Jukebox Sentimental: livro conta estilo criativo de Milton Nascimento
Obra homenageia cantor mineiro evidenciando seu trabalho como letrista
atualizado
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Um dia, de bobeira num quarto de hotel próximo ao Central Park, em 1986, após estafante turnê de quatro meses pela Ásia, Europa e América, o cantor e compositor Milton Nascimento deu-se ao luxo de passar uma tarde inteira diante da TV. Foi quando ficou hipnotizado pela imagem de um jovem no filme A Costa do Mosquito, de Peter Weir. Era o ator River Phoenix, então com 16 anos.
“(…) Até então eu nunca tinha ouvido falar dele. Fiquei tão impressionado que decidi escrever uma carta para ele. Foi quando surgiu uma música pronta em minha cabeça”, lembraria anos depois o artista mineiro, referindo-se à canção River Phoenix (carta a um jovem ator), gravada no disco Miltons (1988).
Tempos depois, quando foi pedir autorização à mãe de River, a coroa subindo nas tamancas. “Como assim? Colocar o nome do menino na música de alguém que eu nem conheço!”, respondeu brava. Foi quando a irmã mais nova do jovem, Rain, ouvindo a conversa, interveio, dizendo que ela e o irmão gostavam muito “daquele cantor brasileiro”. Deu certo.
“E olha só como são as coisas… Numa das primeiras vezes em que nos encontramos, River me disse que um dia estava no mesmo hotel onde eu assistira The Mosquito Coast, quando ouviu uma música minha no rádio”, conta o cantor, em depoimento para o livro Milton Nascimento – Letras, Histórias e Canções, da Editora Master Books, que reúne detalhes curiosos e maravilhosos por trás dos grandes sucessos do mineiro.
“A ideia foi mostrar o Milton poeta”, destaca o autor Danilo Nuha, ao Metrópoles.
Bronca baiana
O projeto nasceu depois de uma bronca do amigo Gilberto Gil. “Milton, preste atenção nas letras que você escreve. Não sei como você pode dar tantas músicas para outros letristas, sendo que você é um dos que escreve mais bonito”, teria dito o baiano, certa vez. “Ouvi o Gil falando para o Milton que o melhor letrista dele era ele mesmo”, recorda o autor.
A ideia inicial era juntar letras, documentos pessoais, cartas, postais e fotos tiradas desde a infância do artista até os dias atuais. Mas o problema com os créditos de boa parte das fotografias se mostrou um problema. Também por conta de entraves burocráticos, algumas letras emblemáticas ficaram de fora, como a que o músico escreveu para a música do grupo britânico Duran Duran, Breath After Breath, do The Wedding Album (1993).
“Por conta da falta de identificação dos créditos das imagens, a editora precisou suprimir parte das fotos que compunha o projeto original, e um material magnífico ficará inédito em livro”, lamenta Nuha, que conheceu Milton num golpe de atrevimento, em 2007, em Tóquio. “Eu era jornalista do Internacional Press (IPC) e cobria todo tipo de matéria voltada para a comunidade brasileira no Japão”, lembra o jornalista, hoje assessor de imprensa do artista.
Mesmo assim, a obra é de uma beleza gráfica incrível, com recheio que evidencia para fãs de Milton e do cancioneiro brasileiro, a força de sua poesia escrita. Ao todo, 58 letras de canções aparecem no livro com comentários do compositor dado ao autor ou pinçados de depoimentos à imprensa. Alguns parceiros que colaboraram musicalmente com o artista como Zé Renato (Boca Livre), Tunai, entre tantos outros, também foram ouvidos.
Assim, é possível saber, por exemplo, que um dos maiores sucesso do cantor, “Coração de Estudante”, música tema das Diretas Já, nasceu primeiro como trilha de documentário de Silvio Tendler sobre o ex-presidente Jango, e que a faixa “Olha”, gravada em 1981, para o disco “Anima”, foi um desabafo indignado do cantor contra a revista Veja.
“A Veja tinha – e ainda tem até hoje – uma visão que é exatamente oposto a tudo que realmente acontece no Brasil e no mundo”, lamentou, no primeiro depoimento ao autor em 2007, Tóquio.
Milton Nascimento – Letras, Histórias e Canções
Danilo Nuha. Editora Master Books. R$ 69,90, 168 páginas