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Freddie Mercury: vida e carreira de uma das grandes estrelas do rock

Na noite de domingo, serão conhecidos os vencedores da maior premiação do cinema mundial. A grande expectativa é se Bohemian Rhapsody repetirá o desempenho no Globo de Ouro e abocanhará duas das principais estatuetas do Oscar: de melhor filme e de melhor ator. A história de Freddie Mercury e da banda Queen arrastou multidões às […]

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Na noite de domingo, serão conhecidos os vencedores da maior premiação do cinema mundial. A grande expectativa é se Bohemian Rhapsody repetirá o desempenho no Globo de Ouro e abocanhará duas das principais estatuetas do Oscar: de melhor filme e de melhor ator. A história de Freddie Mercury e da banda Queen arrastou multidões às salas de cinema do mundo todo, arrecadou mais de US$ 800 milhões e injetou mais de 100 milhões de euros nas contas dos integrantes remanescentes do Queen e de Mary Austin, ex-namorada do astro do rock que morreu em 1991 por complicações da Aids. O filme concorre, ainda, em mais duas categorias: Edição e Edição de Som.

Para além do superastro do rock mundial da banda que mais vendeu discos no mundo, Freddie Mercury é resultado de uma obstinação impressionante em buscar o que sempre projetou para si desde adolescente: ser o melhor. De voz inigualável e de composições épicas, responsável por ter levado o Queen ao topo, ele teve que insistir muito para fazer parte da banda do baterista Roger Taylor e do guitarrista Brian May.

Com a homossexualidade gritando desde adolescente, sem nunca ter a assumido publicamente, Freddie conseguiu perpetuar uma imagem dúbia da sua sexualidade até hoje, 27 anos após sua morte. Diz-se, frequentemente, que o amor da sua vida foi uma mulher e que ele era bissexual. Na realidade, Mary Austin, com quem morou por seis anos, foi uma grande amiga que ele amou profundamente. Dois anos antes de terminar o relacionamento, o astro já estava namorando sério um homem.

Já no topo do sucesso, a vida privada do vocalista foi marcada por noites de excessos, servidas a drogas e relações promíscuas com homens jovens e pobres, no mesmo ritmo em que produzia hits que bombavam nos quatro cantos do mundo. Viveu mil anos em 10, até que descobriu estar com Aids.

O título deste texto, obviamente, é uma referência irônica à biografia escrita pela jornalista britânica Lesley-Ann Jones: Freddie Mercury – a biografia definitiva, publicada pela primeira vez em 1997, seis anos após a morte do músico, e revisada em 2010, quando seria lançado o filme sobre a vida dele – o que só aconteceu em 2018.

Desnecessário dizer que qualquer coisa sobre Freddie Mercury dificilmente é definitiva. Muito tímido e introspectivo quando se tratava de sua vida íntima e de seus sentimentos, não deixou autobiografia e nem relatos autorais do que viveu. Estão na memória de quem conviveu com ele, de entrevistas da época e de documentários após a sua morte. Busca-se, agora, juntar algumas peças do quebra-cabeças de sua vida a partir da coletânea de informações já publicadas e disponíveis em biografias, entrevistas, reportagens e documentários.

Banda não aceitou Freddie de imediato

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A despeito do guitarrista Brian May e do baterista Roger Taylor terem aguçado tino comercial para exploração da marca Queen até hoje, a alma da banda era, e continua sendo, Freddie Mercury. O quarto integrante era o baixista John Deacon, último a integrar o quarteto, sempre muito discreto, inclusive no palco, e que resolveu sair de cena definitivamente em 1997. Com Roger e Brian ativos até hoje à frente da marca e da empresa Queen, os dois são sempre muito elogiados e poupados nas biografias e documentários, até por que estão sempre entre as principais fontes dessas informações sobre a banda e Freddie.

No entanto, enquanto esteve vivo, era Freddie no centro e os demais gravitando à sua volta. E assim continua, mesmo com ele morto. A cena do filme Bohemian Rhapsody em que um Freddie, humilde, pede para se juntar novamente aos companheiros de banda, depois de ter saído para carreira solo, jamais existiria. O que dizer de Roger Taylor colocando-o para fora da sala para “deliberarem” sobre o pedido de Freddie? Nunca houve qualquer inversão do posto de Freddie na banda desde que ele subiu ao palco pela primeira vez com os companheiros. Ele fazia o que queria, ocupava as melhores suítes nas viagens, os melhores camarins…

No último show da banda, em 9 de agosto de 1986, na Hungria, Freddie teve a ideia de se exibir de manto real e coroa (ele sempre queria algo diferente em cada show). Comentou com os colegas da banda o que pretendia fazer. Eles acharam muito brega e vetaram. Assim mesmo, o vocalista mandou a estilista do grupo fazer o figurino do jeito que imaginou, o manto de veludo com acabamento em arminho e a coroa em estilo cerimonial. E assim encerrou o último show do Queen com a música God Save the Queen na versão de Brian May. Essa imagem dele desfilando como rei está eternizada na internet. Como tantas outras.

Sem a voz, as composições e o front-man, que era Freddie, o Queen jamais chegaria perto do que se tornou. Rende milhões de dólares aos integrantes da banda até hoje em royalties. Embora não haja dados divulgados oficialmente, só o filme

Bohemian Rhapsody jorrou mais de US$ 100 milhões na conta dos integrantes, como também na de Mary Austin e na da irmã de Freddie, suas herdeiras atuais. Até a morte de Freddie, foram vendidos 150 milhões de LPs e singles. Após a partida dele, mais outros estimados 150 milhões. Após o filme Bohemian Rhapsody, esses números já devem ter mudado novamente.

Tim Stafell, o vocalista que deixou a banda Smile e abriu caminho para Freddie, reconheceu o fato em entrevista gravada para o documentário Freddie Mercury – the untold story (a história não contada), disponível no canal YouTube em 12 capítulos, em inglês, com tradução para o português: “Eu não era capaz de fazer o que Freddie fazia. Ainda bem que lhe deixei o caminho livre, senão o mundo não teria tido o Queen”.

Mas a história também mostra que o vocalista sem os companheiros não teria chegado aonde chegou. Seus dois voos solos, já no auge da idolatria do público, renderam discos que não fizeram o mesmo sucesso – na realidade, só o segundo The Great Pretender, de 1987, já com os rumores de que estava com Aids, chegou ao quarto lugar no Reino Unido. O primeiro, Mr. Bad Guy, de 1984, vendeu apenas 160 mil cópias. Ainda que a obra-prima que os despontou para o sucesso mundial tenha sido toda composta e pensada por Freddie, a eterna Bohemian Rhapsody, os companheiros também são responsáveis pela composição de sucessos estrondosos, como Another One Bites the Dust e I Want to Break Free (ambas de John Deacon), We Will Rock You e Hammer to Fall (de Brian May) e Radio Ga Ga e It’s a Kind of Magic (de Roger Taylor).

O curioso é que a efetivação de Freddie como vocalista da então banda de Brian e Taylor não foi de imediato, como o filme e alguns relatos publicados levam a crer. O guitarrista e o baterista não o aceitaram de pronto para fazer parte da banda, apesar de seus inúmeros pedidos. Nem de longe Freddie era visto como um integrante do Smile, que chegou a assinar um contrato para fazer um LP. O astro venceu pela insistência. Isso consta na biografia de Lesley-Ann Jones e de relatos do próprio Brian em entrevista para um dos documentários da vida do vocalista. E o motivo, embora nunca dito abertamente, era a orientação sexual de Freddie.

O mundo do rock sempre foi essencialmente heterossexual. Ter uma banda de rock com um vocalista gay era uma ousadia e tanto. E ainda mais alguém tão “espalhafatoso”, nas próprias palavras de Brian, e afetado, como Freddie já era nessa época. Estamos falando do início da década de 1970. Na Inglaterra, por exemplo, o relacionamento entre dois homens só passou a ser legal em 1967, três anos antes da criação do Queen. Na Escócia, só em 1980. Se hoje ainda há tanto preconceito com gays, imagine, na época, para uma banda de rock sonhando com o sucesso. E esse foi o principal motivo pelo qual Freddie nunca assumiu sua orientação sexual abertamente. O outro motivo foi sua família.

No documentário, Brian May alega que não via todo aquele talento musical de Freddie, que achava que ele seria um profissional de sucesso, como ele apregoava o tempo todo, mas como artista desenhista. E confessa que achava estranho seu “jeito espalhafatoso” e seu modo de se vestir.

Freddie sempre acompanhava os colegas do Smile aos shows e dava sugestões para a performance dos rapazes, já sinalizando que sabia a receita para o caminho do sucesso. Brian conta que Freddie elogiava como eles aproveitavam bem a luz e a sombra, mas dizia, também, que eles não se vestiam bem e nem se dirigiam ao público. “Deveriam fazer isso, há oportunidades de contato”, aconselhava Freddie, segundo Brian, já imprimindo o estilo de se vestir e de se comunicar com o público, duas marcas da banda. Ideias para cá, dicas para lá, mas nada de convite para fazer parte do grupo.

Brian assim justificou: “Eu e Roger achávamos que ele era bom na arte do espetáculo, mas não tínhamos certeza se ele tinha a capacidade técnica para cantar. No início, não percebi quão sério ele levava aquilo. Achava-o um artista espalhafatoso, um artista muito bom. Achei que a música fosse passatempo para ele e que se tornaria artista”.

Mas a coisa não andou bem para o Smile, e um desestimulado Tim Staffell pulou fora para formar outro grupo. Freddie não foi cogitado para substituir Tim. O relato de um amigo deles da época é revelador, segundo consta na biografia escrita por Lesley-Ann Jones. “Para o pessoal do Smile, Freddie era uma piada, implicavam com ele, zombavam um pouco”, disse Chris Dumont. Mas amenizou em seguida: “De brincadeira, imagino”.

Tim Staffell reconheceu, no documentário Freddie Mercury – the untold story, que o vocalista desenvolveu o lado afetado, mas que isso não tinha sugerido que fosse gay, pois não era sexualmente explícito. Mas seu jeito era suficiente para que Brian e Taylor não o achassem adequado como vocalista da banda deles de rock ‘n’roll. Taylor e Brian eram belos rapazes. Staffell também era boa pinta. Já Freddie, com os dentes saltados, quase nada bonito, e, ainda, espalhafatoso e afeminado, não estava nos planos dos músicos.

No entanto, os caras não eram homofóbicos. O astro chegou a morar com os membros do Smile e outros amigos num apartamento. Numa entrevista nos anos 90, Brian disse que não tinha percebido que Freddie era gay, porque sempre via mulheres entrando no camarim dele. Enquanto o vocalista era vivo, eles nunca falaram sobre a sexualidade dele.

