Banda do DF arrecada dinheiro em ônibus para gravar primeiro disco
Músicos do coletivo Cosmologia Preta alegram passageiros do transporte público com inspirações em Nina Simone e Sivuca
atualizado
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Sete talentosos jovens compositores, instrumentistas e cantores de lugares e vivências culturais diferentes. Por acaso do destino ou parte de um roteiro divino, todos acabaram no Distrito Federal. Na capital, lutam por lugar ao sol, mas esbarram em um desafio compartilhado por artistas de rua: o preconceito. Eles, então, reconhecem um no outro uma luta comum, se unem e formam o coletivo de músicos Cosmologia Preta – uma maneira de encarar o universo sob o olhar da identidade negra.
Fortalecidos pela união, os sete artistas decidem fazer o necessário para realizar o sonho compartilhado de gravar um álbum autoral. Para isso, os jovens revezam-se nos ônibus da cidade, em apresentações dedicadas a arrecadar dinheiro e financiar o disco. Porém, a cada viagem, os músicos ganham mais do que moedas e aplausos. “Muitas vezes acontece uma troca entre a gente e os passageiros”, afirma o poeta e violonista Pedro Henrique, 21 anos.
“É comum encontramos pessoas cansadas no baú, idosos e grávidas em pé, sem que ninguém lhes ceda o lugar. Ao apresentar a nossa verdade, eles respeitam, nos agradecem e entendem a nossa ideia”, argumenta a piauiense Julia Nara, 26, moradora de Samambaia e militante do movimento hip-hop do DF há oito anos.
A estudante Luana Beatriz, 20, que pegava a linha da viação Piracicabana para a W3 Norte, ouviu com atenção e aprovou os artistas. “Além do lindo timbre do vocalista, as letras são muito boas. Eu adoro encontrar músicos por onde passo. Alegra e relaxa o estresse do dia”, elogia a passageira.
Trajetória
Desde 2013 nas ruas, nos ônibus, metrôs e pontos turísticos da capital, Preto X, 23, foi o responsável por reunir todos os artistas. “No mesmo dia que cheguei de São Luis do Maranhão, encontrei o Preto e ele me convidou para ficar na casa dele. Começamos a tocar juntos”, relembra Tarcísio Reis, 30, percussionista da Cosmologia Preta.
Com um cajon e um violão, os dois músicos fizeram apresentações por toda a cidade. As andanças proporcionaram encontros com compositores que compartilhavam das mesmas ideologias. Assim, uniram-se aos dois, a piauiense Julia Nara, a rapper baiana Prethaís, 20; o baixista Mikebass, 24; a vocalista e compositora Isadora; e o poeta e violonista Pedro Henrique, 21.
O coletivo se fortaleceu e enriqueceu o repertório do grupo. As referências são Nina Simone, Elza Soares, Emicida, Bob Marley, Martinha do Coco, Virgínia Rodrigues e Sivuca. “Todos nós trazemos a música negra como referência, respeitando nossa ancestralidade e pluralidade, expressas em variados ritmos nascidos no continente africano ou nas diásporas africanas”, explica Preto X.
Viver a música
Mikebass, apesar de ter apenas 24 anos, completa 10 de carreira em 2018. O músico já participou de bandas de sertanejos famosos, como Gabriel Gava. “Mesmo assim, a falta de valorização de artistas independentes é a maior dificuldade que tenho de transpor diariamente”, desabafa.
Para a rapper baiana Prethaís, 20, mesmo não tendo retorno financeiro, a frase “viver de música” tem um significado bem mais amplo. “É muito mais que profissão, trata-se de um estilo de vida, terapia, integração entre uma comunidade. Não podemos nos alimentar de cachês porque estamos nas periferias, onde o dinheiro e o capitalismo são labirintos”, acredita a jovem.
A Cosmologia Preta atua diariamente nas linhas de ônibus da capital. Encontrá-los é um lance de sorte. Esbarrar neles em uma viagem também ajuda a conhecer e apreciar a arte produzida no DF.