Roteiristas dão detalhes dos filmes sobre Suzane von Richthofen
Ilana Casoy e Raphael Montes ainda detalham adaptação do livro policial Bom Dia, Verônica, relançado em 2019, para a Netflix
atualizado
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Em 2019, foi revelada ao Brasil a verdadeira identidade de Andrea Killmore, autora do livro policial Bom Dia, Verônica. O escritor Raphael Montes e a criminóloga e também escritora Ilana Casoy, roteiristas dos dois filmes sobre o caso Richthofen, estavam por trás da chocante narrativa sobre uma escrivã da Polícia Civil que se vê embrenhada numa investigação de casos de violência contra a mulher.
Uma se suicida após suposta desilusão amorosa nutrida via internet. Outra, esposa de um PM, liga desesperadamente para a delegacia em busca de ajuda. Teme ser assassinada por ele. Verônica Torres coloca os afazeres burocráticos e até sua própria família em segundo plano para se debruçar sobre as horripilantes histórias.
Relançado em nova edição da Darkside, selo especializado em títulos de terror e afins, Bom Dia ganha adaptação em série pela Netflix em 2020. Com Tainá Müller no papel-título, Camila Morgado na pele de Janete, a mulher à procura de socorro, e Eduardo Moscovis interpretando Brandão, o marido policial ameaçador, a produção ainda não teve data de estreia confirmada.
Enquanto preparam a sequência literária Boa Tarde, Verônica para 2020, Casoy e Montes também se dedicaram recentemente a outra história de crime. Desta vez, real.
Ambos assinam os roteiros de A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais, filmes que dramatizam o caso Richthofen pelo olhar de Suzane e de Daniel Cravinhos, ex da jovem mandante das mortes e autor dos assassinatos ao lado do irmão, Cristian. Os longas serão lançados simultaneamente no ano que vem, ainda sem data divulgada.
Em entrevista ao Metrópoles, os autores detalham todos esses projetos: como é escrever livros a quatro mãos e, na função de roteiristas, dar um novo olhar sobre o caso Richthofen por meio do cinema.
Vocês trabalham com escrita, mas vêm de universos muito diferentes. Como é escrever a quatro mãos e dar organicidade à história?
Criamos nosso método particular, que envolve muitas conversas, histórias contadas de um para o outro, planejamento minucioso de cada capítulo do livro. Ao longo desses anos, nossos universos foram se mesclando, porque gostamos de fazer tudo junto e misturado. E a escrita de cada capítulo só acaba quando os dois gostam do resultado.
Alguns ingredientes fazem parte da receita: não ter vaidade, ser humilde, escutar sempre, esperar o tempo do outro… A harmonia deve prevalecer. O mais importante não é não brigar, mas sim fazer as pazes rapidamente. Nossa parceria é rara porque temos talentos complementares, não disputamos o mesmo lugar de criação.
Bom Dia, Verônica traz a perspectiva de uma escrivã de polícia e acho que isso permite usar a escrita como ferramenta nos próprios mecanismos do romance. Qual a principal contribuição de cada de um vocês para a história, para que ela soasse tão instigante quanto autêntica, crível e divertida?
Contribuímos igualmente. Muita gente apostou que dividimos os capítulos, mas se assim fosse o livro não teria uma unidade. Escaleta pronta, Ilana escreve a primeira versão, que Raphael completa/modifica/acrescenta, que volta para Ilana, que volta para Raphael, até os dois gostarmos. Mas o método não é rígido, ou seja, em algumas ocasiões já invertemos essa ordem por variados motivos.
Ilana é especialmente atenta a questões de verossimilhança, traz as situações para a realidade, graças a sua experiência de anos como criminóloga. Já Raphael foca mais no arco dramático, na evolução das personagens, nas maneiras de contar que geram surpresa e tensão. Um complementa o outro: não se trata de uma divisão de trabalho, mas uma multiplicação dele.
Em que pé está o desenvolvimento de Bom Dia, Verônica para a Netflix? E como é escrever romances e histórias criminais em tempos tão interconectados? De alguma maneira vocês chegaram a visualizar a trama em uma roupagem audiovisual durante a escrita?
Sonhávamos… Alguns capítulos até chamávamos de “cena”. Nós “assistimos” a esse livro desde o começo. Para nós foi precioso contar uma trama em linguagem literária e, depois, no audiovisual. São dois desafios bem diferentes. No livro, temos espaço infinito, nenhum custo adicional e toda a criatividade pode estar “em cena”. Já no processo audiovisual surgem muitos limites e, no nosso caso, novos personagens que possam contar a história com todos os detalhes.
A série é bem diferente do livro. Em alguns aspectos, chega a ser complementar. Literariamente é fácil entrar na cabeça de um personagem, mas no audiovisual ficaria incompreensível e chato usar a forma do livro. Criamos novas situações e personagens para contar quem é Verônica e o que acontece no Bom Dia, que serão aproveitados no próximo livro – Boa Tarde, Verônica – porque adoramos a chegada deles nessa história. Ter lido o livro não vai evitar novos mistérios e surpresas, isso é garantido.
O público da literatura e o do audiovisual difere bastante em suas exigências, mas uma coisa é comum: todos querem uma boa história.
O caso Richthofen vai ganhar dois filmes espelhados, sob perspectivas de Suzane e Daniel. Dessa maneira, vocês esperam trazer uma abordagem distinta da que foi vista em noticiários, algo mais voltado para as questões psicológicas por trás dos crimes?
O que foi visto nos noticiários? Apenas fatos, e ainda assim muita coisa não foi “ouvida” ou divulgada. Todos nós já tínhamos uma história pronta na cabeça, jornalistas e público. Ao pesquisar tantos anos depois, claramente as histórias de Suzane e Daniel já estavam lá, mas eram bem conflitantes.
O que nos interessou foi contar a dinâmica desse relacionamento vista por cada um em separado, para tentar vislumbrar como dois jovens tão comuns, que separadamente eram inofensivos, foram letais juntos e cometeram um crime tão brutal.
A cultura pop norte-americana tem uma obsessão permanente com assassinos em série e histórias de true crime, tanto na esfera documental quanto ficcional. É mais difícil explorar esse tipo de história no Brasil, especialmente quando envolve casos reais? E como é narrar algo verídico sem soar meramente folhetinesco, mas ao mesmo tempo envolver o público?
Pensamos que o caminho é ater-se ao processo com seriedade, sem distorcer a realidade. As histórias reais são muito ricas, mas há que se ter cuidado, porque algumas são folhetinescas de verdade e muitas vezes não são críveis.
Nossa realidade é única e precisa ganhar o mundo, ficar conhecida, mesmo entre os nossos. Nos entristece ver escritores e roteiristas brasileiros usando maneirismos e costumes estrangeiros para enriquecer suas histórias ou criar seus personagens. Nós, brasileiros, somos ricos de pessoas que têm seu jeito particular de conduzir suas próprias vidas.
Nossa parceria parece um bom caminho para achar a intersecção entre a arte e a realidade. A ficção imita a vida ou a vida imita a ficção? No nosso trabalho, isso não importa. Queremos mesmo é contar uma boa história.