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Sucesso mundial veio só perto dos 30 anos Quando roubou o show no palco do famoso concerto Live Aid, em 13 de julho de 1985, Freddie Mercury já tinha 40 anos. Ele vinha de uma década de sucesso absoluto à frente do Queen. Embora já sinalizasse o enorme talento musical desde a infância, a fama mundial e a riqueza chegaram somente quando ele já estava na casa dos 30 anos, com o lançamento do álbum A Night at the Opera, em 1976, que continha o megassucesso Bohemian Rhapsody – o single foi lançado em novembro de 1975.

Ainda criança pequena, Farokh Bulsara já era requisitado para cantar nas festas da família. Segundo sua mãe e um tio, ele gostava de estilos variados, especialmente de música ocidental. Esse ecletismo se materializou na diversificada produção musical do Queen. E uma lembrança da mãe sintetiza o que ele sempre procurou fazer à frente da banda inglesa, daí a fama amealhada de fazer os melhores shows do mundo. “Ele se sentia orgulhoso por fazer as pessoas felizes”, conta Jer Bulsara, em relação às cantorias do filho, no documentário sobre o vocalista do Queen.

Desde que chegou a Londres em 1964, aos 18 anos, ele foi caçando seu espaço na música, enquanto desenvolvia seu estilo único de se vestir e de se comportar. Não foi fácil, nem rápido, o caminho até o estouro mundial. Mas felicíssimo por estar em Londres, repetia para mãe e para os amigos quase todos os dias que seria uma grande estrela. “Não posso ser o segundo melhor. Preferiria desistir”, disse Freddie, anos depois, no auge do sucesso, à jornalista Lesley-Ann Jones.

Somente em 1966, aos 20 anos, ele retornou aos estudos e conseguiu fazer a faculdade de ilustração e design gráfico. Formou-se em 1969, aos 23 anos. A ideia era trabalhar como ilustrador. Enquanto estudava, fez bicos num depósito de contêineres do parque industrial de Feltham e no setor de catering do aeroporto de Heathrow (cena inicial do filme). Ali, sofreu mais bullying por causa de seu jeito afetado e sua aparência indiana. Após se formar, chegou a trabalhar com design, inclusive de roupas. Mas logo ficou entediado e quis se dedicar somente à música.

Foi ainda na faculdade de artes que conheceu Tim Staffell, onde viviam cantando juntos nos intervalos das aulas. Quando a banda Smile foi criada, em 1967, por Tim (vocalista e baixista) e Brian, Freddie, com 21 anos, já era amigo dos dois. Mas eles chamaram um outro colega da faculdade de artes, Cris Smith, para ser o tecladista. Roger Taylor candidatou-se a baterista do grupo. O próprio Freddie contou em entrevista que a criação do Queen foi concebida quando ele ainda estava na faculdade, inspirado pelo grupo Smile.

Nesse período, o futuro vocalista do Queen saía todas as noites. E passou a dormir na casa de amigos, vivendo que nem cigano, segundo relato de Brian. Era figurinha carimbada do descolado Kensington Market e do badalado empório Biba (lojas de roupas, onde conheceu Mary Austin), segundo consta na biografia escrita por Lesly-Ann Jones.

“Freddie comportava-se como uma estrela. Vestia-se sempre impecavelmente e de forma ousada. Andava com pompom no fim de uma fita batendo nas pessoas (há uma foto dele com o pompom na net). Era um personagem local”, relembra Brian May. Segundo o guitarrista, “percebia-se nessa época que era muito tímido e se embrulhava num personagem, o que já sinalizava que se tornaria algo grande. Era tratado como uma estrela. E não era”.

Freddie também queria ter de volta a vida confortável de criança, numa casa grande e com empregados domésticos, perdida quando seu pai foi obrigado a trocar seu bom emprego de funcionário do governo do Reino Unido pelo de caixa de uma empresa privada no subúrbio de Londres. Os colegas do Smile, com os quais dividia apartamento, reclamavam que ele deixava de botar comida dentro de casa para andar de táxi e não de ônibus.

Enquanto o Smile nascia e fazia abertura de shows de astros, como Jimi Hendrix, Freddie participava de algumas bandas amadoras. A melhorzinha foi o Ibex. Um relato de John Taylor, do Ibex, revela muito daquele período de Freddie e do seu futuro de astro do rock: “Era extravagante e chamado de ‘old queen’ [bicha velha], mas só em privado”.

O estilo de tocar e de se vestir de Freddie foi inspirado nos ídolos Little Richard, que tocava teclado de pé, e Jimi Hendrix, com seu jeito arrebatador no palco (o roqueiro americano ainda tocava guitarra de cabeça para baixo, com os dentes, pelas costas) e suas roupas extravagantes, muito floridas e de cores fortes. Ele vivia dizendo que queria ser como Hendrix. O gosto do astro do Queen pelas camisas estampadas durou até o fim da vida.

Segundo o ex-colega do Ibex, o modo peculiar com que Freddie segurava o
microfone, com a punha do lado, nasceu na época da banda. “O equipamento não era muito bom, e Freddie balançava o microfone. Um dia, a base soltou e ele não conseguiu colocar de novo. Ninguém tinha produtores de digressão. Como ninguém colocou no lugar, ele se pavoneou pelo palco e tirou partido daquilo”, contou John Taylor no documentário.

“Ele fazia o mesmo tipo de apresentação que viria a exibir no auge da carreira. Já era astro antes de ser astro. Desfilava pelo palco como um pavão orgulhoso”, relembrou Ken Testi, outro membro do Ibex. Ou seja, Freddie nem sabia, mas o Queen (e seu megassucesso) já estava sendo gestado ali. John Taylor é testemunha da obstinação do astro: “Tinha uma fé inabalável de que seria bem-sucedido, queria ser o maior e o melhor de todos”.

Porém, era do Smile que Freddie gostava mesmo, por causa do estilo do som, com o qual se identificava. A música Step on me, do Smile, tem a gênese do som do Queen na década de 1970. Ele passou a acompanhar os amigos em turnês e começou a dar dicas de como deveriam agir como artistas. Contou o vocalista em entrevista: “Eu dizia ao Brian e ao Roger: por que estão perdendo tempo com isso? Vocês devem fazer mais material original. Vocês têm que ser mais efusivos na forma de apresentar a música. Se eu fosse o cantor, faria isso”.

O curioso é que, mesmo depois, com Freddie à frente do Queen, os outros três integrantes continuavam bem devagar nos palcos. Mas a “old queen” valia por todos. Nessa fase, Freddie já demonstrava estar muito acima do seu tempo em termos de oferecer entretenimento de qualidade ao público, tanto que foi o Queen com as ideias do astro que inaugurou a era dos videoclipes e proporcionou o surgimento da MTV.

No entanto, ainda de escanteio, ele reeditou o Ibex como Wreckage, mas não ficou satisfeito com o som da rapaziada e desistiu de novo. Enquanto continuava assistindo a Brian e Taylor procurarem um vocalista sem cogitá-lo, Freddie, com 24 anos, se candidatou a um teste na banda Sour Milk Sea, com integrantes na faixa de 18 anos. Foi escolhido e fez alguns shows, atraindo toda a atenção para si. “Conseguiu ter total controle sobre o público apenas com seu jeito de se apresentar. Era muito cheio de pose, afetado e vaidoso”, descreveu-o um dos integrantes à jornalista Lesley-Ann Jones. Ficou nítido que Freddie sabia fazer show, mas quis tomar as rédeas da banda e do som. Os demais não gostaram, e a banda acabou.

Enquanto isso, Brian e Taylor ainda buscavam um vocalista para o Smile. Depois de várias tentativas para selecionar a voz da banda, que já estava morrendo pela inatividade, finalmente, os dois aceitaram Freddie Bulsara. Era o primeiro semestre de 1970.

O futuro líder do grupo já chegou cheio de ideias e mudando o nome da banda. Faltava acharem o baixista adequado, o que aconteceu somente quase um ano depois, em fevereiro de 1971 – John Deacon. A personalidade discretíssima do novo baixista era a ideal para a banda com três membros que se achavam. E assim seguiram juntos até a morte de Freddie, 15 anos depois.

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Custou para entrar, mas tomou as rédeas da banda Alguém imagina Freddie emplacando o nome da banda como Queen (rainha, em inglês, mas também definição de gay), como ele era chamado no Ibex? Rendidos à figura claramente “queen” de Freddie, Brian e Taylor acabaram achando prático adotar aquele nome, pois serviria como válvula de escape para o jeito afetado do vocalista, considerando que os dois eram altamente “pegadores” de mulheres.

Eles queriam fazer sucesso e não estavam conseguindo até então. Por que não tentar com Freddie Bulsara? O fato é que demorou, mas Freddie venceu, porque ainda fez a banda à sua imagem e semelhança. Ponto. Criou a famosa logomarca da banda e adotou o sobrenome Mercury em vez de Bulsara, inspirado na frase de uma música que ele próprio compôs.

Curiosamente, nos primeiros três anos juntos, a parceria não deslanchou. Faziam shows em universidades, em um ou outro evento, mas nada de evoluir. “Chegou uma hora, dois ou três anos depois de começarmos, que quase desfizemos a banda”, chegou a admitir Freddie. Mesmo assim recusaram propostas de gravadoras pequenas. “No fundo, a gente se achava o máximo”, afirmou Brian em entrevista mais tarde. “Queríamos ser os melhores. Não nos contentaríamos com menos”, contou Freddie.

Em novembro de 1972, a banda fechou um contrato desvantajoso com o estúdio Trident, considerado o melhor do mundo. Assim, conseguiu lançar o primeiro disco, em julho de 1973 – Queen – aproveitando basicamente as instalações do estúdio fora do horário comercial ou as horas vagas deixadas pelos cantores David Bowie e Elton John. O single com a música Keep Yourself Alive não emplacou nas rádios. O álbum teve mais sorte e até fisgou um disco de ouro. Freddie completara 27 anos.

O segundo álbum foi gravado logo em seguida – Queen II – e a banda saiu em turnê pelos EUA para fazer o show de abertura do grupo Mott the Hoople. Começou como coadjuvante e encerrou a turnê como principal atração. Enquanto o público começava a aparecer, os críticos musicais ainda mantinham o ceticismo em relação aos quatro rapazes. No Reino Unido, a banda começava a ocupar espaço, e o LP Queen II chegou em sétimo lugar nas vendagens. Mas ainda estava longe de agradar ao principal mercado, os EUA, que os catapultariam para o mundo.

