Críticas têm feito artistas deletarem redes sociais: psicólogos explicam o motivo
Só na última semana, Matuê e Xamã, dois dos rappers mais conhecidos da cena, relataram problemas com a saúde mental após serem alvo haters
atualizado
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É fato que as redes sociais se tornaram um grande aliado dos artistas nos últimos anos para a divulgação de seus trabalhos. Por lá, os famosos conseguem lançar, impulsionar suas produções, bem como ter uma resposta “rápida” e direta dos fãs. No entanto, como grande parte de tudo o que acontece em sites como o Twitter e o Instagram, essa “relação” ganhou proporções incontroláveis e tóxicas. Assim, o que antes era considerado aliado, passou a se tornar um problema sério na vida de muitos artistas.
Na última semana, dois casos de cantores que sofreram com a pressão das redes sociais ganharam repercussão nacional, principalmente no meio do hip-hop: Matuê e Xamã, considerados dois dos mais famosos rappers da cena nacional, que revelaram estarem passando por problemas ligados a saúde mental por conta das críticas dos haters.
A história que envolve o cearense Matuê se iniciou há cerca de uma semana, mais exatamente no dia 4 de agosto, quando o trapper apareceu nos Stories, do Instagram, coletando seu sangue e colocando em alguns pingentes. Pouco tempo depois, o rapper divulgou um site onde os colares poderiam ser adquiridos em “troca” da alma dos fãs.
A campanha de marketing, que fazia parte da divulgação da faixa Quer Voar – canção que já bateu mais de 8 milhões de views no YouTube em pouco mais de dois dias – pegou muito mal entre os internautas, que foram às redes sociais de Matuê para criticá-lo. “Se quer promover um bagulho promove parça [sic] mas não fica usando a alma dos outros pra se promover, tem gente que leva isso a sério”, disse um seguidor.
O lançamento do “pingente de sangue”, porém, fazia parte de uma campanha do artista em parceria com a plataforma Hemotify para incentivar a doação de sangue. “Essa campanha de marketing do colar foi só uma forma da gente coletar os dados de milhares de pessoas pra gente promover a doação de sangue. Ninguém ia perder alma nenhuma, só ia receber um e-mail dahora promovendo a doação nesse momento de Covid onde as doações estão em baixa”, explicou o artista em seu Twitter.
Pouco depois e diante de diversas críticas mesmo após revelar o verdadeiro propósito da campanha, Matuê afirmou que pretende se afastar por um tempo da música. “Essa campanha de marketing do colar foi só uma forma da gente coletar os dados de milhares de pessoas pra gente promover a doação de sangue, ninguém ia perder alma nenhuma, só ia receber um e-mail dahora [sic] promovendo a doação nesse momento de Covid-19, onde as doações estão em baixa”, revelou ele.
“Vou fazer esses lançamentos que já estão prontos e tchau por um tempo, ninguém é obrigado a passar por isso eu não desejaria o que tô [sic] passando nem pro meu pior inimigo”, afirmou Matuê, que ainda contou estar passando por problemas sérios de saúde e chegou a compartilhar alguns Stories internado em um hospital em Fortaleza (CE).
Paradoxo
Como no caso de Matuê, a rápida transformação dos “aliados” internautas em possíveis vilões tem acontecido com diversos artistas nos últimos anos. Além de Xamã, que sentiu a fúria dos internautas após uma mulher divulgar uma falsa gravidez do rapper, Luisa Sonza também conviveu com o problema recentemente e se afastou das redes sociais por um tempo quando recebeu diversas mensagens de ódio após seu ex-namorado, o humorista Whindersson Nunes, perder seu filho com a estudante Maria Lina.
Ana Cristina, coordenadora do curso de psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), afirma que o boom das redes sociais desenvolveu um processo de avaliação muito dicotômico entre os internautas, que acabam limitando seus comentários em apenas “certo ou errado”.
“As redes sociais funcionam para as figuras públicas, principalmente os artistas, de uma forma muito paradoxal. Ao mesmo que ela é essencial para eles apresentarem seus trabalhos, ela também traz um feedback precipitado e superficial em uma lógica de valor, ou seja, uma coisa que muitas vezes acaba vista apenas como positiva ou negativa. Isso acaba transformando as avaliações muito limitadas”, explica.
“E isso para quem está sendo avaliado é de fato muito massacrante e acaba colocando a figura pública em um lugar de ‘endeusamento’, onde não é possível errar ou pensar diferente. Não é porque ela é uma figura pública que ela perde essa essência do humano, do erro e do aprendizado, o que de fato pode ter um impacto muito positivo no artista se ele não tiver recursos para lidar com essas críticas”, completa a especialista.
Com as redes sociais cada vez mais inflamadas e sem perspectiva de melhora, a especialista afirma que mais artistas devem passar a desmembrar a relação pessoal e profissional com as redes. “É possível que isso siga como uma reação ao momento, a forma como a rede social pode estar sendo massacrante. Esse afastamento pode ser salutar para muitos artistas se preservarem mais”, analisa.
“Ao mesmo tempo, não sei se isso (afastamento das redes) se sustenta por muito tempo, mas acho que pode servir de uma ação de manifestação, uma forma de dizer: ‘olha, vamos ser mais cuidadosos um com os outros’. Porque querendo ou não é um recurso de aproximação com o público e para as pessoas que vivem desse retorno, vai depender muito da reação dos seus fãs. Por exemplo, se esse público é muito exigente e condiciona essa relação a essa aproximação por meio das mídias, pode ser que a pressão seja muito forte para que eles voltem antes do esperado”, finaliza.
Foi uma honra pilotar essa nave com vcs mas preciso de um tempo longe da música e das redes pra consertar a cabeça
Obrigado por tudo pic.twitter.com/sBo0d9rcTs
— VULGO MALVADÃO ❌ (@xamaoficial) August 9, 2021