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Aos 95 anos, Dona Ivone Lara é tema de shows, exposição e livro

Em “Dona Ivone Lara – A Primeira-Dama do Samba”, Lucas Nobile resgata os principais episódios da vida da cantora e compositora carioca

atualizado

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GUTO COSTA/REPRODUÇÃO
DONA IVONE LARA
1 de 1 DONA IVONE LARA - Foto: GUTO COSTA/REPRODUÇÃO

Difícil imaginar a história do samba sem Dona Ivone Lara. Prestes a completar 95 anos (seu aniversário é dia 13 de abril), a cantora e compositora carioca tem mais de seis décadas de música.

Nos anos 1940, Dona Ivone escreveu os primeiros sambas-enredo e partidos-alto. Naquela época, o machismo era mais forte do que nos dias atuais e ela precisou buscar uma solução para que seus sambas fossem cantados na quadra da agremiação Prazer da Serrinha. A saída foi entregar as músicas para o primo Fuleiro, que interpretou as composições como se fossem dele.

Em 1965, o ambiente predominantemente masculino das escolas de samba começou a mudar. Dona Ivone ingressou na Ala de Compositores da Império Serrano, onde fez história por ser a primeira mulher a compor um samba-enredo. “Os cinco bailes tradicionais da história do Rio” foi feito com o mestre Silas de Oliveira, parceiro também de “Os cincos bailes da corte”.

De lá pra cá, ela tornou-se madrinha da ala dos compositores de sua escola de coração (que fez dela enredo em 2012 com (“Dona Ivone Lara: Enredo do meu samba”), gravou discos e fez shows no Brasil e no mundo. Recentemente, um dos tributos veio em formato de super produção: CDs, DVD, discobiografia, site e livro de partituras com seus sucessos. No “Sambabook Dona Lara”, Leci Brandão, Zélia Duncan e Maria Bethânia cantam “Enredo do Meu Samba”, Tendência” e Sonho Meu”, entre outros sambas emblemáticos da artista.

Vera Donato/Reprodução
Lucas Nobile, autor da discobiografia de Dona Ivone Lara

O Metrópoles conversou com o jornalista Lucas Nobile, autor da discobiografia de Dona Ivone Lara. Na conversa, Lucas fala sobre o que descobriu enquanto escrevia o livro; a importância de Dona Ivone na música brasileira e os projetos programados para 13 de abril, data em que a homenageada completa nova 95 anos.

O projeto Sambabook sempre conta com discobiografias. Como o convite chegou até você?
O convite chegou em agosto de 2014 e foi feito pelo pessoal da Musickeria, que realiza o Sambabook desde 2012. Acompanhei as edições do projeto desde o começo e acho muito interessante esta linha seguida por eles, de contemplar artistas que estão vivos. Com exceção de João Nogueira (que foi um gênio), todos os outros artistas retratados no Sambabook estão aí: Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Dona Ivone Lara e, agora, Jorge Aragão. E o projeto tem aspectos, a meu ver, louváveis: primeiro, esse caminho de contar a trajetória do artista por meio de seus discos, de sua obra; segundo, por ser algo para todo mundo que gosta de música, sejam iniciantes ou iniciados, familiarizados com o universo do samba ou não; e, não menos importante, por ser documental e completo. Quem quiser se inteirar da trajetória de Dona Ivone, por exemplo, poderá fazê-lo por meio do livro biográfico, de um DVD e dois CDs em que grandes nomes da música interpretam composições de D. Ivone, e de um livro com 60 partituras com canções da artista. E o que é muito bacana também é que o público pode comprar o box completo ou cada um desses produtos separadamente.

Qual era a sua relação com Dona Ivone Lara antes do livro?
Minha relação com a obra de Dona Ivone vem desde a infância, daquele jeito meio involuntário, como praticamente quase todo brasileiro, isto é, ouvindo seus clássicos pelo rádio, nos discos ou em programas de televisão. Muita gente que nasceu entre os anos 1970 e 1990 certamente ouviu “Sonho Meu”, “Acreditar”, “Alguém Me Avisou”, só para citar algumas. Quando eu tinha 14 anos (hoje tenho 32), comecei a tocar cavaquinho e a frequentar rodas de samba e de choro. Ali, inevitavelmente, passei a conhecer muitas composições de Dona Ivone e depois mergulhei na discografia dela e fui a diversos shows. Enfim, minha ligação com a obra dela vem de longe. Anos depois, me formei em jornalismo e acabei entrevistando Dona Ivone algumas vezes para reportagens que fiz em veículos como “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, por exemplo. Isso ajudou muito na feitura do livro.

Sonora editora/Reprodução

Livro “Dona Ivone Lara – A Primeira-Dama do Samba”, de Lucas Nobile. Sonora Editora. 236 páginas. Preço médio: R$ 49,90.

Em suas pesquisas, qual foi a “descoberta” mais emocionante sobre Done Ivone?
Acho que o livro conseguiu trazer muitas novidades e descobertas. Levando-se em conta que já existiam dois livros sobre Dona Ivone (mais um outro, de fotografias) e que a bibliografia sobre nomes ligados ao Império Serrano é relativamente rica, acho que conseguimos avançar e aprofundar em vários pontos. Para chegar a isso, foram 60 entrevistados e mais de 10 mil jornais, revistas, fotografias e documentos pesquisados. Se pudesse citar algumas dessas novidades, falaria da descoberta que Dona Ivone foi porta-bandeira na Prazer da Serrinha, de suas primeiras composições gravadas ainda nos anos 1960, de histórias curiosas sobre suas apresentações em países como Angola, Japão, França, Estados Unidos, da origem de várias composições, de sua atuação como uma das protagonistas no filme “A Força de Xangô”. Enfim, é uma trajetória muito rica, na carreira artística e antes dela, já que Dona Ivone dedicou 37 anos de sua vida à assistência social, cuidando de doentes mentais. Haja história…

