Crítica: Anima traz o melhor da melancolia eletrônica de Thom Yorke
Terceiro disco solo do líder da banda Radiohead chegou acompanhado de um curta homônimo lançado na Netflix
atualizado
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Anima, novo e terceiro disco solo de Thom Yorke, o vocalista e líder da banda Radiohead, pega emprestado conceitos do psiquiatra Carl Jung, pai da psicologia analítica. O título remete às definições de inconsciente propostas pelo suíço. Anima diz respeito à personalidade interior do homem: feminina. Animus expressa a voz interna masculina da mulher. Misture esse jogo de espelhos com as paisagens eletrônicas do inglês, mais afiado do que nunca em sua carreira solo. Eis que surge, talvez, o melhor álbum dele.
A veia junguiana se mostra com mais clareza no curta-metragem homônimo dirigido por Paul Thomas Anderson, parceiro de longa data do grupo, e lançado na Netflix. No filme, o inglês divide as atenções com sua namorada, a atriz italiana Dajana Roncione.
Anima sucede Eraser (2006), Tomorrow’s Modern Boxes (2014) e Suspiria (2018), estreia de Yorke como compositor de trilha sonora. Dois anos após o mais recente disco do Radiohead, A Moon Shaped Pool (2017), o inglês parece plenamente à vontade para trabalhar sua já conhecida melancolia por meio de timbres eletrônicos.
Mas ele jamais havia alcançado um nível tão frutífero de modulação (temática e sonora) quanto no novo trabalho. Com nove faixas e pouco mais de 47 minutos de duração, o disco transita por subgêneros eletrônicos diversos (jungle, IDM, techno) e ambiências que desafiam classificações apressadas.
Distopia e sonho
Traffic, a canção mais techno de Anima, abre o álbum dando o recado: Yorke continua afim de criticar, à sua maneira conceitual e elusiva de sempre, as injustiças de um mundo vil, algo distópico, e reforçar sua desconfiança nas autoridades – vale lembrar que deu entrevista recente chamando políticos de direita de palhaços – e nas tecnologias industriais. “Party with a rich zombie” (“faça festa com um zumbi rico”), ele canta aqui e ali.
Last I Heard (…He Was Circling the Drain) talvez seja a música que renda comparações imediatas com as atmosferas oníricas (assustadoras) do Radiohead, sobretudo fase Kid A (2000) e Amnesiac (2001). Yorke desfaz qualquer derivação simplista nas faixas seguintes: a frenética Twist, a meditativa Dawn Chorus, que já merece figurar entre as composições mais potentes e brilhantes do roqueiro, e o redemoinho interno chamado I Am a Very Rude Person.
O groove yorkiano chega ao clímax em Not the News, faixa que evidencia o processo criativo do músico e seu produtor, Nigel Godrich, ao longo de Anima: músicas trabalhadas ao vivo e depois remodeladas em estúdio. Essa artesania transmite uma atmosfera menos sufocante e controlada do que de costume. Ao mesmo tempo, dá margem para bem-vindas digressões.
The Axe retoma o clima de Dawn Chorus, agora com um refrão dedicado às promessas vazias do mundo hiperconectado: “Pensei que tivéssemos um acordo”. Impossible Knots levanta uma inesperada conexão direta com um rock alternativo bem reconhecível – linhas marcadas de baixo, bateria de Phil Selway, membro do Radiohead –, enquanto a quase instrumental à la Boards of Canada Runwayaway encerra a viagem.
Anima só poderia mesmo ser produto da mente febril e inquieta de um dos grandes artistas musicais (ou não) dos últimos trinta anos.
Avaliação: Ótimo