Ribeiro.

“O samba-canção abre o caminho para a modernidade da música brasileira através de procedimentos melódicos e harmônicos avançados, de uma forma de interpretação menos pomposa e de letras incursionando, com notável qualidade, na relação amorosa em situação de perda”, atesta Zuza Homem de Mello, em entrevista ao Metrópoles. “Copacabana era o bairro que se afinava com a vida moderna que se desenvolvia no Brasil”, avalia o autor.

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Doris Monteiro e Cyll Farney no filme De Vento em Popa (1957)
Dick Farney Trio no hotel Walford Astoria
Nelson Gonçalves e Lourdina Bittencourt
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Tom Jobim com seu filho

Última Hora/Arquivo Público do Estado de São Paulo
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Doris Monteiro e Cyll Farney no filme De Vento em Popa (1957)

Acervo Cinemateca Brasileira
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Dick Farney Trio no hotel Walford Astoria

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Nelson Gonçalves e Lourdina Bittencourt

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“Todo cafajeste tem que ter classe”
Foram 13 anos de pesquisas, entrevistas e horas a perder de vista ouvindo invejável coleção de discos que marcaram parte da memória do autor de 84 anos. Paulista que aprendeu a amar o Rio de Janeiro e o samba-canção durante as férias na adolescência, Zuza – que atuou como músico profissional em sua cidade e foi respeitado crítico de música, entre outras coisas – conta que viver intensamente esse período foi determinante para compreender o gênero.

“Sendo um paulistano vindo de costumes bem diferentes, a vivência no Rio de Janeiro durante a juventude, quando a curiosidade pelo novo é despertada, me proporcionou uma intensa ligação com o samba-canção e sua compreensão”, comenta Zuza, autor de livros fundamentais para entender a história da música brasileira, entre eles, A Era dos Festivais – Uma Parábola, Música nas Veias e Música com Z, todos lançados pela Editora 34.

Mas, ao mesmo tempo que se debruça sobre a trajetória do samba-canção, Copacabana, o livro, lança um olhar antropológico sobre esse período mágico, radiografando, com precisão de historiador apaixonado pelo tema, lugares e cenários emblemáticos que serviram de palco para essa trilha sonora inesquecível, como boates e cassinos, além de personagens e situações hilárias que marcaram o período, como ilustra o episódio do primeiro parágrafo.

A gênese da praia de Copacabana como point boêmio carioca, o surgimento das primeiras rádios na então capital do país e a importância que elas tiveram no sucesso do samba-canção, a projeção das grandes divas e principais compositores do gênero, enfim, as badaladas festas regadas a muita bebida, confusão, sexo e, claro, música. Formado pela nata da elite do Rio de Janeiro, o clube dos cafajestes, por exemplo, era a turma que melhor captava esse clima.

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Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra
O empreendedor Joaquim Rolla
Nora Ney e Jorge Goulart no programa Rádio Flagrantes, de Ary Barroso, na Rádio Nacional
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Elizeth Cardoso

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Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra

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O empreendedor Joaquim Rolla

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Nora Ney e Jorge Goulart no programa Rádio Flagrantes, de Ary Barroso, na Rádio Nacional

Última Hora/Arquivo Público do Estado de São Paulo

 

“Quando se reuniam nos fins de semana nada era impossível. A turma do celebrado Clube dos Cafajestes do Rio não tinha rival. Um dos 54 artigos de seu regimento interno parecia contraditório, mas era axiomático: todo cafajeste tem que ter classe”, escreve o autor no capítulo dedicado à elegante e ignara turba. “Farristas e debochados, ricos e inconsequentes, dissipando mel que derretia as mulheres mais lindas, mais fogosas e mais desejáveis; assim eram os componentes do mais comentado clube de Copacabana, que não tinha sede nem emitia carteirinha”, continua, deliciosamente.

Uma dica para a leitura fluir com deleite completo: leia cada capítulo de Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958) ao som das faixas que marcaram o gênero, acessando aplicativos como o Spotify, YouTube e Apple Music. Sucessos que o tempo nunca vai apagar, desde aquela que é considerada a primeira canção do estilo, Linda Flor, imortalizada pela voz de Aracy Cortes, a grande estrela do teatro de revista brasileiro entre 1920 e 1940, passando por clássicos como Ninguém Me Ama, A Volta do Boêmio, Fósforo Queimado, Solidão e por aí vai…

DUAS PERGUNTAS PARA ZUZA HOMEM DE MELLO

O samba-canção reinava na cena musical do Rio de Janeiro antes da bossa-nova. Seria exagero dizer que, sem esse gênero musical, João Gilberto e sua turma não teriam existido?
Sim, é exagero. A intenção dos compositores modernistas do samba-canção era dar vazão às suas aspirações de avanço por novos caminhos. A levada do samba-canção é a mesma do samba tradicional em andamento mais lento e com mais suavidade. De outra parte, a bossa-nova, que também incursiona por melodias e harmonias avançadas, é marcada por uma nova maneira de ritmar o samba, que é, em resumo, a contribuição mais marcante de João Gilberto.

O que a “princesinha do mar” tinha de especial para se tornar o grande espaço desse estilo musical?
Copacabana era o bairro que se afinava com a vida moderna que se desenvolvia no Brasil: a praia, como espaço de diversão democrática, as habitações verticais nos edifícios de apartamentos, as lojas e cinemas de bairro e a intensa vida noturna em que se misturavam artistas, jornalistas, escritores e figuras representativas do café society que passaram a cultivar a música brasileira no lugar da americana.

Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958), de Zuza Homem de Mello. Editora 34. 512 páginas. R$ 82

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