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Jukebox Sentimental: Jards Macalé está de volta e prepara disco novo

Após 20 anos de hiato, o artista reacende carreira marcada por ousadia e vanguardismo

atualizado

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Jards Macalé hoje
1 de 1 Jards Macalé hoje - Foto: Divulgação

Talvez ele seja o mais “marginal” de todos os marginais da MPB e está de volta após hiato de 20 anos. Prestes ao completar 76, em março, Jards Macalé prepara disco de inéditas, ainda sem título, para o início de 2019. É o primeiro álbum desde O Q Faço É Música (1998). A novidade chega numa boa hora, justamente quando se faz 50 anos da mítica aparição do artista na 4ª Edição do Festival Internacional da Canção (FIC). Foi um deus nos acuda…

Naquele ano, Macalé, sob uma vaia monumental, do início ao fim, defendeu a sarcástica Gotham City, que tinha muito mais a ver com a ditadura do que com a sombria e nebulosa metrópole do morcego mais famoso do planeta. Se os milicos nada entenderam, era mais uma prova de que o país estava sendo governado por patuscos ululantes. Trajando um longo camisolão hippie e agressivo, o cantor gritava:

“Meu amor não dorme/ Meu amor não sonha/ Não se fala mais de amor em Gotham City/ Só serei livre se saí de Gotham City/ Agora vivo o que vivo em Gotham City/ Mas vou fugir com o meu amor de Gotham City/ A saída é a porta principal”, dizia a letra escrita pelo parceiro Capinam. “Fomos lá para despertar a reação das pessoas. Era um festival ‘nhém nhém nhém’. Dormimos anônimos, acordamos famosos”, avaliaria anos depois, tirando sarro.

Nova era?
Trevas, a primeira música do novo álbum de Macalé, assim como Gotham City, lançada há cinco décadas, traz um olhar de alerta e pessimismo sobre a nova era que brilha num horizonte incerto, nebuloso e escuro. Uma era em na qual se defende que “menino deve vestir azul, e menina, rosa” e autoridades debilóides retrógradas parecem ter emergido das profundezas da Idade Média.

“Trevas é sobre o Brasil do futuro, um momento de obscuridade. Chegamos ao poço mais fundo, chegamos ao limite, ao Brasil de 2019”, avisa o artista no material de divulgação para imprensa. “Chegamos ao limite da água mais funda”, diz trecho da letra que é uma adaptação livre do poema Canto I, do modernista norte-americano Ezra Pound. No disco, Macalé cantou parte da faixa com a fuça metido dentro de uma bacia d’água. Típico do artista…

Nascido na Tijuca, numa família amante da música, Jards Anet da Silva, o Jards Macalé, poderia ser confundido fácil pelas ruas da cidade com o humorista Paulo Silvino. Violonista de primeira ordem, ele aprendeu a tocar o instrumento com certa anarquia sensorial e espírito acidental, bicando ali e aqui, com mestres como Jodacil Damasceno, Baden Powell e… João Gilberto, com quem teve “aulas surrealistas” de violão.

“Ele pegava um acorde clássico de violão e ficava tocando horas… Acho que aprendi alguma coisa”, brinca o artista, cujo sobrenome faz referência a um jogador perna de pau do Botafogo.

Em 1964, aos 23 anos, um prêmio. Sua canção Meu Mundo É Seu – escrita em parceria com Roberto Nascimento –, foi gravada por Elizeth Cardoso. No ano seguinte, entrou por acaso no show Opinião, quando Nara Leão substituiu Maria Bethânia, e ele, Jards, ficou no lugar do amigo e parceiro Roberto Nascimento. Resultado. Em pouco tempo, não só Bethânia, mas outros baianos e forasteiros passaram a morar em sua casa.

“A Tropicália meio que nasceu no quartinho dos fundos da minha casa”, entrega.

Maldito uma ova…
Foi por essa época que conheceu o poeta baiano Wally Salomão, com quem escreveu os maiores sucessos de sua carreira, como Revendo Amigos, Mal Secreto e Vapor Barato, imortalizado na voz de Gal Costa e revistado por artistas como Zeca Baleiro e O Rappa.

Antes disso, em 1970, com a participação de Naná Vasconcelos, Zé Rodrix e a banda Soma, gravaria seu primeiro disco pela RGE: o EP Só Morto. Encantado com o violão de Macao e com a tumultuada participação do artista no FIC 69 ainda fresca na memória, Caetano Veloso, então exilado em Londres, convida o músico para o grupo do disco Transa. Por conta dos créditos, os dois brigaram.

“Eu briguei formalmente por causa do crédito e aí começou o pau”, lembra o artista em entrevista à revista Rolling Stone em 2013, reverberando outras tretas entre os dois ícones da MPB ao longo dos tempos.

Foi mais ou menos com a gravação do primeiro álbum em 1972, Jards Macalé, que o rótulo de “maldito” começou a pairar sobre sua figura. Tudo por conta de uma trôpega jogada de marketing das gravadoras que não sabiam como vender aqueles artistas “esquisitos” e vanguardistas.

“Eu me senti honrado. Maldito feito Baudelaire, Rimbaud, até que descobri que maldito era quem estava à margem”, recordaria no programa Roquenrou, do Canal Brasil. “O Macalé não é um maldito. O Macalé é um luxo, é um semideus, um artista de uma grandeza da Maria Callas, de um Oscar Niemeyer”, defende o dramaturgo Zé Celso.

Entre 1973 e 1978, vários acontecimentos marcantes. Um deles, a idealização e realização do polêmico show O Banquete de Mendigo em que, junto com uma turma da pesada – Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Jorge Mautner, Dominguinhos, Gal, Paulinho da Viola e… Raul Seixas –, tinha a pretensão de celebrar os 25 anos da Declaração dos Direitos Humanos em pleno governo Médici. Resumo da ópera: a obra ao vivo foi vetada e só liberada em 1979.

Por essa época, resolve bancar o ator e protagoniza o filme O Amuleto de Ogum, de Nelson Pereira dos Santos, numa parceria definida pelo cineasta como um “encontro natural entre marginas”. Macalé assinaria também a trilha sonora do longa, algo que já havia feito em aventuras cinematográficas como Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, e Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), do amigo Glauber Rocha.

Artista incompreendido que, por opção ou preguiça mesmo, como gosta de dizer, fez questão de remar contra a maré do sistema e não fazer concessões, Macalé manteve sua carreira à margem de tudo com dignidade, mesmo nos momentos mais difíceis. Desde o início incorporou e agregou várias expressões musicais, do erudito ao popular, a sua música.

Ou seja, tudo isso com a melhor máscara que sempre coube, a de um eterno “maldito” bendito da nossa música.

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