Em outubro de 1974, começou a grande virada com o lançamento do terceiro single, Killer Queen, que estaria no álbum Sheer Heart Attack, considerado um dos melhores da banda. “Era a canção que melhor representava nosso estilo musical, precisávamos desesperadamente que fizesse sucesso. Não tínhamos um centavo”, relembrou Brian. A música já foi direto para a segunda posição do ranking. O sucesso de Sheer Heart Attack alavancou a venda dos dois primeiros discos. E, assim, o Queen estourou na Europa e no Japão.

Como o sucesso estava chegando, mas o dinheiro não, o Queen resolveu romper o contrato com o estúdio Trident, o único a lucrar até então com o trabalho dos rapazes. É nesse momento que entra em cena o advogado Henry James “Jim” Beach (que aparece no filme Bohemian Rhapsody) para livrar a banda das amarras do estúdio. Não foi barato. Principalmente por que não tinham um centavo. Tiveram de pagar, de uma vez, 100 mil libras e 1% dos royalties dos próximos seis álbuns. Foi Reid quem conseguiu a grana, por meio de adiantamento da gravadora EMI Odeon, para pagar o Trident.

Foi com esse novo fôlego, sonhando com a conta milionária, que a banda se reuniu numa casa alugada em Hereforshire e compôs o álbum A Night at the Opera e a lendária canção Bohemian Rhapsody.

Também foi nessa época que Freddie se aproximou de Elton John, por intermédio do empresário em comum, John Reid, indicado ao Queen por David Croker, executivo da gravadora EMI Odeon. Após ver Freddie no palco, Reid comentou com o colega: “Ele é gay, não é? E Croker respondeu: “Oh, não, não, ele vive com uma menina, Mary Austin”. E Reid não se fez de rogado: “Bem, isso não é incomum, mas você sabe, ele é gay!”.

Durante um jantar apenas com Freddie, Reid teria comentado que era homossexual e que esperava que aquilo não fizesse diferença na relação comercial com a banda. Segundo seu relato, na biografia escrita por Matt Richards e Mark Langthorne, o vocalista respondeu, deixando o garfo e a faca se soltarem da sua mão: “Eu também, querido”.

Consta que Elton John confidenciou a Reid que o single de seis minutos de Bohemian Rhapsody seria um fracasso. A música estourou já no topo das paradas de sucesso de quase todo o mundo, os rapazes ficaram ricos e nasceu a lenda. É o terceiro single de maior vendagem da história do Reino Unido, segundo levantamento divulgado em 2012, só ficando atrás de Something About The Way You Look Tonight/Candle in the Wind, de Elton John, lançado por ocasião da morte da princesa Diana, em 1997, e de Do They Know It’s Christmas? Essa última é, justamente, a canção lançada no Natal de 1984, em prol dos famintos da África, por diversos músicos conhecidos, de cuja gravação o Queen foi preterido por ter rompido o boicote cultural da ONU e ter feito turnê naquele ano na África do Sul, que estava sob o regime do Apartheid.

Não à toa, a banda se preparou e ensaiou durante uma semana para arrebentar meses depois no histórico Live Aid, no estádio de Wembley, em 13 de julho de 1985. O show de 20 minutos no fim da tarde arrebatou o público de 74 mil pessoas presente no estádio, como nenhuma outra banda ou músico conseguiu fazer naquele dia – foram dois megaconcertos (um em Londres e outro na Filadélfia, nos EUA), que reuniram mais de 20 atrações. Às 21h48, Freddie e Brian voltaram ao palco de Wembley e tocaram Is this the World We Created. “Foi o palco perfeito para Freddie: o mundo inteiro”, disse mais tarde Bob Gueldof, idealizador dos concertos.

A maior criação de Freddie, A Night at the Opera, foi lançada em 21 de novembro de 1975. Logo em seguida, a banda saiu em breve turnê pelo Reino Unido. Em três dias, o álbum, que também tem a canção Love of my Life, já era disco de platina, com 250 mil cópias vendidas. No cobiçado mercado americano, ficou no topo por 56 semanas. Foram vários prêmios recebidos. Com Bohemian Rhapsody, o Queen também inaugurou a era dos videoclipes conceituais e a das festas de arromba depois dos shows, sempre com muitas garçonetes e garçons, quase que pelados, e artistas performáticos.

Na época do lançamento de Bohemian Rhapsody, Freddie pintava de preto as unhas da mão e continuava afetadíssimo, com o meu querido pra cá, meus amores pra lá. E morava com Mary Austin há cinco anos.

No final de 1976, o Queen lançou seu quinto álbum, A Day at the Races, que trouxe o sucesso Somebody to Love. Com dinheiro e farra jorrando (essa já há mais tempo), Freddie precisava de alforria na consciência, pois ainda morava com Mary Austin. Desde 1974, durante as turnês, as aventuras homossexuais de Freddie já estavam dando o que falar entre os mais chegados. O ano de 1975 ainda não tinha terminado quando o vocalista do Queen passou a sair com um executivo da gravadora Elektra Records, David Minns.

Como Mary se tornou principal herdeira

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Mary Austin tinha apenas 19 anos quando conheceu Freddie. Trabalhava no empório de roupas Biba, em Kensington, bairro no qual o astro fincou morada até a sua morte. Era uma moça muito simples, sem estudo, seus pais eram pobres e surdos-mudos. A mãe trabalhava como empregada doméstica, e o pai, como cortador de papel de parede. Mas era dona de uma grande beleza. Loira dos olhos verdes, facilmente chamava atenção dos rapazes. Tanto que foi Brian quem a notou primeiro.

Conta o guitarrista: “Conheci Mary num concerto do Imperial College, minha faculdade. Falei com ela porque estava sentada atrás de mim. Saímos algumas vezes. Tomávamos um drink e nos despedíamos com um beijinho no rosto. Mas nunca fomos além disso”. Brian não se interessou muito por ela, que se mostrou muito preocupada com a opinião dos outros. No entanto, o jeito de Mary relatado pelo amigo despertou a atenção de Freddie. “Em dado momento, Freddie começou a falar-me dela, queria sair com ela”, revelou Brian.

O vocalista do Queen, que sucedeu a Smile, banda da qual Mary já gostava, passou a ir à Biba com frequência para vê-la. Ele apenas a cumprimentava e sorria. “Isso durou uns cinco, seis meses, até que me chamou para sair”, conta Mary. Outros cinco meses depois, já estavam morando juntos. Primeiro, dividiram um quarto numa casa coletiva (tipo casa de pensão), e depois se mudaram para um apartamento simples de um dormitório. “Os dois sentiram uma forte ligação emocional. Ele era tímido e ela, também. Formavam um belo par”, diz Brian. Mas até ficarem juntos, Mary deu vários nãos para Freddie. Ela revelou em entrevistas que só se apaixonou por ele uns três anos depois do início do relacionamento. O vocalista chegou a pedi-la em casamento.

É possível inferir que ambos estavam no lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa. Já com a orientação sexual gritando, Freddie queria fazer o que era esperado dele e que ocorre com muitos homossexuais, buscar um relacionamento hétero. É comum até nos dias de hoje, que há mais liberdade, homens gays se casarem e constituírem família hétero. Imagine, então, no início da década de 1970, quando os países proibiam os relacionamentos gays. Elton John também se relacionou com mulheres e se casou com uma antes de se assumir gay em 1988. Pela sociedade da época, pela religião e pelos costumes da família e pelo sonho de ser astro de rock reconhecido pelo mundo todo, ser homossexual era tudo que Freddie queria rejeitar para si.

De origem simples, vivendo numa família silenciosa e que sofria preconceito pela surdez e mudez e, ainda, com baixa autoestima, seria natural que Mary não julgasse tanto Freddie pelo jeito afetado. O fato é que ficou com ele do jeito que era, até porque ele passou a integrar a banda de rock famosa em Kensington, da qual ela já era fã, ainda que com novo nome. Também é natural acreditar que o astro a tenha amado por isso.

Tanto amigos que conviveram com o casal como o próprio Freddie não dizem que a relação era propriamente de grande amor entre homem e mulher, como tradicionalmente conhecemos. “Ela cuidava dele, e ele era muito atencioso com ela. Fosse o que fosse, era um caso de amor. Eles eram muito amorosos, pareciam um casal casado, obviamente, era amor verdadeiro. É justo dizer que ela foi o amor da vida dele”, resume Mick Rock, fotógrafo profissional e frequentador do apartamento do casal.

“Para mim, era um casamento, é minha mulher para todos os efeitos. Vivemos como se fôssemos casados. Confiávamos um no outro, que se lixem as outras pessoas”, disse Freddie numa entrevista certa vez, já separado de Mary. Fosse qual fosse o motivo de cada um para iniciar e manter o relacionamento, foi um encontro de almas. De duas almas atormentadas pela insegurança e que se entendiam e se respeitavam muito, coisa não tão fácil nem entre grandes amantes nem entre familiares. A confiança entre os dois era absoluta, e Mary a honrou após a morte dele.

Insegurança e timidez

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Muito ingênua, Mary não tinha tanto motivo para desconfiar da orientação sexual de Freddie. Primeiro, por que ele já tinha namorado uma colega de faculdade e saído com outras moças. Segundo, por que era comum que as fãs, naquela época, corressem atrás dos músicos depois dos shows. E era o que ela via em torno dos rapazes do Queen. Terceiro, por que ele era muito carinhoso com ela.

Numa entrevista à TV, Mary disse que certa vez, ao fim de um show, viu o namorado cercado de fãs mulheres e preferiu ir embora. Mas ele a trouxe de volta e lhe disse que queria que fizesse parte daquela fase da vida dele. Ela ficou encantada. A personalidade insegura e a baixa autoestima de Mary eram tão fortes que ela ficou até aliviada quando Freddie revelou que estava se relacionando com homens.

Mas não foi menos doído. Em uma entrevista, ela comentou que o relacionamento do casal, depois de quatro anos, estava com problemas, mas que achava que o perderia para uma mulher. No entanto, ela já vinha percebendo que ele estava se relacionando com homens nos últimos dois anos do casamento.

“Percebi quando ele entrou para a John Reid Enterprises, porque a relação tinha mudado. Não sabia com quem ele se relacionava, nem com quem estava, nem quem andava com ele, mas fazia uma ideia. Porém, não tinha certeza absoluta. Vi que ele se sentia mal por causa de alguma coisa, não se sentia à vontade, evitava situações [nessa época, ele estava dormindo fora quando saía à noite ou estendia o trabalho madrugada afora] e o Freddie não era assim”, revelou Mary em entrevista ao documentário sobre o vocalista. Ela estava falando de David Minns, 25 anos, executivo da gravadora Elektra Records, com quem o astro se envolveu mais seriamente.

