Artistas brasilienses se destacam mundialmente por meio do agbê
Instrumento feito com uma cabaça seca, envolta em rede de miçangas, virou missão profissional e geração de renda para criadoras do Agbelas
atualizado
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Um objeto artesanal e ancestral, com sonoridade poderosa, que preenche intervalos do maracatu ao afoxé, das marchinhas ao funk. Assim é o xequerê, também conhecido como agbê, instrumento cujas origens remetem a lendas e rituais religiosos de matriz africana, mas que se fundiu aos movimentos culturais brasileiros, principalmente no Nordeste, e conquista cada vez mais adeptos na capital federal.
Entre as responsáveis por ampliar a compreensão do instrumento no DF estão as musicistas Nathalia Solorzano e Giovanna Paglia.
Nathália formou-se em artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB) e teve aulas com a dançarina e batuqueira Júnia Cascaes, uma das precursoras na produção e no toque de agbê. Já primeiro contato de Giovanna com o artefato também foi na UnB, mas na faculdade de engenharia de produção, durante uma matéria optativa. Na primeira aula, ela recebeu o instrumento das mãos do professor e nunca mais largou.
Depois de trilharem caminhos diversos tendo o agbê como norte, em terreiros de umbanda, fanfarras e outros movimentos culturais, as duas se encontraram no grupo Filhas de Oyá, há cerca de dois anos, e decidiram fundar o Agbelas. A princípio, o objetivo era conceber um curso on-line, de como fazer e tocar, mas o projeto acabou ganhando contorno que até suas idealizadoras têm certa dificuldade de delimitar.
“O Agbelas é uma iniciativa feminina, embora não sejamos excludentes, onde a gente fala muito da importância da cultura da consciência dos nossos passados, honrando as matrizes de onde veio esse instrumento, que é um símbolo da diáspora”, resume Giovanna.
“A gente vive se perguntando o que é o Agbelas. Porque pra gente é uma construção constante e um lugar de experimentação”, completa Nathália.
Instrumento ancestral
No Instagram, o perfil do Agbelas ensina desde modos de tocar ao processo de produção do idiofone, cuja estrutura é feita a partir de uma cabaça seca, cortada em uma das extremidades e envolta em uma rede de contas ou búzios.
O conteúdo livre também traz referências e reflexões sobre o significado do item enquanto herança afrobrasileira, técnicas de improviso, além de dicas do que fazer caso o instrumento se quebre. “Tem de tudo. Até vídeo ensinando como tocar Billi Jean [música de Michael Jackson] com o Agbê. Esse material das redes, gratuito, está nesse lugar de doação e missão”, explica Giovanna.
A dupla também ministra os cursos que idealizaram no início do projeto. Depois de formar mais de 400 alunos antes da pandemia, elas migraram para as oficinas on-line. O sucesso é tanto que, em uma semana, tiveram que fechar as inscrições para a próxima turma, que iniciou este mês. “Tivemos 40 alunas inscritas. Quatro internacionais, que moram no Japão, Alemanha, Londres e Chile. Estamos chiques. Agora, só na próxima turma”, avisa Giovanna.
Mesmo on-line, elas fazem questão de limitar o número de aprendizes para terem uma relação mais próxima com todas. Isso porque um requisito importante para desenvolver as habilidades de ritmos, toques, cantos, meditações e práticas de movimento corporal, e o envolvimento coletivo.
Elas garantem que até os que se consideram “sem ritmo” podem entrar em contato com o instrumento, tocar e se sentirem transformados. “A gente recebe muitos relatos de pessoas que nem sabiam que eram capazes de fazer tanta coisa – de construir a tocar um instrumento e muitas vezes até desenvolver habilidades corporais. O agbê não é só sobre música, mas sobre autoconhecimento e terapia. Porque é por meio do ritmo que a gente conhece as matrizes afrobrasileiras”.
Alívio para a pandemia
Enquanto muitos artistas sofrem com a pandemia de Covid-19, que já dura um ano, Giovanna e Nathália viram o projeto crescer nesse período. Hoje, a renda das duas vem apenas do instrumento. “O agbê está na moda. Já está nas fanfarras do Rio de Janeiro, de BH. É um produto musical em expansão de demanda e isso é muito raro. A gente também enxergou uma oportunidade financeira”, comenta a bacharel em engenharia de produção.
Para além das oficinas, as duas já ensinaram grupos de percussão internacionais e começaram a exportar o agbê. A demanda ficou tão grande que tiveram que pedir ajuda. “Demos oficina para um grupo de Nova Orleans, outro na França e passamos a vender o produto também. Foi aí que surgiu o Atelier Agbelas, para darmos conta de tudo. O agbê foi um mercado maravilhoso que encontramos”, diz Nathália.
Os planos para o pós-pandemia incluem levar a “palavra do agbê” pessoalmente para outros países. “A gente sentiu que tem muito espaço, muito interesse e pretende levar isso como um lifestyle”, conclui Giovanna.
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