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Jukebox Sentimental: o demônio dançante Mick Jagger chega aos 75 anos

Conheça o lado cantor e compositor do líder icônico dos Stones a partir de dois clássicos da banda britânica

atualizado

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Frank Hoensch/Redferns
Rolling Stones Perform In Berlin
1 de 1 Rolling Stones Perform In Berlin - Foto: Frank Hoensch/Redferns

O folclore do rock não deixa mentir. Em 1962, apenas três garotos brancos em toda a Inglaterra conheciam música negra: Keith Richards, Brian Jones e Mick Jagger, que na próxima quinta-feira (26/7) completa 75 anos. Ei, mas espera aí, e o velhinho ainda continua rebolando daquele jeito em cima do palco todo endiabrado, como se o demônio, dotado de toda simpatia e muita satisfação, tivesse jogo de cintura? Isso mesmo.

Bem, tudo começou em julho de 1961, numa estação em Dartford, a 25km de Londres, quando o jovem Keith Richards entrou num vagão e não tirou os olhos dos discos de Chuck Berry e Muddy Waters que um branquelo de grandes olhos azuis e lábios proeminentes carregava debaixo dos braços. Eles não sabiam, mas nascia ali, naquele encontro casual entre dois amigos dos tempos de primário que não se viam há uma data, a gênese dos Rolling Stones.

Sorte nossa e deles, que se tornaram a banda com maior tempo de estrada. Do contrário, o adolescente Michael Philip Jagger estaria fadado a passar o resto de sua vida mofando num burocrático escritório de contabilidade, já que não fazia muito tempo ele acabara de se matricular na London School of Economics para estudar, veja só, finanças. Ainda bem que os deuses da música não permitiram essa loucura!

Para celebrar a data, a Jukebox Sentimental destaca o estilo cantor e compositor do artista a partir de dois álbuns icônicos de sua banda, os antológicos The Beggars Banquet (1968) e Some Girls (1978), que este ano completam, respectivamente, 50 e 40 anos.

Com algumas passagens pela polícia, atuações no cinema e quatro discos solos gravados, além de uma penca de filhos com várias mulheres – oito, no total, um deles com a apresentadora Luciana Gimenez –, há quem diga que a grande relação afetiva de Mick em todos esses anos é com o guitarrista Keith Richards, formando os glimmer twins.

“Eles eram a secreta força propulsora dos Rolling Stones”, garantiu, certa vez, a gatinha ciumenta Marianne Faithfull, que foi namorada dos dois e de quem mais pintasse na sua frente naqueles doidos anos 60. Bem, é apenas rock’n’roll, mas a gente gosta!

Jagger num banquete de mendigos (Beggars Banquet)
Há 50 anos, Mick Jagger mal tinha chegado aos 25 e se encontrava no olho do furacão daquele mítico ano de 1968, quando entrou no estúdio com os Stones para gravar o sensacional álbum Beggars Banquet. O cineasta Jean-Luc Godard estava lá e registrou parte do projeto no filme experimental Sympathy For The Devil.

Marcado por sonoridade crua calcada no melhor do country e blues, o disco intensificava com riffs e letras rebeldes polêmicas e acontecimentos políticos sociais que cercavam a banda na época, como assassinatos políticos (Martin Luther King e Robert Kennedy), a explosão do feminismo, a Guerra do Vietnã e, claro, o maio das lutas de rua de Paris com as manifestações estudantis reverberando na oportuna Street Fighting Man.

“Todo lugar eu ouço o som de pés marchando, rapaz / Pois o verão chegou e a hora é essa para lutar nas ruas, rapaz”, canta Mick. “É idiota pensar que se pode começar uma revolução com um disco. Eu gostaria que isso fosse possível”, diria o vocalista, o único dos festivos dândis de Londres, na época, a ousar sair pelas ruas com um esgar de utopia contra o conflito no Vietnã.