“Nunca vou esquecer esse momento. Sendo um pouco ingênua, levei um tempo para perceber a verdade. Depois disso, ele se sentiu bem por finalmente ter me dito que era bissexual. Embora eu me lembre de lhe ter dito na época: ‘Não Freddie, eu não acho que você é bissexual. Eu acho que você é gay’”, relembrou ela em entrevista ao tablóide inglês Daily Mail em 1999, sem esconder a tristeza.

O pivô da separação do casal, David Minns, contou mais tarde no livro sobre Mercury, que escreveu junto com David Evans, gerente-geral da John Reid Enterprises: “Eu o conheci em 1975, quando, depois de três álbuns, o nome do Queen já era conhecido no exterior. Freddie já era conhecido, mas não exatamente famoso. Depois do Bohemian Rhapsody [1976], eu o vi se transformar numa celebridade”.

Segundo Minns, Freddie dava a entender que a relação com Mary era “platônica”, sem sexo, mas que achou que poderia haver algo a mais quando, em visita ao apartamento dos dois, só viu uma cama (o que, aqui entre nós, não atesta que ele e Mary transavam). Há fotos aos montes na internet de Freddie e Minns abraçados. Muita gente tirou casquinha da fama do astro depois da sua morte, escrevendo sobre a intimidade compartilhada com a estrela do rock.

“Foi um alívio ter ouvido da boca dele. Agradou-me o fato de ter sido honesto e franco comigo. Depois de ter falado, ele voltou a ser a pessoa que eu conhecera nos primeiros anos”, contou Mary em entrevista para o documentário Freddie Mercury – the untold story.

“Éramos o casal mais apegado de todos. Nosso romance terminou em lágrimas, mas criamos um vínculo muito forte, e ninguém pode nos tirar isso. É algo inatingível”, disse Freddie, segundo a biografia de Lesley-Ann Jones.

Uma frase de Mary na entrevista para o documentário revela muito da parceria com o músico e do seu caráter: “Ele dera tanto, como não retribuir?”, referindo-se ao apoio que lhe deu diante da revelação e, consequentemente, do fim do “casamento”. “Acho que ele nunca pensou que eu o apoiaria. Mas o apoiei, porque era uma parte dele. Era agradável ver o Freddie em paz com ele mesmo. É um amor que aceitamos, que, de algum modo, compreendemos, que queremos que a pessoa cresça por dentro. Ele estava em paz consigo mesmo, mais descontraído, mais feliz”, disse sobre o vocalista, após ele ter aberto o jogo com ela.

E Mary nunca deu uma palavra para a imprensa e para os tabloides sensacionalistas ingleses sobre o fim do relacionamento, mesmo quando poderia tê-lo feito. Ele tinha muitos motivos para amá-la como pessoa. A manchete: “Líder do Queen troca a mulher por um homem” certamente seria um desastre para a imagem da banda que estava ascendendo ao sucesso em ritmo meteórico naquele mundo rock‘ n’ roll (e fora dele) majoritariamente homofóbico.

Após a separação, Mary passou a morar num apartamento vizinho ao de Freddie (ele ainda não tinha se mudado para a mansão Garden Lodge) e se tornou sua assistente pessoal. Era ela quem cuidava das finanças do líder do Queen. Disse ele, em entrevista, um tempo depois, sem revelar o verdadeiro motivo da separação: “Minha vida é extremamente volátil, e alguém como Mary não conseguiria lidar com isso”. Isso não impediu que ele se sentisse mal a vida toda por não ter cumprido a promessa do casamento. Afinal, eram as décadas de 1970 e 1980.

Mary casou-se duas vezes. Nenhum casamento resistiu à presença preponderante de Freddie na vida dela, nem vivo nem morto. “Ele sempre se sentiu eclipsado pelo Freddie”, contou ela em entrevista ao jornal inglês Daily Mail em 1999, referindo-se ao primeiro marido, um pintor, pais de seus dois filhos. O segundo casamento terminou em 2003. Desde então, Mary está sozinha em Garden Lodge.

Apesar da versão de que a canção Love of my life foi inspirada em Mary, durante uma de suas poucas entrevistas gravadas, Freddie disse ser daquelas músicas que precisam fazer para vender. No filme Bohemian Rhapsody, há uma passagem em que Paul Prenter responde a Freddie – “é o que você diz” –, enquanto ele compunha a canção, alegando ser para Mary.

A cronologia também não ajuda: Love of my Life foi composta em 1976, quando Freddie fazia declarações de amor a David Minns, com quem viajou depois, durante a turnê nos EUA. A canção faz parte do álbum Night of the Opera, e ele e Mary ainda estavam morando juntos. A única frase que remeteria à Mary é o título, porque a letra trata de um fora que alguém levou. E Freddie não levou fora de Mary e nem tinha rompido com ela quando escreveu a música.

Mesmo após deixarem de viver juntos, Mary continuou a ser o escudo de Freddie em relação à sua homossexualidade. Tanto que foi com ela que ele fez as aparições públicas em eventos e premiações até a morte. Como sua secretária particular, estava quase sempre com ele. Foi quem encontrou a mansão eduardiana Garden Lodge, no coração londrino, para o astro comprar e morar.

Mary tinha toda a confiança dele, inclusive para enterrar suas cinzas longe do conhecimento de todos. E se mantém fiel a ele até hoje. Entre todos, sem contar os familiares e os integrantes do Queen, foi a única que quase não abriu a boca para falar da intimidade do vocalista do Queen.

Apesar dos relatos do próprio Jim Hutton, e das versões divulgadas pela imprensa, os indicativos são de que Freddie e Jim não eram mais um casal quando ele morreu. Portanto, também não foi seu grande amor, como divulgam por aí. Há descrições na biografia escrita por Lesley-Ann Jones de que Freddie o fazia de gato e sapato em 1985 e 1986, e que ele vivia chorando pelos cantos.

O vocalista do Queen destinou ao ex-parceiro, em seu testamento, a mesma quantia deixada a seus dois funcionários mais antigos na época, o cozinheiro Joe Fanelli e o assistente pessoal Peter Freestone. Os três foram tratados igualmente no espólio. Jim continuou como jardineiro da Garden Lodge após o fim do relacionamento, função que já desempenhava mesmo como namorado. Freddie tinha esse hábito, de dar emprego aos seus ex-parceiros. Foi assim com Joe Fanelli, também um ex-namorado.

No mais, Mary, como a única viúva, preserva essa imagem dúbia em relação à sexualidade de Freddie. A verdade dos fatos, se há outra, não é de interesse de nenhum dos sobreviventes, pois sua história de amor com Mary comove mais que o namoro com Jim Hutton. A marca Queen rende centenas de milhões de dólares até hoje. Há uma certeza: Mary Austin sempre foi e continua muito apaixonada por Freddie Mercury.

Testamento foi aberto em 1992

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Quando o líder do Queen morreu e foi aberto seu testamento, Mary Austin provavelmente se tornou a mulher mais invejada entre milhões de homens e mulheres. Ela herdou a mansão Garden Lodge, com todos os móveis estilo Luiz XV, obras de arte e antiguidades, avaliadas, hoje, em cerca de R$ 100 milhões; a casa que Freddie comprou para ela quando se separaram; 50% do gigantesco apartamento em Nova Iorque, mais metade do dinheiro disponível em bancos, além dos royalties decorrentes das músicas e da marca Queen.

Reportagem do jornal The Sun, por ocasião da morte do astro, em 1991, citou uma declaração dada poucos anos antes pelo vocalista do Queen: “A única amiga que tenho é Mary. Ela herdará a maior parte da minha fortuna. Ninguém mais receberá um centavo, exceto os meus gatos, Oscar e Tiffany”.

A outra metade dos bens foi para os pais (25%) e a única irmã, Kasha (25%). Com a morte dos pais, Kasha herdou mais 25%. Portanto, os royalties da carreira musical de Freddie são repartidos, igualmente, entre a ex-namorada e a irmã dele. Herdar a fortuna não foi fácil para Mary, que confessou ter se sentido muito solitária após a morte dele, além do peso de administrar os bens recebidos, principalmente Garden Lodge. Em reportagem publicada pelo Daily Mail, em março de 2013, Mary revelou que o vocalista lhe dissera que herdar o legado seria um fardo na vida dela. E foi. Mary sugeriu que ele destinasse a casa a um fundo administrado por terceiros (trust), mas ele não aceitou, segundo revelou ao jornal. Ele me disse: “Se as coisas tivessem sido diferentes, você teria sido minha esposa e isso teria sido seu de qualquer forma”.

Mary teve problemas emocionais e desenvolveu algumas doenças logo depois da morte de Freddie ou de receber a herança, conforme a reportagem assinada pelo jornalista David Wigg. Vizinhos contam que ela raramente sai de casa, num Mercedes antigo. A decisão de Freddie de deixar a mansão (praticamente um santuário do astro) e os royalties da obra do Queen para Mary causou profundo ressentimento geral, inclusive nos membros da banda, segundo a reportagem. No entanto, nem todos os bens do cantor estavam no testamento. Ele distribuiu parte deles antes de morrer entre os amigos e membros do Queen. Segundo Mary, os companheiros da banda receberam 25% dos royalties da parte do vocalista referentes aos últimos quatro álbuns. Ela disse que, após a morte de Freddie, eles se afastaram dela.

O vocalista fez o testamento em 17 de setembro de 1991, dois meses antes da sua morte, e há cópia do original na internet. Foi aberto somente em 13 de maio de 1992 e listava bens no valor de 8,6 milhões de libras (na época, o montante representava cerca de R$ 69 milhões). O fisco ficou com 8,2 milhões de libras.Os administradores dos bens e curadores designados foram o empresário do Queen, John Beach, e a empresa contadora. Os três funcionários Jim Hutton, Peter Freestone e Joe Fanelli receberam cada um 500 mil libras (coisa de R$ 3 milhões hoje) e o motorista Terry, 100 mil libras. Todos os beneficiados receberam esses valores já líquidos de impostos.

Somente se qualquer um dos herdeiros naturais do testamento não estivesse vivo na data da morte dele (no caso, a irmã e os dois sobrinhos), os bens de Freddie deveriam ir para duas instituições filantrópicas, uma de crianças deficientes mentais e outra de combate ao câncer.

Mercury Phoenix Trust, uma fundação filantrópica em homenagem a Freddie, foi criada em 1992 por iniciativa de Brain May, Roger Taylor, John Deacon e John Beach para arrecadar fundos em prol de causas globais de combate à Aids.

