Jukebox Sentimental: livro resgata bastidores e carreira dos Mutantes
Escrita por Chris Fuscaldo, obra repassa trajetória de um dos nomes mais importantes do tropicalismo
atualizado
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Chris Fuscaldo tinha 19 anos quando um amigo do circuito musical a presenteou no aniversário com a coletânea de um trio formidável da música brasileira que, naquele final dos anos 90, veja só, gozava de leve ostracismo. Tratava-se de um apanhado dos Mutantes assinado pelo músico britânico David Byrne para a coleção World Psychedelic. A jovem, que já era fã de Rita Lee e Roberto Carvalho, foi às alturas.
“Achei curioso o fato de ter sido produzida no exterior. Ouvi aquela coletânea de cabo a rabo, repetidas vezes, até decorar cada uma daquelas letras. E saí correndo atrás dos álbuns dos Mutantes”, revela a jornalista na apresentação de Discobiografia Mutante – Álbuns aue Revolucionaram a Música Brasileira, livro lançado ousadamente de forma independente. “Depende do ponto de vista…”, desconversa, em entrevista ao Metrópoles.
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Lançado justamente quando são comemorados os 50 anos do primeiro álbum da banda, no emblemático ano de 1968, o projeto foi viabilizado a partir de financiamento coletivo e traz texto bilíngue: português e inglês. Isso porque a banda, formada por Rita Lee e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, é reverenciada fora do país, tendo entre os fãs gente como o falecido Kurt Cobain, David Byrne e Sean Lennon, filho de você sabe quem.
“A banda tem um baita prestígio no exterior. Desde que o David Byrne lançou uma coletânea chamada The Best of Mutantes: Everything Is Possible, no fim dos anos 1990, o mundo passou a conhecê-los”, destaca a autora. “Só no primeiro semestre deste ano, os Mutantes (que conta só com o Sérgio da formação original) fizeram mais de 20 shows na Europa, EUA e México”, observa Fuscaldo, desde 2002 trabalhando no projeto.
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Com uma mãozinha do Cazuza
Assim como fez em Discobiografia Legionária, lançado em 2016, no qual conta as histórias por trás de cada álbum da Legião Urbana, o novo projeto apresenta uma radiografia minuciosa e divertida dos discos da banda, um dos principais nomes do movimento tropicalista. Com quase 200 páginas, o projeto não se resume apenas aos 12 álbuns gravados pelo grupo (10 de estúdios, 2 ao vivo), entre eles os cinco primeiros contendo a formação clássica.
Entrevistando personagens que fizeram parte dessa mágica história, entre eles, claro, os próprios Mutantes, além de pesquisa, Chris Fuscaldo – que atualmente trabalha na biografia de Zé Ramalho – traz também os bastidores dos dois primeiros títulos da discografia de Rita Lee, Build Up (1970) e Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida (1972), além de Loki? (1975), o clássico álbum solo de estreia de Arnaldo Baptista – por sinal, uma obra-prima.
As polêmicas por trás das capas dos discos, a irreverência dentro do estúdio, a antológica participação de Jorge Ben na faixa A Minha Menina, de sua autoria, um dos grandes sucessos dos Mutantes, a transformação do som psicodélico dos anos 60 para o estilo progressivo nos anos 70, as tretas com a musa Rita Lee, o dedinho mágico do adolescente Cazuza, que convenceu o pai João Araújo a lançar pela Som Livre o disco Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974)…
Essas são só algumas das preciosidades deste livro que é um verdadeiro presente para os fãs da banda. Uma obra imprescindível na estante de qualquer amante da boa música.
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Leia entrevista com Chris Fuscaldo:
O livro é 100% independente, segundo você, condizente com o espírito da banda. Não seria menos estressante se uma editora abraçasse o projeto? Como foi essa experiência?
Depende do ponto de vista… Lancei o Discobiografia Legionária através de uma editora, mas levei três anos para convencê-la de que com certeza Legião Urbana teria leitores no Brasil todo. Quando convenci, ainda fiquei meses aguardando a edição. Sobre Mutantes, eu decidi em fevereiro que lançaria em agosto, para aproveitar os 50 anos do primeiro álbum da banda e para poder levar o livro comigo para a temporada que vou passar nos Estados Unidos a partir de outubro.
Fiz o livro bilíngue porque os Mutantes têm fãs no mundo inteiro. Acessá-los também foi mais fácil através da campanha de financiamento coletivo, pois pude vender para vários países, coisa que a editora não conseguiria. Nada contra as editoras (pelo contrário, inclusive estou ligada a uma para lançar dois livros ano que vem) e concordo com você que seria mais confortável. Mas, para esse projeto, foi melhor assim.
No final dos anos 90, a banda sofria leve ostracismo. Graças ao David Byrne, ganhou merecido reconhecimento. Por que esse tipo de coisa acontece no Brasil?
Eu acho que a gente tem uma síndrome de vira-lata do cacete. Para os brasileiros, tudo o que vem de fora é melhor. Não à toa, muitas vezes é preciso que algo nosso vá e volte para que a gente dê valor. Deve ser resquício da colonização europeia ou a discrepância social, que inevitavelmente causa uma discrepância cultural. Não sei dizer, mas lamento muito isso. A banda perdeu muito tempo de carinho, amor e mídia do povo brasileiro. E, como podemos ver, ainda hoje ganha mais espaço e dinheiro fora daqui do que dentro. Vai entender…
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Em que pé está a biografia do Zé Ramalho? É verdade que você tá trabalhando num livro sobre o Belchior? O que o diferenciaria do trabalho do Jotabê?
Sigo escrevendo a biografia do Zé Ramalho, que é um livro bem mais complexo e completo do que os dois que produzi anteriormente. Quero contar a história de vida deste artista paraibano em detalhes, sem deixar nada de importante de fora e evitando errar ao máximo. É uma pesquisa mais difícil, mais cara, com distâncias mais longas para percorrer, com entrevistas com personagens mais complexos. Esse livro me toma muito tempo!
Mesmo assim, é um dos projetos que mais me deram prazer na vida, pois amo o universo nordestino no qual a história se inicia e acho extremamente necessário falarmos sobre ele. Por causa dessa paixão pelo Nordeste, iniciei uma pesquisa acadêmica – faço um doutorado – sobre Belchior, que estou no processo de transformar em livro junto a um parceiro. Mas ainda não consigo falar dele. Só que vai ser um complemento ao ótimo trabalho do Jotabê Medeiros.
Discobiografia Mutante: Álbuns Que Revolucionaram a Música Brasileira
De Chris Fuscaldo. Independente, 244 páginas, R$ 80, com frete através do PagSeguro, no site da autora, ou R$ 100 nas lojas Baratos Afins, Die Hard e Locomotivas, em SP, e Sebo Baratos, no Rio