Cego e autista, pianista de 7 anos grava toda a obra de Sandy e Junior
Daniel é sucesso na internet e sonha em conhecer a dupla. A mãe, Hedrienny, produz os vídeos e a irmã, Júlia, canta em algumas músicas
atualizado
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O pianista brasiliense Daniel, de 7 anos, adora um desafio. Em 2018, sua mãe, a administradora Hedrienny Cardoso, propôs ao filho, cego, autista e tecladista autodidata, gravar e postar no perfil da família no Instagram uma música por dia durante um ano inteiro. A maratona terminou em março e logo veio outra. A mais recente prova terminou há poucos dias, em junho: registrar toda a obra de Sandy e Junior, 178 canções, a tempo do show que a dupla faz em Brasília em 20 de julho, no Estádio Nacional Mané Garrincha.
O sonho de mãe, filho e de Júlia, de 5 anos, que acumula participações especiais nos shows do irmão, é conhecer os astros de pertinho. Para tal, Hedrienny movimenta as redes sociais de olho na campanha de visita ao camarim lançada pelos artistas.
Os mais de 13 mil usuários que acompanham a “banda” no Insta sempre dão uma forcinha, com hashtags e compartilhamentos. Os três só conseguiram os (disputadíssimos) ingressos para a apresentação graças à ajuda de internautas. Outro dia, Daniel ganhou um piano de parede Fritz Dobbert de uma seguidora. Tem se acostumado aos poucos com as teclas mais grossas e pesadas do novo “brinquedo”.
Certa vez, Sandy postou um vídeo de Daniel nos stories. “Não sei como chegou até ela”, pergunta-se a mãe. “Foi quando ela lançou Areia. Ele ouviu umas 40 vezes e aprendeu a música em um dia para filmarmos”, conta. Foi o máximo de contato que ídolos e fãs tiveram.
No mundo da música
Primeiro filho de Hedrienny, 33 anos, e Robson Ribeiro dos Santos, 37, engenheiro mecatrônico, Daniel se interessa por música desde muito cedo. O garoto nasceu cego, mas só recebeu diagnóstico dois anos depois, bem na época em que a goiana estava grávida de Júlia: amaurose congênita de Leber, uma distrofia retiniana que causa cegueira infantil. O casal ainda não sabia que se tratava de uma doença com herança genética. A segunda filha também nasceu cega. Pedro, 2, o caçula, veio ao mundo sem deficiências.
O autismo foi notado pouco depois, quando Júlia tinha um aninho e Daniel, 3. Brincadeiras quase nunca despertavam a atenção dele. Só a música e sons diversos, de ruídos domésticos a urbanos. Reproduzir o que ouve, por sinal, faz parte do aquecimento do músico antes das gravações. Um dia qualquer, durante um encontro na casa de amigos, o menino estava especialmente agitado. Hedrienny avistou um teclado na sala e apresentou o instrumento ao filho. “Ele ficou apaixonado, estático”, lembra.
Ato contínuo, os pais compraram um teclado para Daniel. Dono de um ouvido absoluto, ele logo aprendeu, sozinho, Brilha, Brilha, Estrelinha, faixa que até hoje fecha as apresentações dele, como uma espécie de despedida temporária das teclas. Hedrienny começou a estimulá-lo em casa mesmo, já que os acordes impulsionaram a absorção de Braille no cotidiano. Ela procurou escolas e profissionais com método específico para aprendizado musical de cegos e autistas, mas não encontrou. “Ele viciou de uma forma incrível”, resume a mãe.
O repertório de canções infantis logo se esgotou. E a mãe passou a apresentar ao primogênito artistas e gêneros dos quais é fã, como rock e Legião Urbana. E, claro, Sandy e Junior. Ela dispensa sertanejo. Às vezes, o marido quebra o acordo que fizeram antes de terem filhos – o estilo musical seria herdado somente da mãe – e mostra Bruno e Marrone para o filho. “Ele também gosta de Jota Quest, Roupa Nova, Fábio Júnior. Tem uma alma de 80 anos”, brinca.
Quando Hedrienny casou-se com Robson, entrou na igreja ao som de Olha o que o Amor Me Faz tocado no violino. Lá atrás, jamais poderia prever que se tornaria, em alguns anos, “produtora” de um pequeno pianista especialista no repertório da dupla.
Entre sons e acordes
Daniel cultiva um ritual bastante particular cada vez que se senta ao teclado. Ele aquece as mãos e os ouvidos imitando ruídos diversos com as teclas. Do metrô, de eletrodomésticos. E alguns imaginários, seguindo o comando da mãe. “E quando alguém perde no jogo? E quando ganha? E quando quando alguém cai após escorregar na casca de banana?”, provoca Hedrienny.
O garoto fica tão feliz que chega a gargalhar. “É uma viagem curta”, informa Júlia. O show já vai começar. Mas o roteiro precisa ser combinado antes. Se a mãe pede quatro músicas, o filho vai executar exatamente o previsto no setlist. Nada de bis ou faixas bônus.
Daniel não é assim tão rígido quanto aos instrumentos que passam por suas mãos. Além do teclado e do piano, toca escaleta e sanfona. No Natal passado, pediu uma guitarra e ganhou. Por ora, não deu muita bola para as cordas. “Ele já pediu presente para esse ano”, avisa Hedrienny. “Um saxofone”.