Pedofilia na Igreja: livro traz dossiê inédito e expõe abusos cometidos por padres no Brasil
Fábio Gusmão e Giampaolo Braga investigaram denúncias de pedofilia no clero católico e mais de 25 mil páginas de documentos oficiais
atualizado
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“Crime é crime! E como crime deve ser tratado”, disse recentemente dom Jaime Spengler, eleito em abril para comandar a Confederação Nacional dos Bispos no Brasil. A “perspectiva de tolerância zero” contra casos de pedofilia cometidos por sarcedotes, à qual se refere o atual presidente da CNBB, não encontra respaldo em como a Igreja Católica tem lidado, ao longo dos anos, com as denúncias de abusos que sangram em sua própria carne.
É o que aponta o livro-reportagem escrito pelos premiados jornalistas Fábio Gusmão e Giampaolo Morgado Braga, que chega às livrarias em junho, mas já está disponível como e-book em mais de 20 plataformas digitais. Pedofilia na Igreja – Um Dossiê Inédito Sobre Casos de Abusos Envolvendo Padres Católicos no Brasil é fruto de uma longa investigação e pesquisas em mais de 25 mil páginas de documentos em tribunais, ministérios públicos, inquéritos policiais, relatórios e bases de dados internacionais.
O resultado é um minucioso retrato da pedofilia na Igreja Católica no Brasil: são, pelo menos, 108 membros do clero acusados, indiciados, denunciados, condenados ou que se tornaram réus por envolvimento em abuso sexual de 148 crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência intelectual. Os casos aconteceram em 96 cidades de 23 estados. As 108 denúncias, todas descritas no livro, envolvem arcebispos, bispos, monsenhores, padres, frades e, em uma delas, uma freira.
Em entrevista ao Metrópoles, os autores explicam qual gatilho os levou a mergulhar de cabeça em um tema ainda tabu no país com maior número de fiéis do catolicismo no mundo, segundo levantamento do Anuário Pontifício de 2023, divulgado pelo Vaticano em março. “Os publishers da editora nos procuraram com o projeto. E achei aquilo um sinal divino. Eu nunca esqueci do dia em que saí do cinema após assistir Spotlight. Queria fazer exatamente aquilo no Brasil, principalmente após ver as cidades listadas no fim do filme com casos registrados de pedofilia. Sete anos depois, foi uma missão cumprida”, diz Fábio Gusmão.
Para Giampaolo, havia a percepção de que, com as mudanças na legislação da Igreja Católica promovidas pelo papa Francisco e pela própria postura do pontífice em relação aos abusos sexuais cometidos por padres, esse assunto era um tema a ser discutido. “Pessoalmente, eu tinha duas perguntas que me vinham à mente sobre os crimes cometidos por sacerdotes contra crianças e adolescentes: por que o Brasil falava tão pouco sobre esse tema, e qual é o impacto do abuso na vida das vítimas”, conta.
Além do acervo documental, a obra apresenta relatos comoventes de vítimas e seus parentes, um padre condenado pelo crime e psicólogos que atendem abusados e abusadores. Dois casos, em especial, marcaram Giampaolo mais profundamente: o do frade franciscano Paulo Back, condenado a 20 anos de prisão, em regime fechado, por abuso sexual contra dois jovens menores de 14 anos. “Foi preciso que um menino o denunciasse para que vítimas de décadas aparecessem relatando terem sido molestadas. O outro, o caso do abuso por um padre e uma freira da Igreja Ucraniana. A violência foi contra uma menina de 3 anos e foi muito triste ver como isso causou uma marca nela e em sua família. Uma marca que, talvez, nunca se apague.”
Impunidade
O livro Pedofilia na Igreja não se limita ao levantamento dos crimes, mas procura avançar nas causas e consequências das denúncias. Do silêncio das vítimas e de seus familiares, normalmente de comunidades tradicionais cristãs, ao segredo de Justiça (que também esconde o nome do agressor), Giampaolo salienta ainda a falta de uma obrigatória comunicação às autoridades civis, dos processos canônicos sobre crimes sexuais, para a sensação de impunidade e injustiça tão latentes na sociedade.
“É possível ter uma situação, atualmente, em que o padre é denunciado à igreja por estuprar uma criança, responde a um processo canônico, é expulso da igreja e esse caso não chegue à polícia ou ao Ministério Público. Tudo isso contribui para que os culpados não sejam punidos por todos os crimes que cometeram. E para que as vítimas sintam que a justiça não foi feita”, pondera o autor.
Por fim, os jornalistas reforçam que, apesar da demora para obter um posicionamento e orientação sobre quem responderia pela instituição, a Igreja Católica não ofereceu resistência ao ser questionada sobre o tema. Vale ressaltar que o papa Francisco, que de 2014 a 2022 emitiu 15 documentos sobre abuso de menores, fez do combate à pedofilia a principal bandeira de seu pontificado.