Jukebox Sentimental: Dolores fez do Cranberries uma referência
O destino da banda irlandesa mudou completamente após a chegada da cantora, que morreu na segunda-feira (15/1)
atualizado
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Na última segunda-feira (15/1), quando as primeiras notícias sobre a morte da cantora irlandesa Dolores O’Riordan, aos 46 anos, pipocaram pelas redes sociais, fãs do mundo todo deixaram calar no peito uma dura certeza: a de que o pop-rock atual perdia uma das suas figuras mais singulares. Voz, cuja originalidade, deu identidade ao som do grupo The Cranberries, referência nos anos 1990 com sucessos como: “Linger”, “Dreams” e “Zombie”.
Se alguém ainda tem dúvida sobre isso, basta registrar que as doces e sofisticadas canções pop do quarteto têm embalado a vida de muita gente por aí, diluídas em trilhas sonoras de filmes e séries, incluindo o mega hit “Linger” – tema do affair entre Miguel Falabella e Thaís de Campos na novela “A Viagem” (1994). Lembra?“Eu jurei que seria sincera/E querido você também jurou/Então porque você estava segurando a mão dela/É assim que estamos agora?/Você estava mentindo o tempo todo?/Foi só um jogo para você?”, cantava uma deslumbrante Dolores, com belos cílios à mostra e voz de anjo.
Outro sucesso planetário, “Zombie” foi um grito de revolta contra a rixa infantil de décadas entre irlandeses e ingleses. A motivação para a letra raivosa, escrita por Dolores, foi um atentado ocorrido em março de 1993. Na ocasião, duas bombas colocadas numa lixeira em área comercial da cidade de Warrington, na Inglaterra, pelo grupo armado Exército Republicando Irlandês (Ira), matou duas crianças.
“Foi a canção mais agressiva que escrevemos”, confessaria Dolores. “Ler a letra escrita por uma banda irlandesa de maneira tão convincente foi algo muito, muito intenso”, declarou Colin Parry, pai das duas crianças mortas no atentado.
No clipe dirigido pelo nova-iorquino Samuel Bayer – o mesmo de “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana –, uma saraivada de provocações. Imagens de crianças brincando de guerra com cenas de soldados patrulhando ruas, enquanto a cantora, numa versão egípcia de Joana D’Arc, entoa os versos cercada de anjos dourados ao pé de um crucifixo.
As dores de Dolores
Mas por trás de toda tinta dourada e da imponente montanha de sucesso, sempre se esconde um sombrio pântano de angustia e pressões advindas com a fama e os excessos. E, mesmo com os 26 milhões de discos vendidos até o terceiro álbum, foi difícil Dolores segurar a barra. No auge da carreira, a depressão atrapalhou a trajetória do grupo.
Criada no colégio, sem pretensões, pelos irmãos Noel (guitarras) e Mike Hogan (baixo), na pequena Limerick, Irlanda, no final dos anos 1980, os Cranberries originalmente era um trio chamado The Cranberry Saw Us. Com a entrada de Dolores O’Riordan, após passar no teste escrevendo a letra de “Linger”, o grupo muda o nome, chamando atenção do público e especialistas locais com uma fita demo caseira.
Após o estouro internacional com os dois primeiros álbuns, “Everybody Else Is Doing It, So Why Can´t We” (1993) e “No Need To Argue” (1994), vieram os problemas de natureza profissional e pessoal. A mais prejudicada com a pressão do mundo da música seria a vocalista e não demoraria muito para fãs e jornalistas ficarem a par das dores de Dolores.
“Eles também estavam infelizes, mas passaram despercebidos porque não são tão famosos quanto eu”, disparou a cantora, sem falsa modéstia, em entrevista à revista Bizz. “Algumas pessoas conseguem lidar com depressão, eu não. A fama acabou nos pressionando. Todo mundo na indústria musical só queria saber de dinheiro. Eu estava com raiva…”, desabafou.
Na época, magra, infeliz, atormentada por insônia e ataques de pânico, a cantora pediu arrego entre as turnês e lançamento dos álbuns “To The Faithful Departed” (1996) e “Bury The Hatchet” (1999).
Turbulência pessoal
Aos poucos, com o tempo, a voz à frente dos Cranberries iria externando por meio de entrevistas e canções os fantasmas e demônios de sua vida. Após pausa para a maternidade no final dos anos 1990, retornou em carreira solo nos discos “Are You Listeng?” (2007) e “No Baggage” (2009).
Em 2011, teve que lidar com a perda do pai, vítima do câncer. No ano de 2013, durante entrevista à revista “Life”, Dolores, reconhecida como a maior cantora da história da Irlanda, mencionou traumas de abusos sexuais sofrido na infância.
No ano seguinte, em 2014, foi parar na delegacia após se envolver num incidente durante um voo entre os EUA e a Irlanda, quando agrediu uma aeromoça. Diagnosticada com transtorno bipolar, a artista foi obrigada a pagar cerca de R$ 23 mil a uma organização de caridade.