Entenda o que está por trás do “boom” das rodas de samba no Brasil
Para historiador, ascensão das rodas de samba no pós-pandemia pode ser explicada pelo desejo das pessoas de socializarem longe das telas
atualizado
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“Quem não gosta de samba, bom sujeito não é”, eternizou Dorival Caymmi na clássica canção Samba da Minha Terra. Essa paixão pelo ritmo tem se mostrado cada dia mais viva, principalmente nas capitais do Brasil. As rodas de samba se multiplicaram, ganharam adeptos em todos os cantos e se consolidaram como espaços de resistência cultural e alegria, dando continuidade às tradições que o ritmo carrega.
Em entrevista ao Metrópoles, o historiador e escritor Luiz Antônio Simas oferece uma explicação para o fenômeno. Ele avalia que o notável crescimento dos eventos em todo Brasil está diretamente ligado à essência do samba como um facilitador social. Para ele, essa cultura naturalmente comunitária oferece um espaço de integração onde a vida pode ser compartilhada coletivamente, o que se torna necessário na era das redes sociais e de tanta interação apenas pelas telas do celular.
“O samba proporciona encontro. Ele é definido como um ritmo, uma coreografia, mas ele é muito mais do que isso. Em torno do samba circulam maneiras como você se veste, como você come, como você bebe, como você brinca, como você dança, como você interage, como você ocupa a rua”, analisa.
Impacto da pandemia
Simas observa que a pandemia de Covid-19 também desempenhou um papel significativo neste movimento. “A pandemia trouxe dois anos em que esses ritos comunitários de reconstrução da vida foram fortemente impactados. No pós-pandemia, ritualizar a ideia da vida celebrada coletivamente a partir do encontro faz todo o sentido”, diz.
A percussionista Laryssa Umaytá também notou a diferença após a pandemia: “Na minha opinião, a solidão que o povo brasileiro sentiu, está sendo recompensada agora com muita roda de samba, porque o samba é a alegria do povo. O lugar onde podemos ser quem somos, com os braços abertos e sorriso no rosto”.
“O samba sempre foi astro dentro das comunidades”
Cantora e produtora de Brasília, Cris Pereira ressalta que o “boom” do samba nos últimos anos está ligado a diversos fatores, incluindo a valorização das produções culturais das classes populares, que sempre foram as protagonistas do movimento.
Ela observa que o mercado cultural tem se voltado cada vez mais para as produções populares, e o samba, como uma manifestação genuína dessas comunidades, se beneficia desse interesse.
Cris também destaca o trabalho incansável dos sambistas, que mantêm viva a tradição: “Os sambistas estão aí, na rua, fazendo suas rodas, incansavelmente, fazendo, produzindo, compondo, renovando o repertório, formando o público. Se você não tem um trabalho de base, você não tem um trabalho que se sustenta”.
A conexão profunda do samba com a vida cotidiana das pessoas é outro fator que explica seu apelo duradouro. “Os temas que o samba traz são temas de todo mundo, né? Que são as lutas cotidianas, é o amor, é a dor, é a culinária, é a festa, é o carnaval, é a tristeza, é a alegria”, observa a produtora.
Valorização e ancestralidade
Apesar de valorizar o crescimento e a popularização das rodas de samba, Cris Pereira alerta para a necessidade de melhorar as condições de trabalho dos sambistas. “Acredito veementemente que esse crescimento e essa valorização não acompanham, por exemplo, a melhoria das condições de trabalho desses profissionais,” afirma. Para Cris, a valorização do samba deve caminhar lado a lado com a valorização dos profissionais que fazem tudo acontecer.
Ela também presta homenagem àqueles que abriram caminho para o cenário atual. “Nada começou agora, nada começou há 20 anos, nada começou há 50 anos. O samba tem a idade da força de resistência das tradições culturais negras no Brasil,” conclui.