Brigas póstumas

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Em 1994, o ex-namorado de Freddie Jim Hutton publicou o livro Freddie and me, o que gerou repulsa entre os três integrantes do Queen e seu staff, pois ele expôs os detalhes íntimos da relação com Freddie e do seu sofrimento, inclusive, dizendo que ele urinou antes do último suspiro (acontece com quase todo mundo quando morre). Jim foi excluído do convívio do Queen. Ele deu a desculpa de que o coautor do livro explorou os aspectos sensacionalistas do relacionamento.

No livro, Jim conta que os três funcionários de Garden Lodge – Joe Fanelli, Petter Freestone e ele – foram expulsos da mansão por Mary poucos dias depois da morte do astro. Segundo Jim, eles tinham a expectativa de ficar mais algum tempo na casa. De fato, foi Mary quem os comunicou de que deveriam deixar o imóvel logo, mas que teria sido exigência legal em decorrência da abertura da sucessão. O testamento de Freddie só foi aberto quase quatro meses depois, em março de 1992. Mary só se mudou para Garden Lodge anos depois. A mansão permanece intacta como nos tempos de Freddie, segundo Mary já disse em entrevista. Inclusive, permanece no mesmo local, no canto da sala, talvez a peça mais valiosa, o piano de cauda no qual compôs Bohemian Rhapsody e seus maiores hits.

A sexualidade de Freddie

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Como tantos artistas até hoje, Freddie Mercury nunca assumiu a homossexualidade publicamente, nem quando comunicou, às vésperas de morrer, que tinha contraído Aids. Houve razões familiares, mas as mercadológicas falaram mais alto.

Naquela época, não havia internet, nem whatsApp para a fofoca correr solta. Os transmissores eram os jornais sensacionalistas, e Freddie tinha os melhores ao seu redor – os tabloides ingleses. E também os que diziam não ser. Como mostra aquela famosa entrevista de Gloria Maria por ocasião do primeiro Rock in Rio, em janeiro de 1985, em que a pergunta mais importante que tinha a fazer era: “Você é gay?

Desde o início da carreira do Queen, o vocalista encontrou um jeito de não deixar clara sua orientação sexual. Fora do palco, era muito discreto, até beneficiado pela timidez. Ele mesmo já disse em entrevista: “A maioria das coisas que faço é fingida, é como representar. Vamos para o palco e fingimos ser machões”. Apesar de ser considerado baixo (tinha 1,77m) e franzino, Freddie parecia bem maior nos palcos. E isso reforçava sua imagem de homem viril. Peter Freestone resumia a ordem para o entorno do astro do rock numa entrevista: “Não se confirma, não se nega nada nem nada, só [sinal de silêncio com os dedos]”.

Obviamente, os mais próximos que trabalhavam e conviviam com ele percebiam o tanto que era afeminado e afetado. Mas ele se mantinha distante das demais pessoas, inclusive da imprensa. Deu poucas entrevistas e não ia a festas ou estreias do show biz. No máximo, comparecia a eventos de premiação do Queen, sempre com Mary a tiracolo. Numa época em que os meios de comunicação eram escassos e quase monopolistas, a informação não chegava ao grande público.

Perguntado, por volta de 1985, por que não dera entrevistas nos últimos anos, ele respondeu: “Por que não gosto, odeio falar com pessoas que não conheço de verdade”. Ele não confiava nos jornalistas. Só falava com um ou outro mais chegado. “Havia muitas coisas que o Freddie guardava só para si. Presumo que essa [asexualidade] era uma delas”, afirmou Jim Hutton no documentário Freddie Mercury – the untold story. E admitiu que ele “só falava nisso com Mary”. Ela confirmou isso em entrevista que está no documentário da vida dele: “Era um lado dele que não queria dar conhecimento a ninguém”.

Conforme os anos foram passando, o astro sentiu necessidade de esconder menos o que já era sabido por quem lia jornais. Mas continuava não assumindo abertamente. Quando foi diagnosticado com a Aids, passou a se fechar ainda mais.

Vida noturna
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Com a discrição de Mary Austin, não dá para saber com certeza se Freddie interrompeu as constantes saídas noturnas enquanto morava com ela, hábito que cultivava desde sua chegada ao Reino Unido, em 1964, motivo de muitas brigas com a mãe, Jer Bulsara.

“Aproveito a vida ao máximo. O excesso faz parte da minha natureza. Não nasci para ficar em casa vendo televisão”, descreveu-se Freddie, certa vez a um jornalista inglês. Também não gostava de ler livros, conforme admitiu em entrevista gravada. De fato, mesmo trabalhando arduamente nos discos, o vocalista saía constantemente, à noite, em Londres, e durante as turnês. Os funcionários da Garden Lodge declararam que o cantor não passava as noites em casa. Um pouco de exagero, pois em uma noite ou em outra, ele recebia amigos na sua mansão e promovia saraus musicais de muito bom gosto. O que ele nunca fazia era dormir durante a noite.

Já sucesso mundial e separado de Mary, Freddie rumou com o Queen, no final de 1977, para turnê na América do Norte. O romance com David Minns, iniciado em 1975, terminou aí. Foi durante essa turnê que ele se envolveu com Joe Fanelli, um chef de cozinha de 27 anos, que mais tarde se tornaria seu cozinheiro na mansão Garden Lodge e também um dos beneficiados pelo seu testamento.

No exterior, ele mergulhou de vez no sexo casual, em especial em Nova Iorque, capital da incipiente e libertária cultura gay, onde era menos reconhecido nas ruas, e em Munique (Suíça), onde, embora reconhecido, não era importunado. Nos idos de 1978, ocorreram dois fatos que contribuíram para alterar significativamente a vida de Freddie e do Queen. Após o lançamento, em 1977, do álbum News of the World (que vinha com a planetária We are the Champions), a banda rescindiu, meses depois, o contrato com John Reid e efetivou Jim Beach como empresário da banda. Foi criada a Queen Productions Ltda. para gerir os direitos autorais e os negócios do grupo.

O segundo foi considerado um problema depois para Freddie e para a banda. Paul Prenter, que era funcionário da Reid Enterprises, foi agregado à equipe do vocalista, primeiramente como assistente pessoal e depois “promovido” a empresário pessoal. A entrada de Prenter na rotina diária do astro marca, justamente, o início das noitadas do cantor regadas a muita promiscuidade e uso de drogas. Bem parecido como o filme Bohemian Rhapsody retratou. Só o desfecho que foi diferente, pois Prenter foi demitido em 1986, não em 1985, antes do espetáculo Live Aid. E não houve vedação de Prenter ao show.

No início de 1979, o Queen lançou o disco Jazz, com duas músicas emblemáticas: Don’t stop me now e Bicycle race, ambas compostas por Freddie. O videoclipe dessa última mostra uma corrida de mulheres com a bunda de fora. Se foi de propósito, ou não, ajudou a colar a imagem de mulheres na banda, pois nesse momento Freddie se relacionava com vários homens por semana. Já a outra canção, que é tocada durante os créditos finais do filme Bohemian Rhapsody, espelhava na exata medida a fase que o vocalista do Queen estava vivendo: Não me pare agora, eu estou me divertindo tanto, estou aproveitando pra valer.

Se você quiser se divertir, é só me ligar, eu não quero parar de jeito nenhum. Eu sou um foguete em direção a Marte, numa rota de colisão, estou fora de controle.

Eu sou uma máquina de sexo pronta para recarregar. Como uma bomba atômica prestes a oh, oh, oh, oh, oh, explodir. O destino pode ter sido ainda mais caprichoso. Há a possibilidade de que Freddie tenha se contaminado com o vírus HIV nesse ano de 1979, pois os sintomas que o levariam à morte apareceram por volta de 1987 (o prazo é de oito a 10 anos, em média, para a doença se manifestar). Nesse final dos anos 80, o vocalista estava a mil por hora com sua vida sexual. “Meu tesão é enorme, durmo com homens, mulheres, gatos, com tudo que se possa imaginar. Minha cama é tão grande que posso acomodar seis”, declarou numa entrevista.

Reconhecidamente generoso com todos à sua volta, os amantes também deitavam e rolavam com a riqueza do astro. Ele os enchia de presentes caros: diamantes, carros da Mercedes e dinheiro, conforme reportagens dos jornais ingleses. Mais tarde, Freddie teria confessado profunda frustração na esfera amorosa: “O sucesso me trouxe milhões e idolatrias mundiais, mas não a coisa que todos nós precisamos – um relacionamento amoroso”.

Mas naquele momento a máquina de sexo não parava de produzir hits de sucesso. No final de 1979, o Queen comemorava a explosão do single Crazy Little Thing Called love, composto no banheiro por Freddie, e We Will Rock You, de Brian. Nessa época, o vocalista largou as batas e collants espalhafatosos e aderiu às calças de couro apertadas e bonés macho man, compondo um visual mais másculo. Eles estavam conquistando a América, o mercado mais conservador em costumes.

“Chega de roupas malucas no palco. Vou transmitir a mensagem da nossa música vestido de forma mais básica. O mundo mudou”, justificou Freddie. Um ano depois, já tinha aparado de vez o cabelo, deixado o bigode crescer e passou a usar calça jeans bem apertada. O visual de cabelo rente com bigode era a estética de homens gays. As fãs não gostaram e protestaram, enviando vidros de esmalte e lâminas de barbear para o escritório da banda. O astro não se assumiu expressamente, mas seu corpo falou para quem quisesse tirar alguma dúvida. Até morrer, boa parte dos fãs não sabia que ele era gay.

Os amores de Freddie
São unânimes os relatos entre os mais próximos de Freddie de que ele sempre se interessava por homens jovens e mais simples, muitos sem instrução e até broncos. O que não entendiam, já que o astro poderia ficar com quem quisesse. Ele passou a gostar, também, de garotos de programa nos idos de 1983.

No período pós-Mary Austin e David Minns, a lista de Freddie incluiu alguns nomes que marcaram sua vida de alguma forma. Durante a turnê Crazy Tour, no ano de 1977, além de Joe Fanelli, Freddie conheceu, em Brighton (cidade na costa sul da Inglaterra), Tony Bastin, um mensageiro de 24 anos que trabalhava em uma transportadora. Com ele, o vocalista ficou cerca de dois anos entre idas e vindas. Bastin chegou a morar no enorme apartamento que o músico adquirira em Nova Iorque e o acompanhou em turnês. O caso acabou quando Freddie cansou de bancar a vida boa do cara enquanto tomava chifres à luz do dia.

