Afinal, canção de Juliette e Duda Beat é plágio? Especialistas opinam
Acusação de plágio por Evandro Fióti e Emicida levou Bauducco a cancelar campanha publicitária com Juliette Freire e Duda Beat
atualizado
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Ter um single entre os assuntos mais comentados da web é o sonho de muitos artistas. Juliette e Duda Beat conseguiram o feito juntas, mas de uma forma nada positiva para suas carreiras. Logo após ser lançada, a canção Magia Amarela foi definida como plágio do projeto musical AmarElo, de Emicida, vencedor do Grammy de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa, em 2020.
A repercussão levou Juliette e Duda Beat a se manifestarem. As cantoras revelaram que o single, na verdade, se tratava de uma ação publicitária da Bauducco, que chegou a convidar Emicida para uma parceria. Após muitas críticas, a marca de biscoitos resolveu tirar a campanha do ar, mas as opiniões sobre o caso seguem divididas até mesmo entre especialistas: afinal, houve apropriação indevida de ideias na parceria de Juliette e Duda Beat?
Para o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual, não há que se falar em plágio de ideias. “A Lei de Direito Autoral não define o que é plágio. Essa é uma construção doutrinária, jurisprudencial”, explica.
Duda Beat recua e apaga nota se defendendo de plágio
Segundo o jurista, para que o plágio seja detectado, é necessária uma perícia, geralmente feita no curso de processos judiciais. “E essa perícia tem critérios muito técnicos dependendo da natureza da obra. Se for um livro, um método comparativo, por exemplo. Música da mesma forma, para verificar se existem elementos de coincidência. Mas esses elementos precisam ser objetivos”, afirma.
Luciano Andrade Pinheiro, advogado
“Se a acusação de plágio for na melodia, é necessário que a canção tenha uma identidade na sequência de notas, por exemplo. Se for na letra, uma repetição na formação das palavras, das frases, dos versos… Na minha opinião, isso não acontece com essas duas músicas, Magia Amarela e AmarElo”, conclui o advogado.
O especialista em direito privado, Fredímio Biasotto Trotta, advogado de Toninho Geraes, compositor que recentemente acusou Adele de plágio, discorda do colega.
“Embora a legislação brasileira não considere o conceito de uma obra artística como propriedade exclusiva do criador, sob a ótica de que as ideias pertencem à humanidade, é certo que em matéria de plágio cada caso é um caso”, diz.
“Neste parece que, além da apropriação do conceito buscou-se uma similitude em formas — que é o que caracteriza efetivamente o plágio. Por exemplo: os frames da abertura do videoclipe de Magia Amarela, com as cantoras de perfil, são muito semelhantes à foto de capa do Documentário de Emicida. Há também aproximações na tipologia. E, sobretudo, identidade no trecho da letra em que se faz trocadilhos entre “amarelo” e “amar elo”, que é o ponto crucial do projeto de Emicida, copiado no refrão da música cantada por Julliete e Duda.
Outro ponto relevante, segundo o advogado é a informação prestada por Evandro Fióti, irmão e produtor de Emicida, de que a marca teria os procurado anteriormente para utilizar a obra AmarElo em seu reposicionamento mercadológico. “Ou seja, usando dos mesmos trocadilhos, há muitos ‘elos’ que podem embasar as negociações para que as partes cheguem a um acordo, ou mesmo para uma briga judicial.
Vínculo com marca “desequilibra o jogo”
Doutora em sociologia, consultora em planejamento e gestão de carreira na música e diretora da Sonar Cultural Consultoria, Dani Ribas faz sua análise a partir de outro ponto de vista. Para ela, o vínculo da canção com uma marca “desequilibra o jogo” do mercado musical e obriga os criadores a reagirem.
“As marcas amplificaram os seus investimentos no meio digital usando a música para isso. Então quando uma marca coloca um orçamento para se aproveitar de uma criação cultural muito significativa da nossa época — que diz muito sobre a nossa época e a trajetória de vida de um artista, no caso do Emicida — isso já não é mais um discurso interno do campo artístico”, opina a pesquisadora.
Para Ribas, “existe um diálogo criativo em que um determinado artista lança uma ideia criativa e isso gera consequências no campo artístico”.
“Porque os demais artistas que vêm depois, eles vão dialogar com essa ideia artística, ressignificando-a, às vezes rejeitando essa ideia e propondo outra coisa no lugar, às vezes endossando essa ideia e colocando um elemento a mais nessa ideia para ser discutido no campo artístico”, reflete.
Na visão de Ribas, os interesses econômicos da Bauducco impedem que o debate seja sobre inspiração e referência. “Infelizmente esse episódio se tornou uma disputa entre dois artistas, quando na verdade a marca deveria estar se retratando e não os artistas brigando entre si, porque isso deveria ser um diálogo criativo e isso se transformou num diálogo mercadológico”.
“Qual é a diferença de usar uma referência e de usar um plágio? Plágio é quando a gente pega o que o outro fez e diz que foi a gente que fez. E referência é quando a gente pega o que o outro fez, articula com outras referências e isso se transforma em pesquisa musical. Porque a arte é incremental, ou seja, não se faz nada do zero, a gente sempre parte de algum lugar e sempre usa tudo que foi produzido antes desse momento para se apoiar e usar como referência para criar”, esclarece Dani Ribas.