Crítica: no extenso disco Scorpion, Drake quer conquistar pelo cansaço
Dividido entre R&B, pop e rap, novo álbum do cantor navega por confissões, crônicas pessoais e reflexões sobre vida de celebridade
atualizado
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Scorpion, para o bem e para o mal, é o disco que Drake ganhou o direito de fazer após virar um hitmaker global com Hotline Bling e One Dance, singles grudentos de Views (2016). Claramente o projeto mais ambicioso do canadense, o novo álbum desafia a maneira como ouvimos música hoje em dia ao trazer à tona o modelo um tanto antiquado de CD duplo, dividido exatamente ao meio. Metade rap, metade R&B e pop.
Entre uma faixa e outra, o cantor propõe uma experiência totalizante, na contramão dos concorrentes Pusha-T (o inimigo público nº 1 de Drake) e Kanye West – ambos lançaram recentemente trabalhos de sete faixas e com 20 e poucos minutos de duração, mui adequados para a ágil e apressada era do streaming. Está tudo aqui, em 90 longos minutos: confissões, desabafos, vida de celebridade, respostas a rivais, questões sentimentais.
Muita gente diz que Drake não sabe rimar. Mas é na metade rapper, a primeira, com doze canções, que o disco entrega seus momentos mais potentes. Survival abre os trabalhos dizendo: “acho que minha alma foi marcada / há um buraco no meu coração”. Ele segue na mesma toada, falando abertamente sobre a carreira construída, em Nonstop e Elevate.
Com ares de música gospel, Emotionless registra o principal arco confessional do álbum: Drake reconhecendo Adonis, o filho que teve com a atriz pornô Sophie Brussaux. “Eu não estava escondendo meu filho do mundo / Eu estava escondendo o mundo do meu filho”, diz.
O tema volta com mais profundidade na faixa final, March 14, quando o rapper diz estar “mudando de garoto para homem”. “Percebo que agora preciso pensar por dois / Preciso conseguir, é bom eu conseguir”, reforça.
Drake mantém o tom pontiagudo, direto em faixas como God’s Plan, que facilmente poderia ter sido lançada na época de Views ou na playlist More Life (2017), e I’m Upset. 8 Out of 10, Mob Ties e Talk Up (parceria com Jay-Z) revelam um certa aspereza até então inédita diante de seus críticos e adversários. “Meu dinheiro é jovem, meus problemas são velhos”, ele reclama na última das músicas citadas.
A narrativa degringola de Peak em diante, quando Drake larga o rap e as faixas começam a soar repetitivas e enfadonhas. Summer Games, por exemplo, parece criação do Coldplay – isso não foi um elogio. Don’t Matter e After Dark reforçam a sensação de um molde pop reutilizado ao extremo.
Mas a metade ruim do álbum também tem lá suas brechas de inspiração. Nice For What sampleia Ex-Factor, de Lauryn Hill, em letra sobre a força das mulheres, enquanto Don’t Matter To Me se constrói em torno de vocais póstumos e inéditos de Michael Jackson.
Scorpion, quinto disco de Drake, talvez fique na história do rapper como o seu trabalho mais desarrumado. Uma coleção esparsa de sentimentos, pitacos e confissões que guarda algum impacto em faixas avulsas, mas jamais funciona como disco com começo, meio e fim.
Avaliação: Regular