Jukebox Sentimental: “Cabeça de Dinossauro” marca história do rock
A álbum do Titãs é umas mais importantes da música nacional
atualizado
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Uma pena que foi por curta temporada, mas o documentário cênico, “Cabeça”, montagem do coletivo carioca Complexo Duplo, encenada no final de dezembro no palco do CCBB, homenageou um dos discos mais emblemáticos do rock nacional: o vibrante “Cabeça Dinossauro”, dos Titãs. A peça deixou um clima de nostalgia e euforia no pública.
“É sem dúvida um dos discos mais importantes do rock nacional, e não só dele, o álbum figura em todas as listas de CDs mais importantes da música brasileira”, atesta o diretor da peça, Felipe Vidal, que contou com o aval dos integrantes da banda. “O Tony Bellotto e o Charles Gavin foram assistir e ficaram muito emocionados. Embora a peça não fale diretamente dos Titãs e sim de uma geração, a partir das canções da banda, eles se sentiram muito representados”, revela Vidal.
O discurso entre uma faixa e outra era claro, o descontentamento com o sistema, a falência das instituições brasileiras, ou seja, o Estado, a Igreja, o capital, a família, a polícia. Qualquer semelhança com os dias atuais é mera infelicidade. “Foi o disco em que a gente mais se preocupou em ter uma unidade de conceito, em falar das instituições”, explicou anos mais tarde, Arnaldo Antunes, um dos oito integrantes da banda na época.
Prisão
A fagulha incendiária colocaria fogo nesse caldeirão de inconformidade foi a prisão, por porte de heroína, em novembro de 1985, de Tony Belloto e Arnaldo Antunes. O guitarrista se safou das grades depois de confessar ter recebido o papelote do vocalista, que amargou 26 dias na cadeia sob a acusação de tráfico de drogas. O episódio dividiu a trajetória do grupo. Afinal, um tinha delatado o outro.
“Estado Violência/Deixe-me querer/Estado Violência/Deixe-me pensar/Estado Violência/Deixe-me sentir/Estado Violência/Deixa-me em paz”, foi um dos primeiros gritos de desabafo após a prisão, escrito pelo baterista Charles Gavin, em sua estreia como compositor.
Tony Belloto respondeu à altura com a raivosa, “Polícia”, que quase não entrou no disco por ter sido composta por um só integrante da banda, um sacrilégio dentro da anárquica democracia dos Titãs. Um dos maiores sucesso de “Cabeça Dinossauro”, a faixa era declaradamente inspirada em “Police and Thieves”, sucesso dos jamaicanos Lee Perry e Junior Murvin, gravado mais tarde pelo Clash.
“Dizem que ela existe pra ajudar/Dizem que ela existe pra proteger/Eu sei que ela pode te parar/Eu sei que ela pode te prender/Polícia pra quem precisa/Polícia pra quem precisa de polícia”, ironiza a letra.
Legado
Com mais de 700 mil cópias vendidas, “Cabeça Dinossauro” transformou os Titãs em banda de rock. Contudo, mesmo com o êxtase da fúria, não era unanimidade entre os Titãs, sobretudo porque o último trabalho da banda, “Televisão” (1985), então produzido por Lulu Santos, não tinha sido bem recebido pela gravadora e crítica. O próprio guitarrista Tony Belloto, descrente, apostou uma garrafa de Jack Daniel’s com o vocalista Branco Mello que o disco não chegaria a 100 mil cópias. Perdeu.
Frequentemente listado entre os dez maiores álbuns do rock nacional, o disco ganhou edição comemorativa em 1992, nos 30 anos de trajetória dos Titãs. A produção captou em som e fúria, a distopia de um Brasil aprendendo a engatinhar sem as garras da ditadura. O clima era de desilusão, a reboque de uma política econômica desastrada que refletia no cenário político e social. Para o dramaturgo Felipe Vidal, há similaridade entre o ontem e o hoje.
“Em 1986 vivíamos um momento de incerteza, depois de 21 anos de ditadura civil-militar, finalmente foi eleito um presidente civil, mas que morreu sem assumir (Tancredo Neves). Era um momento de esperança transformado em incerteza depois da posse de um vice-presidente do PMDB (José Sarney)”, lembra Felipe. “Agora vivemos também um cenário de incerteza depois de um vice-presidente do PMDB assumir a partir de um golpe institucional e tentar impor uma agenda impopular”, lamenta.
Nos bastidores do “Cabeça Dinossauro”
Capa
Então estudante de belas artes, Sérgio Britto começou a elaborar uma capa baseada nos esboços de duas obras de Leonardo Da Vinci: “A expressão de Um Homem Urrando” (a capa) e “Cabeça Grotesca” (contracapa). Mostrou o projeto aos diretores da gravadora. O todo-poderoso presidente da WEA, o franco-árabe, André Midani, gostou e deu o aval: “Vai ficar bonito”. As reproduções da imagem no disco vieram diretamente do Louvre.
Roberto Carlos x Godard = Titãs
Até então sem nenhuma música no disco, Nando Reis precisou levar uma prensa do guitarrista Marcelo Fromer, para emplacar uma faixa no disco. O resultado foi “Família” e “Igreja”, compostas num violão de nylon na casa dos pais no Butantã. A inspiração veio de uma declaração de Roberto Carlos a favor da censura sofrida pelo filme “Je Vous Salue Marie”, de Godard. A canção dividiu o grupo. Parte encarnou a ironia com salvas, mas Paulo Miklos e, veja, só, Arnaldo Antunes, viam a letra com receio.
Lobo que uiva não morde
Com produção de Liminha e Pena Schmidt, “Cabeça Dinossauro” demorou a fazer sucesso, mas quando deslanchou foi a glória dos oitos Titãs. Um dos primeiros amigos a ouvir a obra foi o polêmico roqueiro Lobão, que descascou o trabalho dos amigos paulista: “Vocês estão loucos de fazer isso. É uma merda, cara! Ninguém vai entender nada”, bradou Lobão.