Jukebox Sentimental: Brian Wilson era o gênio por trás dos Beach Boys
Lançada no Brasil, a autobiografia do cantor mostra o lado pessoal desse ícone do pop
atualizado
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Durante a gravação de Pet Sounds, a obra-prima dos Beach Boys lançada em 1966, Brian Wilson, o gênio criativo por trás da banda californiana, era movido por convicção inabalável: a criação de um disco espiritual. Tanto que, quando estava compondo as canções do álbum no estúdio, visualizava celestiais halos dourados em voltas das cabeças dos músicos.
“Disse a mim mesmo que havia completado o maior álbum que iria produzir na minha vida”, registrou o músico em autobiografia lançada recentemente no Brasil. É verdade.
Tido como um dos melhores registros de todos os tempos por muitos especialistas – às vezes superando o fenomenal Sgt. Peppers dos Beatles em listas do gênero –, Pet Sounds é uma epifania sonora de vozes e peças pop da melhor qualidade. God Only Knows, a faixa mais celebrada desse precioso relicário sonoro é, segundo Paul McCartney, uma das melhores canções de todos os tempos. Precisa dizer mais alguma coisa?
“É uma das quais sinto mais orgulho, porque há uma mensagem de verdade ali”, lambe a cria Wilson, hoje com 76 anos e em plena atividade.
Publicado no Brasil pela editora Novo Século, dois anos depois do lançamento original nos Estados Unidos, Eu Sou Brian Wilson, escrito por Brian a quatro mãos com Ben Greenman, é um deleite da primeira a última página. Chama atenção a sinceridade do ex-Beach Boys que fala com a franqueza típica de um astro.
“A minha carreira, várias vezes, levava uma surra. Meu corpo levava uma surra. Meu cérebro, às vezes, levava uma surra. Mas eu tentava manter meu espírito forte. Eu era um sobrevivente”, confessaria, após refletir sobre sua turbulenta trajetória.
Deus do pop
Membro fundador dos Beach Boys – junto com os irmãos Carl e Dennis Wilson, além do primo Mike Love –, Brian teve uma vida marcada por vitórias e sucessos. Mas também por percalços pessoais bizarros. No auge da carreira, em 1964, quando era coautor de grandes hits jovens que sintetizavam o american way of life no trinômio, carros, meninas e praia, teve um colapso nervoso num voo rumo a Houston.
Diagnosticado como esquizofrênico, abandonou as turnês com o resto da banda e se enfurnou nos estúdios. Foi quando começou a ouvir vozes pelo inconsciente e mergulhar fundo nas drogas e bebidas, que só agravaria ainda mais seu problema mental. Para sair desse pântano de decadência, mergulharia num outro fosso de caos ao se associar ao psicólogo e psicoterapeuta charlatão, Eugene Landy, que tornaria sua vida um inferno por nove anos.
“A partida de Dr. Landy era a minha liberdade”, não esconde, num misto de rancor e felicidade, nas páginas de sua autobiografia.
Mas nem tudo é pesadelo nessa viagem ao mais íntimo do ser de um dos grandes nomes da música pop do século 20. Ao longo de 10 capítulos sensoriais, temáticos e proustianos, todos os demônios de Brian Wilson são exorcizados. As boas recordações ganham toques épicos. Interessante a forma bem pessoal como o artista decodifica suas memórias preciosas.
É gostoso de ler, como um sundae de baunilha com caramelo, Brian falar de suas influências. Entre elas, o trabalho do produtor Phil Spector. “Be My Baby”, na voz das Ronettes, é uma paixão. Os vocais mágicos dos Kingsmen, responsável pela gênese dos Beach Boys, também, assim com a sensualidade de Rosemary Clooney em “Tenderly”. “Essa foi a música que me ensinou a cantar”, escreve ele, referindo-se ao sucesso na voz da mãe do ator George Clooney.
Os detalhes por trás dos grandes sucessos do Beach Boys é outro atrativo a parte do livro. “Please Let Me Wonder”, de 1965, foi a primeira escrita sob efeito de maconha. “Good Vibrations”, uma das faixas símbolos da banda de autoria de Brian Wilson com o primo Mike Love que se tornaria sucesso interplanetário, foi escrita sob efeito da experiência com a meditação transcendental aprendida com o guru dos Beatles, Maharishi Mahesh.
Pena que um trabalho tão relevante e importante sobre esse grande nome da música contemporânea seja completamente destituído de registros iconográficos. Mas, em se tratando da personalidade introspectiva de Brian Wilson, eis um detalhe irrelevante. É como se ele, nesses tempos de banal exposição gratuita, deixasse subentendido nas entrelinhas que o importante em sua monumental obra não é o visual, mas o conteúdo.