No segundo semestre de 1980, o Queen lançou o álbum The Game. Antes, em agosto daquele ano, estourava o single Another One Bites the Dust, de John Deacon, em primeiro lugar na Billboard Hot 100 americana.

No verão de 1980, a banda fez mais uma turnê nos EUA, onde o sucesso estava absoluto – The Game foi o primeiro álbum do Queen a liderar as paradas americanas. Além de Another One Bites the Dust, o disco trazia o megassucesso Crazy Little Thing Called love, canção parecida com o rock de Elvis Presley.

Nessa época, Freddie envolveu-se com o louro tipo “viking” Thor Arnold, enfermeiro e figura conhecida nos pontos gays nova-iorquinos à noite. Por meio de Thor, o vocalista do Queen se juntou a Joe Scardilli, John Murphy e Lee Nolan. Segundo a jornalista Lesley-Ann Jones, na biografia que escreveu sobre o astro, o trio foi batizado de “as filhas nova-iorquinas” de Freddie. John Murphy foi um dos primeiros casos do cantor a morrer de AIDS, aos 36 anos, pouco antes do Natal de 1985. O outro foi seu ex- affair Tony Bastin, que morreu em 1986, com 35 anos.

Foi aí que Freddie se deu conta de que o sinal tinha fechado para ele, segundo revelou Paul Prenter nas famigeradas revelações da sua vida íntima, as quais vendeu a um tabloide inglês em 13 de outubro de 1986 por 32 mil libras.

Em 1981, o Queen partiu para shows na América do Sul, que incluíram as duas estrondosas apresentações no Estádio do Morumbi, em São Paulo, que motivaram o retorno para o Rock in Rio, em 1985. Nessa época, Freddie estava se relacionando com Peter Morgan, ex-campeão britânico de fisiculturismo, que fazia vídeos eróticos. O affair viajou para Bueno Aires, durante a turnê sul-americana. Mas, de lá, voltou antes da banda, porque Freddie o flagrou passeando com um jovem pelas ruas da capital argentina.

Freddie não dava sorte com os namorados. Está certo, também, que ele nunca foi fiel a nenhum deles. Muito pelo contrário. O próximo affair marcante da lista foi o americano Bill Reid, que o vocalista conheceu num bar de Manhattan. Foi o relacionamento mais conturbado, no qual rolava pancadaria de um lado e de outro e brigas escandalosas na frente da comitiva gay (de Freddie) e hétero (dos demais integrantes da banda), de dia ou de noite.

Ainda naquele ano de 1981, os integrantes do Queen voltaram a Montreux, na Suíça, para planejar os lançamentos dos 10 anos de carreira, entre eles, o álbum Greatest Hits (o mais vendido no Reino Unido até hoje) e uma coletânea de videoclipes, além de uma de fotos. Foi quando Freddie e David Bowie se uniram e criaram Under Pressure, cujo single chegou às lojas em outubro de 1981 e se tornou o segundo da banda a liderar as paradas britânicas.

No ano seguinte, em 1982, lançaram o álbum Hot Space, que só foi salvo do fracasso porque vinha com a música Under Pressure. O LP foi considerado um desvio do estilo da banda, mais “disco”, som que bombava nas boates gays, com menos acordes de guitarra. Atribui-se a Paul Prenter a influência sobre Freddie para compor um álbum nessa vibe gay. Nesse momento, os membros da banda decidiram fazer uma pausa para se dedicarem à carreira solo.

Vida louca em Munique

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Na trajetória de Freddie, surge uma outra amiga, quatro anos depois que ele se separou de Mary Austin: a ex-atriz austríaca Barbara Valentin, que ele conheceu num bar gay de Munique em 1981. Na biografia escrita por Lesley-Ann Jones, Barbara aparece com doses generosas de simpatia. Fica claro que a jornalista enfrentou forte resistência de Mary em falar sobre o vocalista do Queen. A melhor amiga de Freddie recebeu algumas menções não muito simpáticas no livro. Já Bárbara Valentin falou bastante e foi bem poupada de passagens desabonadoras.

A biografia, inclusive, dá destaque a uma informação nada verossímil: a de que a ex-atriz transava com Freddie. Nessa época, o vocalista estava viciado em sexo com homens. “Era mais provável que eu o visse andar sobre a água do que com uma mulher”, comentou Paul Prenter, na famosa entrevista ao tabloide inglês News of the World em 1986, quando contou detalhes da vida privada do vocalista. Barbara também disse à jornalista que os dois pensaram em se casar.

Inverossímil. Barbara nem era o tipo do astro, o oposto de Mary Austin – grande fisicamente, extrovertida, nada discreta e muito louca. O outro parceiro que Freddie escolheu para ficar mais tempo e assumiu a relação para os amigos – Jim Hutton – também tinha comportamento discreto e era mais reservado.

O fato é que, depois de conhecer Freddie num bar gay, Barbara colou nele e passou a desfrutar de toda a boa vida que o vocalista proporcionava aos seus amigos e ficantes. Viajou com eles para turnês, como no Rock in Rio em 1985, participou de seus aniversários e, até, de um videoclipe.

Na realidade, a relação foi uma troca de favores. Como cantou em Don’t stop me now, naqueles anos em Munique, Freddie era uma máquina de sexo promíscuo prestes a explodir como uma bomba atômica carregada de cocaína e LSD. A presença de Barbara ao seu lado era o que ele precisava para se poupar de escândalos da sua vida privada na imprensa. Até um apartamento na capital suíça o astro comprou em nome dos dois.

Era o álibi perfeito, enquanto ele se jogava numa relação com Winfried Kirchberger, de apelido Winnie, um homem forte e grosseiro, dono de um restaurante local. Naquele meio tempo, a imagem de Freddie e do Queen nos EUA não estava nada boa. A relação com Winnie era recheada de brigas terríveis, de idas e vindas, com muita troca de chifres e agressões em público.

Os demais integrantes da banda, que nunca foram santos, estavam chocados com o comportamento do vocalista. Era comum que as noites em Munique terminassem com Freddie na cama com Winnie e Barbara, ou com outros homens e Barbara. Numa dessas noitadas na cidade Suíça, o vocalista quebrou a perna direita. No videoclipe da música It’s a Hard Life, há um Freddie Mercury com dificuldades de movimentar a perna imobilizada.

“Quando Paul e Barbara estavam por perto, os dois competiam para ver quem providenciava o espetáculo mais absurdo, até que perdeu a graça. Fazia tempo que Freddie não estava mais interessado, mas era educado demais para dizer isso”, contou Peter Freestone, o assistente pessoal por quase 20 anos. Nesse meio tempo, o vocalista tentava finalizar seu disco solo, Mr. Bad Gay, que vendeu apenas 160 mil cópias, cujo single trazia I Was Born to Love You. Levou mais de dois anos para terminá-lo, pois passava a maior parte do tempo curtindo a noite de Munique. Freddie dedicou o álbum aos seus gatos, paixões de sua vida: “Ao meu gato Jerry e também a Tom, Oscar e Tiffany e a todos os amantes de gatos ao redor do universo”. Todos os quatro integrantes do Queen tentaram desenvolver trabalhos solo, sem muito sucesso.

Antes que concluísse seu álbum individual, Freddie juntou-se aos amigos, em agosto de 1983, para produzir em Los Angeles o álbum The Works, o primeiro em CD, com os sucessos I Want to Break Free, Radio Gaga, Hammer to Fall, It’s a Hard Life e Is this the World We Created, essas duas últimas foram tocadas no Live Aid. O videoclipe de I Want Break Free trouxe os integrantes da banda vestidos de mulher. Foi sugestão de Roger Taylor, baseado numa paródia de uma cena doméstica de telenovela britânica da época.

Porém, o clique foi censurado nos EUA por ter ofendido “a moral e os bons costumes” da conservadora classe média americana. A MTV o vetou. A coisa era tão doida que o então relações públicas da EMI comentou que o “Centro-Oeste dos Estados Unidos desconfiava de que Freddie fosse gay e essa região era muito importante”, segundo consta na biografia de Lesley-Ann Jones. O Queen recusou-se a fazer um videoclipe alternativo. Quanto a Radio Gaga, os profissionais das rádios se sentiram ofendidos.

Resumo: o álbum The Works, sucesso no mundo todo, foi boicotado nos EUA, e a banda perdeu a enorme popularidade da noite para o dia por lá, relata a jornalista britânica. Ainda assim, o álbum chegou à 23ª colocação nos EUA.

Mas não foi coincidência a rejeição do Queen com o aumento dos inúmeros casos de diagnósticos de Aids em 1983. A situação era alarmante e considerada pandemia (por ter se espalhado por diversos países e continentes), e os gays passaram a sofrer grave discriminação. Mesmo diante da constatação de outros grupos de risco, a doença foi taxada de “peste gay”. Para piorar a situação, Freddie estava saindo com garotos de programa e usando muitas drogas. Tudo atribuído a Paul Prenter. “Ele era uma péssima influência”, escracha o baterista Roger Taylor.

Em entrevista um ano depois do rompimento com Freddie, Prenter disse que foram os piores anos da sua vida “trabalhar com aquelas quatro pessoas muito difíceis, exigentes, individualistas e mimadas”. Foi nessa fase meio complicada que o Queen aceitou tocar na África do Sul, em 1984, em pleno regime do Apartheid, gerando muitas críticas.

No Rock In Rio de 1985, há relatos de que Freddie recebeu em sua suíte presidencial no Copacabana Palace vários garotos de programa por noite, contratados

por Paul Prenter. Pouco crível a versão do brasileiro Amin Khader de que o vocalista teria lhe pedido 20 garotos de programa após um chilique no camarim da cidade do rock antes de sua primeira apresentação. Era Paul Prenter quem fazia esse serviço para o astro do Queen. Se alguém pediu algo a Amin foi Prenter. Na passagem de oito dias pelo Brasil, além de uma esticada na boate gay Alaska, Freddie também saiu mais de uma vez com o motorista brasileiro da sua comitiva (que incluía Peter Freestone, Joe Fanelli, Mary e Bárbara).

A descoberta da Aids
Em 1980, o Queen lançava mais um disco de sucesso, The Game, e já começavam a pipocar na imprensa americana as primeiras informações de que um tipo raro de câncer de pele, o sarcoma de Kaposi, mais comum em idosos, foi detectado em pacientes jovens, desde o final da década, e que todos eram homossexuais. Alguns manifestaram imunodeficiência e morreram rapidamente.