Na satânica Sympathy For The Devil – segundo a lenda, escrita por Jagger após experiências num terreiro de candomblé, na Bahia em 1967 –, o narrador macabro e cheio de lascívia é testemunha privilegiada de fatos históricos do passado e do presente. Perspicaz e prático, o vocalista não titubeou em mudar o verso da música quando soube do assassinato de Bob Kennedy: “Eu gritei: quem matou John Kennedy”, para “os Kennedys”.

Em Stray Cat Blues, o blues da estranha gata desgarrada, Jagger parece cinicamente fazer apologia ao sexo com menores sem medo de ser feliz já que, como canta na música, “não tem a menor importância”, “não é pecado capital”. Já a debochada Dear Doctor, que traz um sujeito desesperado e aliviado ao mesmo tempo por ter sido esquecido pela noiva no altar, tinha a ver, segundo Richards, com a turbulenta relação de Jagger com Marianne Faithfull.

Faixa derradeira dessa pérola da discografia dos Stones, Salt of The Earth, meio que assombrada pelo fantasma do cantor folk Woody Guthrie, ídolo de Dylan, surge num misto de culpa e alienação desses então homens chiques e afortunados da elite britânica que surfavam na crista da onda da Swinging London.

Mick e as suas meninas (Some Girls)
Lançado 10 anos após o incomparável Beggars Banquet, no auge da disco music, Some Girls, este ano lançado em edição deluxe com doze faixas extras no Spotify, surgiu num contexto artístico e pessoal diferentes para a banda. De cara, Jagger estava tendo problemas no casamento. Para piorar, Keith Richards prestes a pegar prisão perpétua no Canadá, acusado de tráfico de drogas. Sempre um homem de negócios pragmático, Jagger nem se abalou.

“Todos nós sabemos que Keith pode pegar nada ou prisão perpétua. Se ele pegar perpétua, eu continuo com a banda, mas ficaria muito chateado. Tenho certeza de que Keith não deixaria de compor na prisão, ele não teria outra coisa para fazer”, disse, assumindo as rédeas.

Primeiro disco de estúdio com Ronnie Wood como integrante oficial, o trabalho, segundo Jagger, foi impulsionado pelo clima revigorante de Nova York, com o vocalista, então tocando bastante guitarra base nos estúdios durante as gravações, catapultando como principal força criativa do álbum.

Miss You, a faixa de abertura, dava sinais de que Jagger e cia estavam dispostos a duelar com os Bee Gees e Donna Summers nas paradas, no auge das discotecas, mas, embora muita gente tenha dançado nas pistas embalado pela canção, não foi bem assim. O cantor negou, mas a letra sensual lamentava a falta que ele sentia da mulher Bianca. John Lennon, quando ouviu o início pegajoso da música no rádio do carro, aumentou o volume e começou a vibrar.

Na faixa seguinte, When The Whip Comes Down, Jagger, que nos seus tempos de escola sofria bullying por conta da aparência andrógina, narra a saga de um rapaz na cena gay da Big Apple, submetendo-o à prova de fogo evidenciada no título. Em Some Girls, o cantor expõe seu lado machista e cafajeste elencando as fraquezas materiais e carnais femininas. “Garotas brancas são divertidas / Garotas negras querem ser fodidas a noite inteira”, provoca.

Enquanto Lies homenageia o punk, já nos seus últimos suspiros, Far Away Lies, carregado no sotaque e imaginário californiano, é um country gospel cheio de ironia e humor. O clipe da música é um clássico da banda, com o cantor exibindo seus exuberantes lábios. Não tem como ouvir a música e não se lembrar do bad boy amigo da banda, Gram Parsons, um dos pioneiros do country rock, morto precocemente aos 26 anos, em 1973.

Inquieto, sempre na ativa com sua boca inconfundível que desde 1971 virou a logo da banda – inspirada na deusa hindu Kali –, Mick Jagger pode até ser chamado de dinossauro do rock, como convém o clichê vagabundo, mas dá sinais de que vai parar algum dia. Ao contrário do que diz a canção mais famosa de sua banda, ele tem tesão de sobra para se saciar e satisfazer o seu público por mais 75 anos. “Um dia terei de acertar minhas contas com o diabo. Mas por que não desfrutar do sol de hoje pensando no dia de amanhã?”, ensina.

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