Louise Cardoso fala sobre liberdade, etarismo e papel em Tia Virgínia
Em cartaz no longa Tia Virgínia, Louise Cardoso analisa papel polêmico de personagem no longa e conta como etarismo tem atingido a carreira
atualizado
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A pele clara, o nariz fino e os cabelos castanhos de Louise Cardoso são conhecidos dos amantes de novela, cinema e teatro. A atriz tem uma extensa carreira e segue em atividade, seja se adaptando ao streaming, ou seguindo passos mais tradicionais. Aos 68 anos, ela reconhece a existência do etarismo na arte, mas garante ter escapado até agora.
“Existe sim, claro, um etarismo, principalmente na televisão, uma mania de só os atores jovens contarem histórias só sobre os atores jovens, mas eu escapei disso. Eu sempre estou trabalhando e não posso reclamar”, afirma a artista em entrevista ao Metrópoles.
Agora, a artista está em cartaz nos cinemas como uma das personagens de Tia Virgínia, longa dirigido por Fabio Meira, que estreia nesta quinta-feira (9/11) em todo o país e passou por Brasília em pré-estreia. O longa conta a história da família de Virgínia (Vera Holtz), uma mulher solteira, que acaba com a responsabilidade de cuidar da mãe doente, enquanto as irmãs Vanda (Arlete Salles) e Valquíria, personagem de Louise, se casaram, tiveram filhos e moram em outras cidades. Mas diversas emoções vêm à tona quando elas se reúnem para uma ceia de Natal.
“O filme é tragicômico, como é uma família na noite de Natal. Ele faz um canal muito direto com a família brasileira”, avalia o diretor. No papel de uma das irmãs que se ausenta do cuidado do dia a dia com a mãe, mas enfrente os próprios problemas dentro de casa, Louise tem a própria leitura de sua personagem.
“Valquíria é metade da população brasileira. Ela acha que sempre tem razão, que tem a solução para todos os problemas, ela não quer enxergar os podres da família dela, ela sabe do que o filho é capaz, mas não admite. Para ela é muito cômodo: ela casou, saiu da cidade, deixou a Virgínia, ela e a Vanda deixaram a Virgínia cuidando da mãe. Aí quando ela vem no Natal, ela critica. Ela não olha para o outro com generosidade. Mas ela não é uma má pessoa, porque ela ama as irmãs, e ela quer cuidar. Ela acha que sabe cuidar melhor do que ninguém.”
Liberdade para escolher
A mistura delicada feita por Fabio Meira reúne memórias coletadas pelo cineasta ao longo de 20 anos de vida. Tia Virgínia é baseado em fatos reais da família do diretor, que decidiu, em 2013, contar a história do ponto de vista da irmã solteira.
“A decisão vem muito da admiração que tenho por essa minha tia, em quem o personagem da Virgínia está baseado. Ela foi uma mulher que a vida inteira viveu fora do padrão familiar, do padrão social que foi imposto a ela. E eu sempre admirei também essa coragem dela de ter uma vida própria”, conta Meira.
Ele compartilha ainda que quis mostrar as possibilidades que existem para a mulher hoje, e que foram muito diferentes em décadas passadas. Em entrevista, ele relembra de uma tia-avó que decidiu seguir solteira, mas que sofreu muito mais por ser uma “mulher solteira, morando sozinha, ganhando o próprio dinheiro” entre as décadas de 1940 e 1960. “Hoje existe muito mais liberdade para a mulher. Minhas primas, pro exemplo, têm uma vida muito mais livre do que elas tiveram.”
Do outro lado, Louise, que foi adolescente nos anos 1970, ressalta que nascer em “uma família bem louca” a permitiu ser livre mesmo durante os anos de ditadura militar. “Tinha movimento hippie, [a busca pela] liberdade sexual, a gente queria mudar o mundo. Tinham as drogas que vinham do sítio, não tinha tráfico ainda, e eu tinha uma família bem louca, no sentido de libertária. Minha mãe é mineira, tradicional, mas ela acompanhava as loucuras do meu pai, um baiano completamente de esquerda, comunistérrimo e bem excêntrico. Eu herdei um pouco dessa excentricidade dele”, conta.
A atriz ressalta ainda que carregou com ela esse perfil familiar. “Eu busquei manter a liberdade que conquistei dentro da minha família, e nos anos 1970, e hoje em dia está cada vez melhor para nós mulheres. É ruim de um homem gritar comigo ou tentar me bater. Não vai rolar isso, eu não vou deixar”, garante Louise Cardoso.
Relação com Brasília
A artista faz questão de pontuar o carinho que sente pela capital do país, onde gravou O Sonho Não Acabou, de Sérgio Rezende, em 1982. “Fiquei dois meses aqui e foi maravilhoso”, lembra. Na cidade, ela também participou do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, onde conquistou dois prêmios: “Em 1986, você nem era nascida, com O Baixo Gávea, e no ano seguinte, em 1987, com Leila Diniz”.
“Eu adoro Brasília por causa do espaço e do silêncio também. E eu acho que aqui a gente tem certeza que a Terra é redonda”, conta a atriz.
Quem também está no elenco e tem uma relação especial com a cidade é Iuri Saraiva, que nasceu no Rio de Janeiro e desembarcou na capital aos 9 anos, em 1998. Na idealização de Juscelino Kubitcheck, fez aulas de teatro e cultivou bons amigos, além de uma admiração pelo Cine Brasília.
“Tento vir para cá uma vez por ano e é sempre um alento. É muito simbólico estar aqui [no Cine Brasília] hoje. Para mim, é mágico. É a terceira pré-estreia que faço aqui em Brasília e para mim é muito especial. Minha família vai estar aqui hoje, meus amigos de infância”, conta o ator, que fez questão de apresentar a avó aos colegas de trabalho.