Para o jornalista Luciano Trigo, Bolsonaro é fruto de desilusão com PT
Autor do livro Guerra de Narrativas, o jornalista analisa cenário político do país a partir das manifestações de 2013
atualizado
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Tão importante quanto as armas, o controle do imaginário da população é decisivo para a vitória em uma batalha. Essa é a tese do jornalista e escritor Luciano Trigo, autor do livro Guerra de Narrativas, lançado recentemente pela editora Globo. Na obra, ele analisa o processo de declínio do ciclo petista, com início nas manifestações populares de 2013, e e resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a divisão da sociedade entre “nós” e “eles”.
Apesar de o título sugerir um duelo de ideias, o autor atém-se à crítica ferrenha ao que chama de narrativa lulopetista. O motivo do recorte nos “erros e truques do PT”, de acordo com o jornalista, deu-se pelo fato de o partido ser o dono do poder durante o período investigado (2013-2016).
Isso não significa que eu simpatize com outras siglas. Eram os partidos no poder que detinham os recursos e os mecanismos necessários para tentar consolidar na percepção popular uma ficção de consenso em torno dos êxitos dos governos Lula e Dilma
Luciano Trigo
O autor diz reconhecer acertos como a consolidação dos mecanismos de distribuição de renda, que levaram à redução da desigualdade social durante os dois mandatos de Lula, mas reitera a necessidade de não usar tais avanços como justificativa para o que considera o “maior esquema de corrupção do país”.
No texto, Trigo discorre sobre como a insistência no discurso de golpe e o não reconhecimento no processo do qual o partido saiu derrotado “no Legislativo, Judiciário e nas ruas” é a última cartada petista. “Só restou a eles se aferrarem à guerra de narrativas, pois, é por meio da tentativa de controle do imaginário, que eles ainda conseguem exercer algum poder sobre parte da sociedade”, acredita Trigo.
Longe de ser um conflito passageiro, a disputa gerada pelas visões maniqueístas em torno da queda de Dilma representa grandes perigos ao Brasil. Um deles, a necessidade de desforra levar algumas pessoas a apostarem em um projeto igualmente “populista e messiânico de direita”. Prova disso, é a candidatura de Bolsonaro ter conseguido grande aceitação entre os antipetistas.
Uma parcela enorme da população, que nunca se sentiu representada nos governos de Lula e Dilma, está embriagada com a possibilidade de uma revanche
Luciano Trigo
Luciano Trigo frisa, ainda, que a principal responsável pelo crescimento da direita no país, é a própria esquerda. “Por teimar em associar-se ao projeto do PT”, explica. O jornalista reconhece a aparente vitória desta narrativa, já que o ex-presidente, mesmo preso, lidera as intenções de votos.
“A popularidade de Lula se deve à força da narrativa na qual prevalece a lembrança das políticas de redução das desigualdades e das conquistas sociais de seus governos, que foram reais. O problema é que, tão verdadeira quanto esta, é a narrativa na qual prevalece a lembrança do gigantesco esquema de corrupção montado para financiar o projeto de perpetuação no poder do PT”, considera o autor.
Entrevista Luciano Trigo:
Por mais de uma vez, você cita os intelectuais adeptos ao lulopetismo e chega a falar de escola com partido. Para você, a narrativa hegemônica começa a adentrar o imaginário dos jovens no ambiente escolar? De que maneira?
Com toda certeza. Na grande maioria das escolas e universidades, públicas e privadas, os professores estão, em geral, alinhados com a narrativa que defende incondicionalmente o PT, que atribui a queda de Dilma a um golpe das elites e acredita na honestidade de Lula. Essa é a narrativa reproduzida nas salas de aula. Ora, alguém que tinha 10 anos quando Lula foi eleito pela primeira vez, tinha 24 anos quando Dilma caiu. Esse jovem foi formado por essa narrativa – e chegou a vida adulta sem conhecer outro Brasil.
Numa idade em que a necessidade de aceitação e pertencimento é muito forte, é natural que a maior parte desses jovens tenha aderido a essa narrativa, a esse entendimento da política como uma disputa entre o bem e o mal. Reforça essa narrativa não apenas o comportamento dos professores em sala de aula, mas também a fala de artistas e intelectuais que, por diferentes motivos, se sentem moralmente obrigados a defender o PT, nos acertos e nos erros.
Em um dos trechos do livro, você afirma que “é cômodo ter um sistema para culpar, acreditar que a a minha felicidade individual é obrigação do Estado, e que os outros têm uma dívida histórica a saldar comigo, do que assumir a minha responsabilidade pelo meu sucesso ou fracasso”. A partir dessa afirmação, pode-se inferir que o autor é adepto à ideologia da meritocracia e contra políticas de cotas raciais? Posicionamentos duramente criticados pelos “lulopetistas”.
Não se pode inferir nada disso. Ocorre que no Brasil a palavra “meritocracia”, como aliás muitas outras, teve seu sentido distorcido a ponto de se tornar quase um palavrão. Mas o tempo inteiro somos desafiados pela vida a superar obstáculos com base no nosso mérito, no nosso esforço, nos nossos talentos, na nossa perseverança. Independentemente da nossa classe social. Acreditar que existe um mundo no qual o mérito individual não importa, que dinheiro dá em árvore, que os recursos são infinitos e que cabe ao Estado garantir todos desejos e necessidades é não entender nada sobre a realidade da vida.
E as cotas?
Sobre as cotas, defendo que o critério seja social, não racial. É preciso tentar mitigar a desigualdade no acesso à educação que prejudica os estudantes mais pobres, independentemente da etnia. É para isso que essas políticas devem servir. Ainda mais importante é investir pesadamente na educação de qualidade e na universalização do ensino, para que as oportunidades sejam iguais no ponto de partida.