Jukebox Sentimental: Martinho da Vila, o grande bamba da MPB
Aos 80 anos, o músico segue inabalável em sua trajetória talentosa e militante
atualizado
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Quem viu o sambista Martinho da Vila pulando cheio de alegria e energia em cima de um carro alegórico, no Carnaval deste ano, aos 80 anos, nem imagina que o artista foi capaz de firulas mais ousadas. Quer ver? Em 2015, por exemplo, aos 77, trocou os palcos e estúdios para voltar estudar. Isso mesmo, você não leu errado.
Com a pretensão de conquistar um cargo na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), instituição em que é “embaixador da boa vontade”, o sambista não se fez de rogado e voltou à sala de aula, cursando Relações Internacionais numa universidade particular – como se fizesse jus a um grande sucesso da carreira: Pequeno Burguês.
“Eu gosto é de ficar no meio da rapaziada”, brincou durante o programa de Pedro Bial, em outubro do ano passado, explicando, com muito bom humor, a grande diferença de idade entre seus colegas.
https://www.youtube.com/watch?v=EX9bRPcrFzI
Autêntico, Martinho da Vila meio que revolucionou o gênero no final dos anos 1960, quando peitou as guitarras da turma da Jovem Guarda, tornando-se um bamba da cultura brasileira. Um bamba de alma militante.
Nascido no interior do Rio, em Duas Barras, mas criado no Morro da Boca do Mato (bairro Lins Vasconcelos), o sambista cresceu rodeado de sons diferentes. Uma experiência sonora que, aliada à paixão por nomes consagrados do samba, como o mestre Donga, Ary Barroso, Ataulfo Alves e Noel Rosa, ajudou a cimentar o estilo eclético.“Era um morro que tinha todo tipo de imigrante, não era tipicamente carioca, era meio ‘mineirado’, onde a gente encontrava bailes de sanfona, folia de reis, mil folclores”, lembrou o artista numa clássica entrevista dada ao O Pasquim.
De militar a sambista
Com o diploma de químico industrial debaixo do braço, Martinho conseguiu o primeiro emprego, mas abandonou a carreira de servidor público ao entrar para o Exército. Ali, passaria 13 anos e ocuparia o posto de sargento. Um dia, quando disse que iria abandonar a farda para ser sambista, foi alertado por quem entendia de assunto: Elizeth Cardoso.
“Martinho, não faça isso!”, aconselhou a grande dama da música brasileira. “Para ser o Martinho da Vila, eu tive que fazer samba”, lembraria anos mais tarde.
A primeira aparição em público aconteceria no III Festival de MPB da TV Record, em 1967, defendendo Menina Moça. No ano seguinte, embalou o público com a contagiante Casa de Bamba, que já nasceu clássico ao ser gravado em seu primeiro disco de 1969. Este, recheado de pérolas como a já citada O Pequeno Burguês, Prá Que Dinheiro, Brasil Mulato, Quem É do Mar Não Enjoa, Amor Pra Que Nasceu e Tom Maior.
“Boa noite Vila Isabel/Quero brincar o carnaval/Na terra de Noel/Boa noite diretor de bateria/Quero contar com sua marcação”, era assim que o sambista abriria o seu disco de estreia, um grande campeão de vendas na época em que promoveu o retorno do samba às casas de show do Rio de Janeiro.
Aliás, uma das grandes façanhas dessa grande simpatia da MPB foi o fato de ter se tornado um dos maiores vendedores de discos do país, ultrapassando a casa dos milhões de álbuns vendidos.
Entre os clássicos de sua discografia, destacam-se alguns títulos memoráveis, como Canta, Canta Minha Gente (1974), sucesso de venda, Rosa do Povo (1976), uma reverência à obra do mineiro Carlos Drummond de Andrade, e Martinho da Vila Isabel (1984) – homenagem sincera à sua escola do coração.
Paixões profundas
Um homem movido por paixões profundas, Martinho não esconde seu amor incondicional à escola de samba Vila Isabel. Em 1988, no centenário da abolição dos escravos, o sambista estava entre os autores do clássico enredo da agremiação que abiscoitou o título na Sapucaí, naquele ano, Kizomba, a Festa da Raça.
Neste mesmo ano, encabeçando no Brasil protesto em defesa da libertação do líder sul-africano Nelson Mandela, escreveu o samba Meu Homem. Gravado primeiramente por Beth Carvalho, a música traz versos inspiradores.
Amante das palavras e pesquisador dedicado da cultura afro, o artista é um grande difusor da causa negra, defendida em alguns dos mais de dez livros escritos sobre o tema.
Pai de oito filhos, entre eles a cantora Mart’nália, e vascaíno doente, Martinho, um militante do PCdoB, nunca deixou de ser o grande homem do samba. O que só confirma uma máxima de Noel Rosa: “O samba não nasceu no morro, nem na cidade/O samba nasce no coração”.