CeilanWood: canal brasiliense do YouTube segue passos de KondZilla
Criada por Ronaldo Piovezan, produtora tem movimentado a cena hip-hop do Distrito Federal
atualizado
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Terreno fértil para talentos do hip-hop, Ceilândia é nacionalmente conhecida por nomes como GOG, Japão, do Viela 17, e X Câmbio Negro. Se o caminho até a fama era mais longo na década de 1980, a nova geração de artistas conta com o auxílio poderoso do YouTube. A trajetória do anonimato até as milhares de visualizações passa, porém, pelo trabalho criativo de produtores de audiovisual, que transformam as rimas em cenas com potencial para viralizar na rede.
Inspirado pelo sucesso do KondZilla, terceiro maior canal do mundo, o ceilandense Ronaldo Piovezan criou o CeilanWood (CW). Lançado há poucos meses, os nove vídeos publicados pelo canal brasiliense somam mais de 100 mil visualizações. A página, que começou despretensiosa, hoje se consolida como uma das principais plataformas de propagação dos artistas do DF em busca de ascensão.
O meu desejo é mostrar para o mundo que, além dos talentos em cima dos palcos, a periferia também pode exportar profissionais de qualidade, que levam os bastidores do show business a sério
Ronaldo Piovezan
Não é de hoje que o jovem de 24 anos, formado em publicidade e propaganda, se aventura no universo dos youtubers. A primeira aposta foi o Rogoel, página de comédia que chegou a ter mais de 10 mil inscritos e cerca de 350 mil views. Mas a mudança de ares aconteceu após Piovezan passar uma tarde acompanhando os bastidores de uma gravação do KondZilla. “Voltei de São Paulo certo de que eu também era capaz de fazer aquilo. Foi minha inspiração”, lembra o produtor.
De volta a Brasília, Ronaldo buscou nas cidades do DF pessoas que topassem embarcar em seu mais novo sonho. Encontrou Wendel Souza, Raphael Augusto, Joel Gomes, Johnny Britto e Natan Nobre, atual equipe do CeilanWood. “Eles já haviam trabalhado comigo em outras filmagens e aceitaram de pronto o convite. Hoje estão tão engajados no projeto quanto eu”, conta.
A parte mais difícil foi convencer os artistas a confiarem na seriedade do trabalho. “No começo eles pensavam que eu era mais um a tentar ganhar dinheiro nas costas do movimento, mas venci essa resistência, estou mostrando os resultados e o efeito boca a boca é muito positivo”, considera.
De recomendação em recomendação, o CeilanWood conseguiu o aval para produzir um dos grupos mais antigos do DF, o Tropa de Elite, em Virando a Noite. E tornou-se o queridinho da nova geração formada por nomes como Nexx, QI, Paulo Amaro, Talíz, Realleza, LDP Controle, do congolês Rich, Mano Sá e Mano Guida. “A nossa missão maior é criar esse sentimento de coletivo, como existem em outros gêneros. Muitos artistas que hoje se conhecem e gravam juntos fomos nós quem os apresentamos”, completa Ronaldo.
Revolução dos Bichos
A produção mais recente da equipe CeilanWood, Revolução dos Bichos, do rapper Paulo Amaro, tem dado o que falar. A faixa faz um sample com áudios de falas do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e contesta alguns posicionamentos do político considerados preconceituosos. “Queria falar desse momento tenebroso. Eu me sinto ameaçado por esses ataques e essa foi a minha maneira de resistir”, afirma Amaro.
De acordo com o rapper, a música fala sobre a animalização das minorias. “Tentam nos diminuir. Chamam as mulheres livres de piranhas; os gays, de viados; negros, de macacos; e pessoas gordas, de baleias. Mas, se pararmos para refletir, o único animal que discrimina seus semelhantes é o ser humano”. As rimas ressignificam as palavras antes usadas como xingamentos. “Em vez de nos atingir, preferimos pegar a força desses animais”, explica o cantor.
A faixa conta com participação luxuosa de Markão Aborígene, Realleza e Talíz. “Cada um de nós escreveu a sua parte a partir do seu lugar de fala, das suas experiências. Por isso tanta autenticidade”, acredita Amaro. Segundo ele, a participação da CW foi além da execução técnica. “Eles nos ajudam a fazer os contatos, a ampliar nossas parcerias e isso só soma.”
Quebra de paradigmas
Nascido e criado em Samambaia Sul, Paulo Amaro, 29, conheceu o hip-hop por influência do irmão. Dos 15 aos 19 anos participou de grupos de rap e fez shows por todo o DF, até desistir da carreira. “Eu sou gay e me vi dentro de um movimento muito homofóbico, me sentia desconfortável, e abandonei a cena”, diz.
O retorno ao segmento viria sete anos depois, de forma trágica, após Amaro ser espancado por quatro homens desconhecidos. “A maneira que encontrei de lidar com a violência foi voltar a compor. Resolvi usar a minha verdade dentro do movimento LGBT para quebrar esses paradigmas e reforçar a mensagem por respeito”, ressalta.
Em 2017, o brasiliense lançou seu primeiro single, Miga, Melhore, onde abusa das conhecidas expressões do universo gay. Na faixa seguinte, primeira parceria com o canal CeilanWood, Ressaca, o artista consolida o tom da sua identidade musical. “Eu misturo o peso do rap com elementos do pop, como as coreografias, sempre muito inspirado por grupos como o Quebrada Queer e Rico Dalasam”, pontua.
Do gospel ao R&B
Um dos vídeos mais reproduzidos do CeilanWood, Pode Me Ligar, é composição de Talíz, 20 anos. Moradora do Núcleo Bandeirante, a jovem começou cantando na igreja e passou por bandas de baile e casamentos até decidir investir na carreira solo, no ano passado. “Esse foi meu primeiro single e as dicas do Ronaldo e dos meninos do canal foram essenciais para eu encontrar minha identidade dentro do R&B”, pondera.
Por intermédio da produtora, conheceu Realleza, com quem divide os vocais em Revolução dos Bichos, de Amaro. “Eu não fazia parte desse ciclo de artistas e acabei fazendo amizades. Ficar mais conhecida na cena também tem ajudado a impulsionar meu som”, acredita Talíz, que acaba de lançar Eu Faço, com mais de 131 mil views no YouTube.
Sem restringir o ritmo
Formado por Henrique, 26 anos, Kalango, 27, e DJ Liso, o grupo de rap QI foi o primeiro a deixar suas canções ganharem videoclipes assinados pela CeilanWood. A faixa É Hoje, um feat com Nexx, apresenta a nova fase dos rappers, que buscam ampliar o público com versões menos pesadas se comparadas às composições do primeiro álbum, Tabuleiro (2016).
“Conhecemos o Ronaldo no momento em que entrávamos nesse processo de mudança de mentalidade musical. E casou de ele também acreditar no mesmo que nós, nessa democratização do rap, de levar o som para pessoas de todas as classes, credos, idades…”, afirma Henrique. Depois de É Hoje, QI e CeilanWood trabalharam juntos em outras duas canções: Sorria, gravado em Pirenópolis, Goiás, com a participação de Eliane Dorea, e, a mais recente, Ambição.
O grupo está em estúdio preparando o novo disco. Com previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2019, Antídoto também terá faixas produzidas pelo canal. “São composições feitas para dialogar com mais pessoas. Entendemos que o audiovisual consegue acessar pessoas que só a música não consegue, por isso o apoio de produtores como o Ronaldo é tão fundamental”, conclui Henrique.