Na sua opinião, existem outras mulheres no samba com relevância igual a de Dona Ivone?
Inúmeras mulheres contribuíram e ainda contribuem muito para a história do samba. Desde as passistas da escolas de samba, as costureiras dos figurinos do carnaval, as porta-bandeiras, as cozinheiras, as chamadas pastoras das agremiações, as instrumentistas, as coreógrafas, as cantoras, as compositoras e até as diretoras e presidentes de escolas carnavalescas. Cada uma das que tiveram a coragem de meter a cara no ambiente completamente machista do samba merece o máximo respeito. E não só no samba, digo isso em relação ao meio musical e, claro, à sociedade como um todo. Muita coisa melhorou, mas ainda temos muito a melhorar para viver de forma mais igualitária. Claro, em se tratando de samba, Dona Ivone foi uma pioneira em vários aspectos. Foi a primeira mulher a ter um samba-enredo defendido por uma escola da tradição do Império Serrano na avenida, com “Os Cinco Bailes da História do Rio”, em 1965; foi a primeira a integrar a ala de compositores de uma agremiação da elite do carnaval carioca (ainda que mais como madrinha); e foi a primeira a cantar daquele jeito, abrindo vozes; foi a primeira a compor com aquelas melodias tão populares e sofisticadas; a primeira a tocar um instrumento, o cavaquinho; a primeira a sambar daquele jeito, com aquele miudinho que merecia um documentário, como me disse Caetano Veloso; e a primeira a confeccionar o próprio figurino para se apresentar. Por tudo isso e pela qualidade de sua obra, ela acabou ganhando bastante projeção, assim como outros nomes importantes, como Clementina de Jesus, Leci Brandão, Beth Carvalho, Clara Nunes, Jovelina Pérola Negra, Alcione, Cristina Buarque e Aracy de Almeida.

O que Dona Ivone e família acharam da discobiografia?
Na última vez em que estive com Dona Ivone, ela disse que ainda iria ler. Todo mundo da família disse ter gostado muito e todos me agradeceram por eu ter ajudado a contar a história dela com profissionalismo. Dona Ivone e seus familiares sempre foram muito solícitos e respeitosos e, importante que se diga, nunca interferiram em nenhuma etapa do livro, tanto que só foram ler quando foi publicado. Tive total liberdade para fazer esta discobiografia.

Acervo Bertha Nutels/Reprodução
Os parceiros musicais Delcio carvalho e Dona Ivone Lara

Delcio Carvalho é o principal parceiro de Dona Ivone, porém, ainda se fala pouco sobre ele. Qual é a importância dele na história de Dona Ivone?
Delcio Carvalho foi um craque, um dos maiores letristas da história da música brasileira. Era dono de um estilo muito direto e de extrema categoria. Sem contar que cantava com muita elegância. Claro, a parceria do Delcio com Dona Ivone foi muito marcante, isso é inquestionável – basta ouvir “Sonho Meu”, “Acreditar”, “Alvorecer”, “Liberdade”, entre outros clássicos. E, veja só, quando Dona Ivone decidiu se dedicar exclusivamente à carreira artística, em 1978, Delcio já tinha tido composições suas gravadas por cantores de sucesso, já tinha um cartaz. Lamento muito que um cara com um talento e um currículo dessa magnitude seja limitado a uma parceria só, por mais importância que ela tenha tido. Você não vê isso acontecer com outros letristas igualmente geniais. Não se vê o Vinicius de Moraes ser limitado “apenas” como parceiro do Tom Jobim, o Paulo César Pinheiro com o Baden Powell, o Aldir Blanc com o João Bosco. Por quê? Claro, porque eles fizeram história nessas duplas, mas compuseram com outros parceiros importantes. Isso também aconteceu com o Delcio, que compôs com Elton Medeiros, Carlos Cachaça, Nei Lopes, Monarco, Zé Keti, Capiba, Wilson das Neves, Noca da Portela, Cristóvão Bastos, Ivor Lancelotti, entre outros. Muitos dos sucessos cantados por Dona Ivone Lara que fazem parte do imaginário coletivo brasileiro não existiriam sem a caneta de Delcio Carvalho. Uma hora ou outra as pessoas vão ter que reconhecer o tamanho desse grande compositor.

Em abril, Dona Ivone completa 95 anos. Existe alguma programação especial para a data? 
No dia do aniversário, 13 de abril, vai ter show no Imperator (Centro Cultural João Nogueira, RJ) com Dona Ivone, Áurea Martins, Nilze Carvalho e Luiza Dionizio. Em São Paulo, devem rolar alguns eventos. Ano passado, esteve em cartaz a “Ocupação Dona Ivone Lara”, exposição sobre ela no Itaú Cultural, com curadoria do Tiganá Santana, cenografia da Vânia Medeiros e consultoria minha, com mais de 30 mil visitantes. Há conversas para levar isso ao Rio ainda este ano, torço para que seja concretizado e que um número maior de pessoas possam conhecer mais sobre a história de Dona Ivone.

Há planos para outros livros?
Tenho trabalhado em dois projetos de livros, ainda em negociação. Só posso adiantar que são sobre grandes nomes da música brasileira. Além disso, eu e outros parceiros trabalhamos em um documentário sobre o compositor e multi-instrumentista centenário Garoto, pai do violão moderno brasileiro e autor da clássica “Gente Humilde”, com Vinicius de Moraes e Chico Buarque. Em breve, teremos boas novas.

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