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Jukebox Sentimental: Cat Stevens completa 70 anos em shows pelo mundo

O bardo inglês não foge de polêmicas e segue o islã como religião

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Dave Simpson/WireImage
Yusuf / Cat Stevens 50th Anniversary Tour – Auckland Sound Check
1 de 1 Yusuf / Cat Stevens 50th Anniversary Tour – Auckland Sound Check - Foto: Dave Simpson/WireImage

A cena é de um humor excruciante. Um jovem bem-vestido abre a porta do quarto e desce lentamente a escada. Tira um disco da estante e o coloca na vitrola. A agulha desliza lentamente pelo sulco do vinil e, ao som de uma balada triste, o rapaz de semblante melancólico rascunha um bilhete, acende uma vela, mira lentamente para uma harpa no canto da luxuosa sala, sobe numa banqueta e pula, enquanto Cat Stevens canta, em Don’t Be Shy:

“Não seja tímido/ Apenas deixe seus sentimentos rolarem/ (…) Levante a cabeça/ E deixe seus sentimentos fluírem”, entoa o bardo inglês, que no próximo sábado (21/7) completa 70 anos.

Um dos nomes do novo cinema independente americano, Hal Ashby, dono de ouvido formidável, acertou em cheio ao escolher não apenas a faixa de abertura de Harold and Movie (1971), mas recheando toda a trama com as baladas do menestrel inglês. Ídolo pop na crista da onda, as canções melódicas e sentimentais do artista captaram, na essência, o clima dessa união cheia de esperança, amizade e boa dose anárquica de desobediência civil.

Há momentos de beleza audiovisual lírica, como a cena do balé dos faróis de carros num dia cinza de chuva, num cemitério, ao som da pungente Miles from Nowhere, ou do afeto de Harold e Maude diante de crepúsculo ofuscante, embalados pela otimista If You Want to Sing Out, Sing Out. “Para mim serão sempre pássaros gloriosos”, diz ela, citando o prisioneiro francês Dreyfus, ao ver uma gaivota da Ilha do Diabo, famosa prisão da Guiana Francesa.

Trailer do filme Harold and Maude (1971), recheado de canções de Cat Stevens:

Um inglês perdido no Rio
Nascido em Londres, em 1948, Steven Demetre Georgiou exibia traços genuínos que evidenciavam as origens grego-cipriotas do pai e a beleza nórdica da mãe. A carreira de Cat Stevens como artista teve início nos anos 1960, tocando em bares londrinos até ser descoberto pela gravadora independente Deram. Os primeiros sucessos vieram em 1967, com os discos Matthew & Son e New Masters.

Clipe da faixa Father and Son:

Seguindo a tendência da efervescente cena musical da época, emplacou sucessos como I Love My Dog, Here Comes My Baby, Portobello Road e o hit The First Cut Is the Deepest – uma de suas melhores canções, regravada em 1967 por P. P. Arnold e, 10 anos depois, por Rod Stewart. Nessa fase abria shows do amigo Jimi Hendrix até sucumbir a uma tuberculose que o afastou dos palcos por dois anos.

Quando voltou à baila, em 1970, o cenário musical estava tomado por bandas com nomes esquisitos e sonoridade que flertava com o jazz e música clássica. Remando na contracorrente do rock progressivo, Cat Stevens adotaria postura intimista e introspectiva, gravando três discos históricos que marcariam sua trajetória: Mona Bone Jakon (1970), Tea for the Tillerman (1970) e Teaser and the Firecat (1971).

Com capas singelas desenhadas pelo próprio cantor, os três registros – lançados pelo selo Island, de Chris Blackwell –, transformaram-no em estrela internacional do dia para noite. Esboçando um lado de compositor mais reflexivo, Cat Stevens, ancorado pela delicadeza e charme suave de suas canções melódicas e letras sensíveis, mostrava-se em total sintonia com temas da época, como espiritualidade, conflitos geracionais e as contradições da guerra.

O estilo pessoal de Stevens, na linha James Taylor, Paul Simon e Carole King, pejorativamente rotulado pela crítica como bittersweet (agridoce), rendeu a ele sucessos mundiais duradouros, como Lady D’Arbanville, Where Do the Children Play?, Wild World, Father and Son, Morning Has Broken, Moonshadow e Peace Train – esta última, uma reação pacifista aos horrores do conflito no Vietnã.

Cat Stevens cantando Peace Train na antológica turnê de 1976, Majikat:

Nos anos seguintes, seus discos ficariam enigmáticos e herméticos ao se envolver com temas esotéricos, flertando com a cultura e as religiões orientais – que o levaram a uma rápida conversão ao budismo, em 1974, e, definitivamente, ao islã, em 1977. Antes de adotar o nome Yusuf Islam, abraçar as causas humanitárias e se afastar da música por quase 30 anos, o artista passaria uma boa temporada de introspecção no Rio de Janeiro.

“Eu me apaixonei pelo Brasil. De todos os países em que eu queria viver, era aí que havia a música, o clima e a natureza dos quais eu queria estar próximo”, lembrou em entrevista à imprensa brasileira em 2013, durante sua primeira apresentação oficial no país. “Era como um lar para mim, podia andar livre pelas ruas, na companhia de alguém, se quisesse, mas sem ser reconhecido”, recordou.

De 1974 a 1982, fugindo do fisco britânico, o artista viria várias vezes, em momentos diferentes, à Cidade Maravilhosa, onde aprendeu a apreciar o açúcar e o café local, andar sozinho pelas praias, desfrutando de companhia de artistas como Naná Vasconcelos – quem sugeriu que o inglês viesse passar uma temporada por aqui – e a atriz ítalo-brasileira Florinda Bolkan, além de Gilberto Gil, Milton Nascimento e o percussionista Chico Batera.

Segundo reza a lenda, no apartamento que Stevens comprou na Fonte da Saudade, com bela vista da Lagoa e do Corcovado, foram rodadas as cenas do filme Eu Te Amo (1980), de Arnaldo Jabor, e ele adorava fazer shows de graça pelos barzinhos da cidade.

Idolatrado por famosos como Jimmy Cliff, a banda Mr. Big e Eddie Vedder, do Pearl Jam, o setentão Stevens, após se envolver em polêmicas – como a defesa da pena de morte ao escritor britânico Salman Rushdie, pelo livro Os Versos Satânicos (1989), e ser proibido de entrar nos EUA, em 2004, encarado como ameaça terrorista por causa de seu envolvimento com o islã –, segue sereno e em paz, fazendo shows mundo afora e em nossos corações.

Cat Stevens e Eddie Vedder cantando juntos Father and Son no Global Citizen Festival, em Nova York, no ano de 2016:

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