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Entenda por que a música eletrônica é tão presente na cultura indígena

Artistas musicais indígenas estão unindo a ancestralidade com as novidades da música eletrônica, mas ainda buscam espaço nos grandes eventos

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Lisi Potyguara
Kaê Guajajara
1 de 1 Kaê Guajajara - Foto: Lisi Potyguara

Em 2024, o DJ Alok lançou um disco em parceria com mais de 60 músicos indígenas. A fusão entre os beats da música eletrônica e a cultura dos povos tradicionais do Brasil é uma marca que tem se expandido nacionalmente. Mas, para além do apreço artístico, o que torna essa conexão tão forte?

De acordo com Kaê Guajajara, cantora maranhense que trabalha musicalmente com as raízes ancestrais, o avanço tecnológico foi essencial para a ligação entre a música eletrônica e a cultura indígena.

“O acesso a equipamentos mais acessíveis e avanço de softwares de produção musical ajudaram bastante os artistas indígenas, que agora podem criar e produzir música de alta qualidade sem ter que acessar um estúdio”, explicou.

A artista conta, ainda, que a produção está mais acessível. “Muitos artistas podem ainda produzir músicas nas aldeias. Isso democratizou a produção musical e permitiu que um número maior de artistas explorasse sua criatividade na música eletrônica”, pontuou.

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DJ May Seven
Alok caracterizado com acessórios que remetem à cultura indígena
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DJ May Seven

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Alok caracterizado com acessórios que remetem à cultura indígena

Reprodução/Redes Sociais

Conexões culturais

O fato da música eletrônica ser mais baseada em sonoridades instrumentais também facilita a conexão com a cultura ancestral. A DJ e produtora manauara May Seven acredita que isso permite que os cantos originários sejam reproduzidos e remixados em novas músicas com mais frequência:

“Os cantos indígenas têm uma força espiritual e cultural muito grande, e quando inseridos em uma base eletrônica, eles ganham uma nova dimensão, alcançando públicos que talvez não tivessem acesso a essas tradições de outra forma. O cenário musical eletrônico, pela sua natureza, permite essa maleabilidade, onde diferentes estilos musicais e culturas podem se entrelaçar sem perder sua essência”.

Apesar da facilidade de conexão, a produtora explicou que é preciso ter cuidado ao se produzir remixes de cantos originários.

“O ato de remixar possibilita que elementos de diversas culturas, como os cantos indígenas, sejam reinterpretados, ganhando novos significados, mas sem perder a autenticidade. As fusões têm que ser feitas de maneira cuidadosa, para que não sejam apenas adaptações superficiais, mas recontextualizações que respeitam as raízes culturais dos sons que estão sendo trabalhados”, destacou.

Reconexão com a cultura originária

Artistas de diferentes etnias estão trabalhando com o gênero musical eletrônico para perpetuar as tradições ancestrais, seja de forma individual ou em colaboração com grandes nomes da música brasileira, como Alok e Zeeba.

Segundo a DJ e produtora manauara May Seven, a relação musical se dá por conta da atual busca pela reconexão com as raízes e a ancestralidade.

“A música eletrônica, que tradicionalmente sempre foi associada à inovação e à tecnologia, começou a incorporar elementos mais orgânicos e espirituais, buscando novas fontes de inspiração. Isso reflete uma busca por algo mais autêntico e conectado com a terra”, explica.

Para Kaê Guajajara, a conexão musical é uma forma de voltar a espalhar a cultura originária pelo Brasil.

“Através da música nós manifestamos que estamos vivos e produtivos, gerando tecnologias ancestrais que são vitais para vibrar com o planeta, conscientes que somos natureza. Na música, nós povos indígenas estamos nos encontrando, recuperando a autoestima de ser originário e contagiando os filhos dessa terra nomeada Brasil a se orgulhar de suas próprias raízes”.

Futuro ancestral

A relação entre o cenário eletrônico e a cultura indígena, entretanto, vai além da questão musical. Na Organização das Nações Unidas (ONU), o DJ Alok, um dos principais artistas da música eletrônica no mundo, coordena um projeto chamado O Futuro É Ancestral, que une o gênero musical com os cantos originários.

Em entrevista para a ONU, Alok falou sobre a conexão. “Muitas vezes a gente fala muito de preservação, mas não compreende muito a natureza. A gente já se desconectou dela há muito tempo. Uma forma legal de se conectar coma floresta é ouvir o que ela tem a dizer. Uma forma boa de fazer isso é através de cantos indígenas. É isso que a gente está aqui para fazer as pessoas sentirem”, disse na ocasião.

O fato dos indígenas terem uma conexão forte com a questão ambiental está motivando novos projetos mundiais, mas ainda preocupa os artistas originários. Apesar da aproximação, a DJ May Seven ainda tem ponderações sobre o assunto.

“A conexão entre a música e a natureza é uma parte fundamental da experiência, e isso se reflete na maneira como os organizadores de eventos têm abordado a sustentabilidade. No entanto, na minha opinião, essa preocupação ainda é pequena e pouco trabalhada, especialmente diante da quantidade de eventos que acontecem semanalmente em todo o país”, pontuou.

A produtora citou exemplos positivos como a label Surreal, que trabalha o conceito de lixo zero, e o projeto Amazônia Livre, que faz parte do Rock In Rio. Segundo ela, os dois promovem a música e aumentam a conscientização sobre os desafios ambientais.

Acesso restrito aos eventos de eletrônica

Kaê Guajajara, que costuma utilizar instrumentos indígenas nos arranjos eletrônicos unidos com a voz e canto do idioma indígena zeeg’ete, celebra a união ancestral com o cenário eletrônico, mas reclama da falta de oportunidades em grandes eventos.

A artista esteve no line-up do Rock In Rio neste ano, juntamente com Katú Mirim, Brisa Flow, Suraras do Tapajós, mas acredita que o espaço precisa ser expandido para mais artistas indígenas em outros festivais.

“Esses ambientes utilizam frequentemente a imagem originária, mas nunca, ou raramente, convidam um artista do segmento para ter uma performance completa. Espero realmente que a gente consiga acessar estes eventos do cenário musical eletrônico. Será um marco ser indígena e estar nestes ambientes”, clamou.

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