Jukebox Sentimental: versão de Garota de Ipanema completa 55 anos
Canção foi imortalizada na voz de Astrud Gilberto. Saiba mais sobre a história de um dos temas mais icônicos da música brasileira
atualizado
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Não é segredo para ninguém. A eterna “garota de Ipanema” é a bela Heloisa Eneida Menezes Paes Pinto, mais conhecida como Helô Pinheiro. Mas a maioria nem desconfia que Tom Jobim – autor da clássica música que embala a letra marcante do poeta Vinícius de Moraes – era não só apaixonadíssimo por ela, como lhe declarou seu amor. Foi em 1965, num banco da Avenida Vieira Souto, de frente para o mar e com o sol se despedindo por detrás dos Dois Irmãos.
Então uma linda menina no auge de seus 18 anos, com longas madeixas negras e olhos verdes, criada “para casar” e noiva, Helô, toda sem graça, mirou a aliança no dedo do amado que a imortalizou numa das canções mais famosas do planeta, e saiu pela tangente. Não sem antes ganhar um beijo na boca de tirar o fôlego e deixa-la de pernas bambas. No ano seguinte, acompanhado da mulher Thereza, Tom era um dos padrinhos do casamento da musa.
Essa história é contada pelo jornalista e biógrafo Ruy Castro no delicioso Ela é Carioca, o livro que ele escreveu em homenagem ao bairro de Ipanema e que este ano completa 20 anos. Por acaso, justamente nos 55 anos do estouro da clássica versão de Astrud Gilberto para Garota de Ipanema, gravada em março de 1963, mas só lançada oficialmente um ano depois, no cultuado disco Getz/Gilberto (1964). Talvez seja o registro mais famoso da música.
Menina que Passa
Nascida no Grajaú, Zona Norte do Rio, mas desde os 10 anos vivendo em Ipanema, Helô era vista, frequentemente, no mítico Bar Veloso – hoje Garota de Ipanema –, no início dos anos 60, esquina da Montenegro com a Prudente de Morais, não apenas comprando cigarros para a mãe, mas indo e voltando da escola, dentista, trabalho e, às vezes, também, no “caminho do mar”, arrancando suspiros e tremeliques de marmanjos babões como Tom e Vinícius.
Mas, ao contrário do que muitos pensam, os dois não escreveram a música na mesa do Bar Veloso, embora a ideia seja romântica e boêmia. Na verdade, Tom compôs a melodia marcante em seu apartamento, na Rua Barão da Torre, naquele distante verão de 1962 e, só semanas depois, Vinícius rascunharia os primeiros esboços da letra então chamada Menina que Passa, em Petrópolis, com versos iniciais bem diferentes do que conhecemos hoje:
“Vinha cansado de tudo / De tantos caminhos / Tão sem poesia / Tão sem passarinhos / Com medo da vida / Com medo do amor / Quando na tarde vazia / Tão linda no espaço / Eu vi a menina / Que vinha num passo / Cheia de balanço / Caminho do mar”. Compare as duas e se delicie.
Naquele mesmo ano, em agosto, com a música já pronta e João Gilberto como solista, eles a apresentaram pela primeira vez em público no antológico show O Encontro, na boate Bon Gourmet, e dali para a primeira gravação de Pery Ribeiro, em 1963, seria um pulo, seguidas de tantas outras. Mas Garota de Ipanema só iria acontecer, mesmo, em 1964, com a inesquecível versão de Astrud Gilberto, transformando-a num símbolo da Bossa Nova.
Foi o produtor do disco Getz/Gilberto, Creed Taylor, dono do selo Verve, quem sugeriu que Astrud, então mulher de João Gilberto, cantasse a parte em inglês de Garota de Ipanema, que virou The Girl From Ipanema. João, que não falava uma palavra na língua de Shakespeare, relutou o quanto pode para que esse esquema não vingasse, como conta Ruy Castro no livro Chega de Saudade, e então aconteceu o que ninguém esperava.
Com seu canto sussurrado e doce, Astrud e o single estouram no mundo todo, transformando ambos em sensações, do dia para noite, com mais de 2 milhões de cópias vendidas. O sucesso do compacto de The Girl From Ipanema foi tanto que alavancou o disco que acabaria indicado a sete categorias do Grammy em 1965, derrotando, não se assustem, I Wanna Hold Your Hand, dos Beatles, no páreo de Melhor Canção do Ano.
Única canção a ser homenageada no palco do Carnegie Hall com um concerto só para ela, quando completou 25 anos, em 1989, Garota de Ipanema é uma das canções mais executadas do mundo. Só nos EUA são mais de 3 milhões de registros, enquanto que plataformas como o Spotify acusam mais de 46 milhões de acessos. Não é para qualquer uma.
Para o jornalista Ruy Castro, no entanto, a canção representa muito mais do que números, confirmando nas entrelinhas de seu suingue contagiante e malemolente uma longa tradição das mulheres de Ipanema que Helô Pinheiro, ciente disso, nunca foi. Ou seja, as “que, desde os anos 30, haviam lutado pela independência, nas praias, nos bares, nas ruas, conquistando o direito de trabalhar, pensar, namorar e fazer as besteiras que quisessem”.