Em 5 de junho de 1981, o Centro de Controle de Doenças de Atlanta divulgou um boletim informando que cinco jovens homossexuais apresentaram um tipo raro de pneumonia – dois deles já tinham morrido. No mesmo ano e no início de 1982, foram descobertos mais casos, a maioria envolvendo gays em Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco.

O órgão americano divulgou o alerta de que as estranhas doenças se espalhavam rapidamente pelos Estados Unidos, afetando basicamente os 4Hs – haitianos, homossexuais, hemofílicos e usuários de heroína. A imprensa denominou, inicialmente, como GRID – Gay-related Immune Deficiency – Imunodeficiência relacionada aos gays. Com a constatação de que os grupos atingidos alcançavam também homens heterossexuais e mulheres, passou-se a adotar o nome Aids (Acquired Immunodeficiency Syndrome, em inglês, ou Síndrome da Imunodeficiência adquirida). Em 1983, os pesquisadores descobriram que os pacientes com Aids tinham sido infectados por um novo retrovírus.

Em 1982, quando se jogava na noite de Munique com Winnie e Barbara, Freddie já sabia que uma doença grave estava acometendo, principalmente, homens homossexuais. Alertado por amigos, teria dado de ombros. Em 1983, ano da descoberta da existência do vírus, o crítico musical Paul Gambaccini, amigo de anos do vocalista, conta ter encontrado o astro do Queen na boate gay inglesa Heaven e lhe questionado se ele havia mudado o comportamento, buscando sexo seguro. E Freddie respondeu: “Querido, toquei o foda-se. Estou fazendo de tudo, com todo mundo”. A passagem está na biografia de Lesley-Ann Jones.

No fim de 1985, já tendo cantado no Rock in Rio e no Live Aid e comemorado seu 39º aniversário, Freddie sumiu abruptamente de Munique e da vida da amiga de zoeira Barbara Valentin, sem dar qualquer explicação. Ela conta que todo vestígio de sua presença na casa dele em Londres, como fotos, foi retirado, conforme lhe contaram depois os amigos de Garden Lodge.

Esse sumiço coincide com a informação dada, em 1986, por Paul Prenter naquela fatídica entrevista ao tabloide inglês News of the World, de que Freddie fez um teste de Aids em sigilo no final de 1985. Nela, Prenter entregou pormenores da vida promíscua do vocalista (no filme Bohemian Rhapsody, a entrevista foi para uma TV).

Mencionou, também, o motivo do rompimento com Michael Jackson (o popstar americano teria ficado incomodado com Freddie cheirando cocaína na sala de estar da casa dele, enquanto trabalhavam nas músicas que gravariam juntos). Entre as revelações, Prenter contou que o astro tinha medo de dormir sozinho e que ficou em pânico após saber da morte, em decorrência da Aids, de ex-affairs (Tony Bastin e John Murphy).

Consta em vários documentários e na biografia de Lesley-Ann Jones que Freddie teria sido diagnosticado oficialmente com o vírus em 1987. Essa informação surgiu somente após sua morte, em 1991, porque até então ninguém confirmava sequer que ele estivesse com Aids.

Um indício de que Freddie já sabia que estava infectado desde 1985 foi a comemoração do seu 40º aniversário, no ano seguinte, a primeira na sua mansão de Garden Lodge, em Londres, com 200 convidados, estilo Chapeleiro Louco – cada convidado recebeu um modelo de chapéu na entrada. Foi uma comemoração bem diferente das anteriores, que eram regadas a muita bebida, mulheres e homens em trajes mínimos, e figuras performáticas, além de drogas.

Uma festança, em especial, é marcante, justamente a que antecede a descoberta da Aids e o faz desaparecer subitamente de Munique: a última, em comemoração aos seus 39 anos, em 5 de setembro de 1985, numa boate gay na cidade suíça. Durou vários dias. “Era algo totalmente excessivo. Provavelmente irei para o inferno depois disso”, declarou rindo Trip Khalaf, o engenheiro de som do Queen, ao documentário Freddie Mercury- the untold story. “Havia ogros, ladrões, bailarinas, travestis, transexuais e acho que estavam lá uma ou duas pessoas de um terceiro sexo”, afirmou Khalaf. Para essas festas, Freddie mandava que contratassem figuras exóticas nas ruas das cidades onde aconteciam.

Uma dessas atrações, em especial, foi um prato de patê de fígado humano: um anão deitado numa travessa enorme coberto de pasta de fígado. “Sempre que alguém enterrava a faca, a travessa trepidava e o anão junto”, descreveu Khalaf no documentário sobre o músico (é imperdível). “Parecia um filme de Federico Fellini [o diretor italiano]”, diria outro. Havia performances de stripteases e simulações de sexo oral e tudo mais. Outras eram reais mesmo. Uma amiga do astro definiu a festa como um filme pornô ao vivo. Poucas semanas depois, Freddie sumiria de Munique.

Na biografia de Freddie escrita por Lesley-Ann Jones, atribui-se ao russo Nikolai Grishanovitch, ex-soldado do Exército Vermelho, a disseminação do vírus HIV em Londres no início de 1980. Ele morreu de complicações da AIDS em 1990. O DJ Kenny Everett, amigo de Freddie e responsável pelo lançamento de Bohemian Rhapsody, ao tocar a música pela primeira vez numa rádio, foi um de seus casos e também morreu de Aids em 1995. O russo é mencionado como um que poderia ter infectado Freddie, mas alguns amigos negam que tenham estado juntos.

Outros já falam em Ronnie Fisher, ex-relações públicas da CBS/Sony. Também entram nas possibilidades Tony Bastin, o mensageiro americano do período 1977/1979, e o enfermeiro Thor Arnold (1980). O tal paciente zero também foi cogitado. Gaëtan Dugas, o comissário de bordo franco-canadense da Air Canadá, foi tido por muito tempo como aquele que teria introduzido nos EUA o vírus adquirido no Haiti, daí a denominação paciente zero. Isso porque boa parte dos doentes do início dos anos de 1980 relataram ter mantido relações sexuais com Dugas, que frequentou as boates e saunas gays de Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco. Por onde Freddie também andou.

Mas essa tese não resistiu muito tempo, pois os pesquisadores descobriram depois, analisando as amostras das primeiras vítimas, que o HIV já tinha infectado homossexuais desde 1970 e 1971, portanto, antes da chegada à América de Dugas, que morreu em 1984.

John Murphy, uma das “filhas nova-iorquinas de Freddie” (dos idos de 1977), teria se relacionado com Gaëtan Dugas. Murphy morreu em 1985 – o fato que teria levado o astro do rock a fazer o teste de HIV no final daquele ano, segundo Prenter.

Circulou a informação de que Freddie também ficou com o Dugas, mas sem maiores confirmações de quem convivia com ele. No entanto, não é improvável.

Mas o fato é que o vocalista do Queen pode ter sido contaminado por qualquer um com quem transou desde 1976, pelo menos, quando foi em turnê para os Estados Unidos e caiu na vida do sexo casual com frequência, onde homens soropositivos já circulavam.

Quase todos os amigos gays mais próximos e amantes conhecidos de Freddie Mercury morreram de Aids, incluindo o cozinheiro Joe Fanelli e o faz-tudo Peter Freestone, exceto David Minns (o namorado sério de 1975 e 1976) e Jim Hutton. Esse último sustentou que contraiu a doença, mas não há comprovação de que foi contaminado. Ele morreu em 2010 de câncer no pulmão. Paul Prenter faleceu em agosto de 1991, dois meses antes de Freddie.

Em 1975, o astro teve indícios da contaminação pelo HIV ou não: surgiram nódulos benignos em sua garganta. O Queen teve de cancelar apresentações nos EUA durante a turnê do álbum Sheer Heart Atack. Em 1977, também durante turnê nos EUA, os tais “calos” na garganta retornaram. Em 1980, Brian relatou que ele cantou “até a garganta sangrar”.

Barbara Valentin contou à jornalista Lesley-Ann Jones que esses nódulos na garganta apareceram e desapareceram várias vezes no período de 1981 a 1985, e que Freddie adoecia nesse período com frequência, com tosses terríveis, sem motivo aparente. Para o histórico show do Live Aid, o médico recomendou que ele não se apresentasse, pois a garganta estava muito inflamada (essa passagem da garganta está no filme).

Na biografia Somebody to Love: a vida, morte e legado de Freddie Mercury, os autores sustentam que Freddie pode ter sido exposto ao HIV e se infectado no verão de 1982, durante turnê americana, quando contraíra “a pior gripe da vida”, acompanhada de fortes dores de cabeça e de estômago. Mencionam, também, uma visita secreta que Freddie teria feito a um médico em Nova York devido a uma lesão branca na sua língua (que se assemelhava ao sarcoma de Kaposi, sintoma da Aids). Os autores citaram a que exposição ao vírus poderia ter sido com John Murphy em 1977.

O tempo de incubação do vírus no organismo humano, após a infecção, vai de 5 a 30 dias, depois desse período surgem algumas manifestações clínicas da presença do HIV, como febre baixa, mal-estar, dor de garganta, dor de cabeça, aftas na boca, ínguas inflamadas, cansaço excessivo, dores nas articulações, diarreia. Elas desaparecem espontaneamente após duas semanas em média.

A partir daí, segue-se um período de latência do vírus no organismo até que as doenças oportunistas, por deficiência maior do sistema imunológico (o vírus leva alguns anos para se multiplicar e minar as células de defesa do organismo), aparecem com mais vigor. Isso pode ocorrer após cinco anos da contaminação, sendo mais comum entre oito e 10 anos depois, podendo ultrapassar 15 anos em casos mais raros. Assim, não é possível concluir exatamente quando se deu a contaminação de Freddie, já que os sintomas da Aids começaram a aparecer mesmo em 1987 e 1988. Além disso, ele pode ter se infectado com variações do vírus HIV em situações distintas e com diferentes pessoas – o que os cientistas denominaram superinfecção pelo HIV. O período de surgimento dos sintomas indica que ele já pode ter se contaminado por volta de 1977, tendo sofrido novas exposições ao vírus nos anos seguintes.

A luta contra a doença
Ninguém soube o que se passou na cabeça do Freddie diante da doença fatal, a não ser Mary, a única com quem se abria e a primeira a quem contou que estava com Aids. Aos colegas de banda comunicou em janeiro de 1988, segundo rememorou Brian: “Vocês provavelmente já sabem qual é o meu problema, a minha doença. Não quero que os outros saibam, não quero falar a respeito, só quero tocar a minha vida e trabalhar até não ter mais forças”.

O vocalista decidiu tentar parar a doença, renunciando à vida desvairada e desregrada de antes e se cuidando melhor. Cortou as drogas, diminuiu o álcool e passou a se alimentar de forma mais saudável. Nitidamente, ele estava mais fortinho em 1986, por ocasião dos últimos shows, e principalmente em 1987, quando lançou o disco solo The Great Pretender, que chegou ao quarto lugar nas paradas de sucesso de Londres, e na comemoração de seus 41 anos, em Ibiza, na Espanha. Mas a doença já se manifestava. Ainda em 1987, ele desenvolveu a ferida na planta de um dos pés que nunca mais o deixou.

Por ironia, a descoberta de que era soropositivo ocorreu poucos meses depois do estrondoso sucesso no concerto Live Aid, em 13 de julho de 1986, que injetou novo gás num Queen prestes a se separar, conforme os fortes rumores na imprensa e nos bastidores do espetáculo. A repercussão retumbante do que foi considerada a melhor apresentação de uma banda de rock (até hoje) a levaria de volta ao estúdio e às turnês. Em maio de 1986, o Queen lançou outro álbum, A Kind of Magic, trilha sonora do filme Highlander, com enorme sucesso em todo o mundo, exceto nos Estados Unidos. A banda saiu em turnê pela Europa. Foram os últimos shows ao vivo do Queen.

Nessas viagens, já havia um Freddie sem vontade de varar madrugadas em boates como antes, com os dois grupos da banda (dos homos e dos héteros) voltando a se hospedar no mesmo hotel, segundo a biógrafa Lesley-Ann Jones. Dois meses depois do último show da banda num estádio, ocorrido em 9 de agosto de 1986, Paul Prenter abriu a boca para o tabloide inglês News of the World, contando as farras de Freddie com homens e drogas, incluindo noitadas regadas a cocaína com David Bowie e Rod Stewart.

O jornal publicou uma galeria de fotos de ex-casos do astro com o título All the Queen’s men – Todos os homens do Queen. A entrevista foi “picada” e publicada por vários dias seguidos, com uma revelação a cada reportagem. As notícias foram reproduzidas também pelo The Sun, do mesmo grupo de comunicação.

O momento não podia ser pior para o astro, conforme relatou a jornalista Lesley-Ann Jones. Já tinham sido registrados 264 casos de Aids no Reino Unido. A doença foi classificada como a maior ameaça à saúde da população britânica desde a Segunda Guerra Mundial. Os gays passaram a ser fortemente discriminados nas ruas, nos hotéis, no trabalho. As pessoas evitavam cumprimentar homossexuais e, até, usar os mesmos copos e talheres, temendo erroneamente a contaminação. Uma lei aprovada no Reino Unido previu a concessão de ordens judiciais determinando a internação hospitalar de soropositivos imediatamente, retirando-os de circulação.

A verdade nunca dita aos pais
Apesar de a vida de orgias homossexuais ter sido escrachada na imprensa, Freddie nada disse aos seus pais e à sua irmã. Nada foi perguntado. Em fevereiro de 1987, o vocalista lançou o single The Great Pretender – O grande fingidor. Em sua última entrevista, no final daquele ano, Freddie disse que a música (que não é de sua autoria) era um resumo de sua carreira. Diz a letra: “Sim, eu sou o grande fingidor; fingindo que estou bem. Minha necessidade é tanta que eu finjo muito, estou sozinho, mas ninguém percebe” (Oh yes, I’m the great pretender; pretending I’m doing well. My need is such I pretend too much, I’m lonely but no one can tell). Ele ainda gravaria o single Barcelona, com a soprano espanhola Montserrat Caballé, que virou tema das Olimpíadas de 1992, na Espanha. Em janeiro de 1989, a banda concluiu o álbum The Miracle, que foi bem aceito pelo público.

Já muito debilitado, a banda gravou o álbum Innuendo, no final de 1990. O single de mesmo nome saiu em janeiro de 1991. Depois de 10 anos, era a primeira canção do Queen a liderar a parada britânica. Innuendo foi feito basicamente num período de sobrevida, pois Freddie “não estava na bem”, contou depois Roger Taylor.

No videoclipe de I’m Going Slightly Mad, o vocalista aparece fantasiado de Lord Byron, o que ajuda a disfarçar sua magreza e abatimento. Já no vídeo da gravação de There are the days of our lifes, disponível no canal YouTube, Freddie não esconde muito sua condição física. Seu rosto recebeu camadas e camadas de base e pó faciais para tapar as manchas na pele provocadas pelo câncer de pele (sarcoma de Kaposi). O making off mostra o cantor com dificuldade de andar por causa da ferida na sola do pé. Ainda assim, Freddie gravou a música. Contudo, é um canto triste.

O vocalista nunca contou aos pais que estava com Aids. Nem que era homossexual, pois acreditava que eles não aceitariam. Ele costumava visitar os pais quando estava em Londres, que continuaram morando na mesma casa num condomínio de Feltham, a mesma desde quando chegaram a Londres, ainda que o astro tenha oferecido outro imóvel maior e melhor. Porém, os encontros não eram frequentes.

A irmã Kashmira, seu marido, Roger, e os dois filhos iam a Garden Lodge sempre no aniversário das crianças, na Páscoa ou no Natal. “Somente íamos a reuniões de família”, declarou o cunhado em entrevista em 2000 ao jornal The Mail on Sunday, afirmando nunca terem ido às festas do Queen. Freddie deu uma festa para comemorar o aniversário de casamento dos pais em 1980, mas nenhum dos seus amigos ou funcionários gays foram convidados. Apenas Mary que, segundo Peter Freestone, compareceu deslumbrante num vestido escarlate, feito por um estilista famoso, que o vocalista comprou especialmente para a ocasião.

Em entrevista ao jornal The Times, em 2006, a mãe, Jer Bulsara, comentou que a sociedade era diferente nos anos 80, mas que agora “é tudo muito aberto”, numa clara demonstração de que teria aceitado a condição do filho com o passar do tempo. “Ele não queria nos magoar”, disse ela.

Naqueles anos 80, além de a relação entre dois homens ser condenada, os gays ainda sofriam discriminação feroz por causa da proliferação da Aids, embora tanto homens heterossexuais e mulheres estivessem igualmente entre os grupos de risco.

A partida
Em agosto de 1991, Freddie chamou a irmã e o cunhado numa tarde e contou para eles. “Estávamos no quarto dele, tomando café quando, de repente, ele disse: ‘você precisa entender minha querida Kash, que o meu caso é terminal. Eu vou morrer’. Depois disso não tocamos mais no assunto”, contou, mais tarde, o cunhado à jornalista Lesley-Ann Jones. Seu último aniversário, em 5 de setembro, foi comemorando em Garden Lodge, com poucos amigos e um Freddie bem quieto e abatido, segundo relato de Jim Hutton. Seus dias estavam contados e ele sabia disso. Em outubro, o Queen lançou o emblemático single The Show Must Go On – O show deve continuar.

Uma semana e meia antes de morrer, já não conseguindo mais compor e cantar – estava perdendo a visão e já não conseguia se levantar da cama –, Freddie decidiu que não tomaria mais a medicação para combater a Aids. A partir daí passou a receber apenas doses de analgésicos para suportar as dores intensas. No domingo anterior à sua morte, Freddie recebeu a visita dos pais, que estavam acompanhados da irmã e sua família, segundo consta no livro escrito por Peter Freestone, seu assistente pessoal.

Eles iriam visitá-lo novamente no sábado, dia 23. Mas o filho de Zanzibar não quis mais vê-los. Estava muito mal. Nesse dia, a assessoria de imprensa do astro divulgou o comunicado à imprensa feito em conjunto com o empresário John Beach, anunciando que ele estava com Aids.

Para a mídia, obviamente, não foi surpresa. Nas poucas aparições públicas nos últimos dois anos antes da morte, Freddie estava extremamente magro e com as feições físicas de quem estava gravemente doente. O jornalista inglês Jonathan King disse na época da morte: “Todo mundo suspeitava há muito tempo, mas esperávamos que os rumores não fossem verdadeiros”.

Mary, grávida de sete meses do segundo filho, ia todo dia à Garden Lodge ver o amigo. Naquele final de tarde de 24 de novembro de 1991 não foi diferente, segundo reportagem do jornal The Sun. No exato momento em que Freddie morreu, por volta de 19h, estavam cuidando dele o amigo Dave Clark, o assistente pessoal Peter Freestone e Jim Hutton. O médico tinha acabado de deixar Garden Lodge e foi chamado de volta ainda no portão.

Quando ele ia dar o suspiro final, por ter tido uma crise de respiração devido à pneumonia, Jim foi atrás de Peter. Há relatos de que Clark teria saído por um instante do quarto para o maior astro do rock partir em paz.

Mary, a única com quem ele se abria e conversava sobre a doença, disse em entrevista após a sua morte: “Ele tinha um sofrimento terrível, sofrimento mental e emocional, além de físico, especialmente nos últimos dias”. Na última visita que recebeu dos pais, o vocalista do Queen ficou conversando com eles por mais de duas horas, num esforço hercúleo.

Em entrevista ao jornalista do Daily Mail David Wigg, amigo antigo de Freddie, Mary Austin contou que, enquanto perdia a saúde, Freddie assistia às gravações de suas performances nos palcos. “Em uma ocasião, ele se virou e disse com tristeza: ‘Pensar que eu costumava ser tão bonito’”. Ela teve que sair do quarto. “Foi muito perturbador. Nós não podíamos ficar emocionados perto dele. Foi difícil. Sabia que se ficasse sentada, estaria em prantos. Quando voltei, sentei-me como se nada tivesse acontecido.”

Poucos dias antes de morrer, Freddie incumbiu Mary de enterrar suas cinzas sem que ninguém soubesse o local. Segundo o jornalista David Wigg, isso teria ocorrido dois anos depois da morte do astro. Os pais foram chamados para uma pequena cerimônia religiosa de despedida. Além de Mary, ninguém sabe onde foram enterradas as cinzas, nem mesmo os pais de Freddie. Se é que elas saíram de Garden Lodge. “Eu nunca traí o Freddie durante sua vida. E eu nunca vou traí-lo agora”, disse Mary em entrevista ao Daily Mail, em 2013.

A maior voz do rock mundial sofreu horrores com a doença, mas não pediu compaixão de ninguém em momento algum. Dizia que a doença era um problema dele e, por isso, evitava expor o tanto que sofria.

Freddie Mercury foi quem quis ser desde criança, mesmo depois de morto. Apesar da enorme provação no final, como todas as estrelas que morrem jovens, ele partiu cedo, virou mito e passou a viver para sempre. Bohemian Rhapsody vai ganhar Oscar.

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